As pirâmides que vieram antes da TelexFree
Você certamente já ouviu falar sobre a TelexFree: a empresa vende um serviço de VoIP, mas chama a atenção por sua rede de “divulgadores” e pela promessa de dinheiro fácil. Há diversas evidências de que isso se trata de uma pirâmide financeira – e não seria a primeira no Brasil.
Na pirâmide, o foco está em recrutar mais pessoas, em vez de vender o produto em si. Na verdade, ganha-se mais no recrutamento que na venda: isso cria uma cadeia infinita de pessoas motivadas a atrair mais interessados.
É que, para entrar, é preciso pagar; e geralmente esse dinheiro novo acaba remunerando os membros antigos, a fim de sustentar o esquema. No entanto, isso não dura para sempre, e pode causar um grande prejuízo para a maioria dos envolvidos.
Por isso a TelexFree chamou a atenção de órgãos do governo: o Ministério da Justiça abriu processo administrativo contra a empresa, e o Ministério Público do Acre entrou com uma medida cautelar. A TelexFree continua impedida de vender produtos ou cadastrar novos divulgadores. Na ação civil pública movida na Justiça, o MP/AC cogita que a empresa seja a maior pirâmide do Brasil, com 450 mil recrutados.
Este pode ser o maior esquema do tipo, mas certamente não seria o primeiro no país. Veja a seguir os casos famosos de pirâmide financeira, indo de bois a fundos de investimento.
Avestruz Master
O caso Avestruz Master é considerado pela Procuradoria da República como o “maior crime financeiro no Estado de Goiás”. Segundo o órgão, foram cerca de 40 mil pessoas lesadas e o prejuízo calculado passa de R$ 1 bilhão.
A empresa, fundada em 1998, oferecia contratos de compra e venda de avestruzes e se comprometia a recomprar as aves. Em 18 meses, o lucro obtido seria de 10%, dinheiro vindo da exportação da carne para o exterior. Mas o negócio era totalmente insustentável, de acordo com o juiz Carlos Magno Rocha da Silva, que decretou a falência da Avestruz Master:
A empresa tinha um tanto de avestruzes, porém não tinha mercado interno nem condições de exportar, porque sequer o Ministério da Fazenda havia autorizado a exportação. Nem nos próximos cem anos o Brasil inteiro iria consumir tanta carne de avestruz como eles precisavam para tornar a empresa viável. Aquele frigorífico, pelo tamanho, só teria equilíbrio financeiro se abatesse 400 aves/dia, abaixo disso era prejuízo.
No fim das contas, nada chegou a ser exportado e nenhuma ave foi sequer abatida — nas palavras do juiz, a Avestruz Master “não tinha qualquer processo produtivo, jamais vendeu um leque de pena de avestruz”.
O desconhecimento de grande parte dos investidores contribuiu para que o golpe fosse aplicado, como mostra a reportagem da revista Fato Típico, do Ministério Público Federal em Goiás:
A maior parte da clientela da empresa nada entendia do ramo de aves. Ao investir na Avestruz Master, buscava “lucro com o negócio ofertado massivamente pela empresa”. Em depoimento, um dos clientes lesados responde sobre seu objetivo: “queria obter renda. Em nenhum momento foi falado em criação de avestruz. Até mesmo porque eu não tenho fazenda ou qualquer lugar para colocar essas aves”.
Produtos que ninguém vê, promessa de grandes lucros, desconhecimento sobre o mercado: eis uma combinação perigosa.
As investigações começaram em 2003, acompanhando o crescimento da empresa. Em 2006, um ano depois de a empresa fechar as portas e seus sócios fugirem para o Paraguai, foi decretada a falência. Em 2010, o caso chegou ao fim: dois filhos e o genro do dono da empresa, falecido em 2008, foram condenados pela Justiça de Goiás a mais de 10 anos de prisão. Eles também foram condenados a pagar uma indenização de R$ 100 milhões, mas esse valor só deverá ser pago quando todos os recursos judiciais forem esgotados.
Boi Gordo
Fundada em 1988, a Fazendas Reunidas Boi Gordo se baseava nas chamadas empresas de parcerias. O investidor comprava cotas de animais, que seriam engordados, abatidos e vendidos pela Boi Gordo. O rendimento era muito maior do que a média do lucro da atividade agropecuária, como explica a Revista Dinheiro Rural:
Os rendimentos oferecidos à época, de 42% após 18 meses, não refletiam o lucro com a atividade pecuária, que gira em torno de 10%.
Como a empresa pagava os resgates, então? Com o dinheiro de quem entrava depois, como todo bom esquema de pirâmide. Mas chegou um momento em que a conta não fechou. A empresa pediu concordata em 2001 e teve sua falência decretada em 2004. A massa falida da empresa, desde então, vem sendo leiloada para pagar os credores.
O criador do esquema, entretanto, não foi condenado: o processo contra ele foi anulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2009, pois tinha prescrevido, desapontando até mesmo o promotor de justiça do caso, como mostra essa notícia do Estadão:
“É a pizza. Fazer o quê?”, afirma o promotor de Justiça Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos, da Vara de Falências de São Paulo. “Lamento a anulação de um caso emblemático como esse. Houve um golpe, milhares de pessoas foram lesadas e não haverá responsabilização penal”
A condenação veio apenas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com uma multa de R$ 20 milhões e a proibição de exercer o cargo de administrador de qualquer empresa imposta ao dono da Boi Gordo, Paulo Roberto de Andrade.
O esquema também usava publicidade para convencer dos lucros: propagandas com o ator Antônio Fagundes foram veiculadas nos intervalos da novela O Rei do Gado. Mais uma vez, os investidores não conheciam direito o negócio: eram profissionais liberais como médicos, advogados e empresários. Os lesados foram cerca de 30 mil e o prejuízo ficou na casa dos R$ 2,5 bilhões.
Firv Consultoria
Thales Maioline criou a Firv Consultoria e Administração de Recursos Financeiros, empresa que oferecia investimentos no Fundo de Investimento Capitalizado (Ficap). O fundo — que, na verdade, só existia no site da empresa — oferecia taxas de retorno mensais acima de 5% ao mês, além de um bônus semestral. Os rendimentos podiam chegar perto de 85% ao ano, valor bem superior a taxa de juros, que variava em torno dos 10% ao ano.
Como em toda pirâmide, Thales pagava os resgates com o dinheiro dos novos investidores. Quando um deles foi sacar seus R$ 3 milhões em meados de 2010, deu com a cara na porta: Thales havia desaparecido. Nessa altura, já havia uma investigação em curso e ele teve sua prisão decretada. Ele ficou 140 dias foragido na Amazônia e se entregou no final do ano. Ele ficou preso até 2012, quando a Justiça determinou sua liberdade provisória.
Thales e outros três envolvidos na Firv respondem a processos por estelionato, falsificação de documentos e formação de quadrilha. Ele é acusado de causar um prejuízo de R$ 100 milhões de reais a dois mil investidores espalhados em 14 cidades mineiras. Ele ficou conhecido como o “Madoff mineiro”, em referência ao golpista norte-americano.
Agente BR
Outro esquema comparado ao de Madoff foi o da Agente BR. A empresa, que segundo matéria da IstoÉ Dinheiro, oferecia a oportunidade de colocar dinheiro em clubes de investimento “virtuais”, que dariam rendimentos mensais na casa de 12%. Entretanto, eles não tinham registro na Comissão de Valores Mobiliários nem na BM&F Bovespa. A estratégia, segundo a revista, era fazer tudo discretamente.
A estratégia de Vertullo para conseguir clientes sem fazer alarde para a CVM era simples: o boca a boca. Nomeou pessoas de sua confiança para gerir cada clube e definiu algumas regras. Só era possível investir se houvesse uma indicação por escrito de algum investidor que já estivesse no clube e o valor inicial deveria ser superior a R$ 10 mil.O s primeiros foram colhidos em fóruns da internet, como do Infomoney, e pessoas do convívio de Vertullo.
A corretora sofreu intervenção do Banco Central em 2009 e deixou, segundo o jornalista Angelo Pavini, dívidas de R$ 175 milhões e fez cerca de 3 mil vítimas. A CVM multou Vertullo em R$ 3 milhões, mas a PF ainda não terminou a investigação.