Como o acesso gratuito ao Facebook e Wikipédia criou uma rede de pirataria em Angola
O acesso gratuito ao Facebook e à Wikipédia – mas não a outros sites – em Angola criou um problema bastante complicado de se resolver: os angolanos passaram a usar os dois serviços em conjunto para desenvolver uma rede de pirataria de filmes e música.
Em Angola, tanto o Facebook quanto a Wikipédia são acessíveis gratuitamente, mesmo que a pessoa não tenha um plano de dados. Faz parte da polêmica plataforma Free Basics de internet grátis que o Facebook tenta implantar em alguns países (a Índia proibiu a Free Basics no começo do ano). A Wikimedia tem um acordo parecido e também fornece acesso gratuito à Wikipédia pelo programa Wikipedia Zero.
Então, alguns angolanos começaram a usar o acesso gratuito dos serviços para trocar conteúdo pirata. Eles conseguem enviar arquivos – vídeos, imagens, jogos, músicas – que ficam escondidos em artigos da versão em português da Wikipédia. E em grupos fechados no Facebook, eles trocam informações sobre esses artigos. Tudo isso sem gastar um centavo com plano de dados – afinal de contas, o acesso aos dois sites é gratuito e ilimitado.
O projeto do Facebook costuma ser criticado por ferir o conceito de neutralidade de rede. Como esses serviços só oferecem acesso a certos sites (Facebook e Wikipédia, no caso), seus usuários ficam presos a uma internet limitada, e raramente eles conseguirão ter acesso ao restante da rede. Mas os problemas enfrentados em Angola vão muito além disso – e ninguém sabe o que fazer para resolver.
Coibindo a pirataria
Quem mais se incomoda com a história é a Wikimedia, que está hospedando os arquivos. Afinal de contas, a distribuição de conteúdo protegido por direitos autorais não é bem o que pretende a fundação com o programa. E a preocupação chega a alguns dos editores do site, que discutem soluções para a questão.
“Não tenho certeza se os usuários fazem de má fé, mas eles já foram alertados e continuam fazendo. Não acho que a Wikipedia Zero deva deixar de existir, é claro, mas talvez algo possa ser feito, como impedir que eles enviem arquivos grandes ou instruções no idioma local sobre o que eles podem ou não podem fazer”, escreveu um editor. Algumas das soluções pensadas incluíram o banimento de IPs de Angola de editarem artigos da Wikipédia – o que causou outro problema, já que impediu angolanos que usam o serviço positivamente de continuarem contribuindo.
Adele Vrana, chefe do programa Wikipedia Zero, descartou a hipótese de impedir que angolanos participantes do programa de editarem conteúdo. Ao Motherboard, ela disse esperar conseguir chegar a uma solução que garanta que todos continuem podendo contribuir para a Wikipédia.
Enquanto não chegam a um acordo, os angolanos seguem usando a criatividade para se livrar das limitações do que é oferecido: se eles só conseguem acessar Facebook e Wikipédia, então vão dar um jeito de extrair o máximo possível daí. Não é diferente do que aconteceu no Paraguai, onde um desenvolvedor encontrou uma vulnerabilidade no Facebook Messenger que permitiu usar a internet completa a partir do Free Basics.
Imagem por Nicolas Raymond/Flickr