Assim como o Brasil, Rússia ainda não está preparada para as Olimpíadas
Vladimir Putin pode negar, mas a pequena cidade russa de Sochi não está pronta para os Jogos Olímpicos de Inverno, que começam em 6 de fevereiro. Na verdade, a cobertura da mídia sobre os preparativos assumiu um tom de pânico. Será que a Rússia conseguirá resolver todos os problemas a tempo? A resposta é sim… mas a um custo exorbitante.
Os Jogos de Inverno estão servindo como uma prévia dos desafios que o Brasil terá que enfrentar antes das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Muitos dos problemas vistos na Rússia também acontecem por aqui – incluindo demora na construção de obras, impacto social negativo e corrupção. Eis uma lista com alguns deles:
- a Vila Olímpica de Sochi ainda não foi finalizada, e há um enorme depósito de lixo nas proximidades;
- apenas seis dos nove hotéis para a mídia estão prontos;
- aterros ilegais estão surgindo pela cidade, com terríveis efeitos ambientais;
- os Jogos já estouraram o orçamento em mais de US$ 40 bilhões, e o Comitê Olímpico Internacional (COI) diz que muito desse dinheiro foi desviado.
O COI está usando um helicóptero para fazer vistorias diárias e verificar o andamento das obras. Se você analisar os Jogos Olímpicos das últimas duas décadas, verá que atrasos e problemas de orçamento aconteceram em quase todas as outras cidades-sede. Mas a situação de Sochi parece mais grave que o normal.
Funcionário na frente de um hotel em Sochi. Três dos nove hotéis para a mídia permanecem inacabados. Foto: AP Photo/Gero Breloer.
Como isso aconteceu?
O maior problema é a corrupção. Os motivos para o despreparo de Sochi começaram há anos, quando os contratos das obras foram entregues a comparsas de Putin e outros oligarcas, que viram uma oportunidade única de lucrar muito. Um membro do Comitê Olímpico Internacional disse recentemente que até um terço do orçamento dos Jogos foi desviado.
E alguns negócios parecem beirar a chantagem. “Participar de Sochi é uma espécie de imposto para os oligarcas”, disse o ex-primeiro-ministro russo Mikhail Kasyanov ao Der Spiegel. “Se você quiser continuar a fazer negócios na Rússia, então você tem que ajudar Putin.” Por exemplo, a enorme empresa petrolífera estatal Gazprom gastou US$ 3 bilhões nos Jogos: no centro de esqui e biatlo, na Vila Olímpica, e em uma enorme usina de energia próxima a Sochi.
A Vila Olímpica; um terço foi financiado pela Gazprom. Via Gazprom.
Na verdade, existe até um mapa – chamado Campeões da Corrida pela Corrupção – que cataloga a política por trás de cada canteiro de obras olímpico. E adivinhe: as empresas estatais e os bilionários que receberam os lucrativos contratos tiveram problemas para entregar as obras. Em muitos casos, eles simplesmente não tinham a experiência necessária para completar as arenas gigantescas em uma pequena cidade resort.
Para agravar o problema, temos a própria Sochi. Trata-se de uma pequena cidade pós-soviética: ela não tem a infraestrutura para suportar um dos maiores canteiros de obras do mundo. E seu clima não é exatamente alpino: é uma das poucas cidades na Rússia com clima subtropical, e a neve nem sempre aparece. No mês passado, uma chuva durou dez dias e obstruiu as estradas. É uma das principais razões para o atraso na construção de hotéis, a ponto de muitos quartos não estarem prontos, ou não terem lâmpadas.
Canteiro de obras para um hotel. AP Photo/Gero Breloer.
Por isso, os custos e os prazos estouraram. Sochi tem a desonra de hospedar os Jogos Olímpicos mais caros da história: o orçamento inicial da Rússia para os jogos era de US$ 11 bilhões; o custo real será de US$ 51 bilhões.
Para ter uma ideia melhor: o custo da última Olimpíada de Inverno em Vancouver (Canadá) não teria pago a estrada abaixo, sendo construída para ligar as arenas em Sochi. A empresa responsável por ela pertence a Vladimir Yakunin, chefe da rede ferroviária nacional e um velho amigo de Vladimir Putin.
A estrada de US$ 8,7 bilhões. AP Photo/Alexander Zemlianichenko.
Tudo parecerá pronto a tempo
Apesar de toda essa situação temerosa, muito provavelmente tudo parecerá bem quando começarem os Jogos. Há cerca de 70 mil trabalhadores no local, e agora que a chuva parou, as equipes estão trabalhando contra o relógio para terminar o que falta (e arrumar o local). As ruas já estão sendo limpas: veja neste link o antes e depois. Grande parte da construção da Vila Olímpica é pré-fabricada, e pode ser montada em poucos dias; o resto é desembalar móveis.
Em outras palavras, é algo difícil, mas a Rússia tem um exército de funcionários – e bilhões de dólares – para terminar as obras.
Funcionário fora de um hotel em Sochi. AP Photo/Gero Breloer.
A verdade é que todas as Olimpíadas recentes foram afetadas por atrasos, e por relatos de pânico e despreparo. Lembra quando o COI alertou a Grécia várias vezes, em meio a enormes atrasos e preocupações com a segurança? A situação antes dos Jogos Olímpicos de Atenas foi descrita pelo Guardian como “um teatro do absurdo”. Lembra quando vários funcionários da construção civil morreram nos canteiros de obras, logo antes das Olimpíadas de Pequim? Todo mundo esqueceu.
Além disso, histórias do tipo “[a cidade-sede das Olimpíadas] está fadada ao fracasso” deixam os jogos mais emocionantes. Afinal, nosso interesse na concorrência dos Jogos em si vem diminuindo ao longo dos anos, com tantos escândalos de doping e trapaça. Hoje em dia, o triunfo (ou fracasso) das próprias cidades-sede é quase tão atraente quando as competições.
A construção continua atrás do principal estádio no Extreme Park em 2 de fevereiro. Foto por Julian Finney/Getty Images.
Os custos ocultos
Portanto, a questão não é se Sochi vai terminar a tempo – porque vai! – e sim: qual o custo disso?
Primeiro, há o impacto ambiental. Sim, a Rússia afirmou que os Jogos teriam “lixo zero”, mas o impacto em Sochi – uma zona de proteção à vida selvagem – foi pesado. Partes do Parque Nacional foram destruídas. Uma pedreira enorme fez poços secarem, e a poeira cobriu vilarejos inteiros. As empreiteiras são acusadas de criar aterros secretos ilegais para lidar com o entulho da construção.
Na verdade, a construtora de Vladimir Yakunin – que gastou aqueles US$ 8,7 bilhões em uma estrada – criou este despejo ilegal, acusado de contaminar a água potável com escoamento de tóxicos:
A Associated Press descobriu que o monopólio ferroviário estatal da Rússia está despejando toneladas de resíduos de construção em um aterro ilegal, levantando preocupações de possível contaminação na água que abastece Sochi diretamente. AP Photo/Dmitry Lovetsky.
E também há os imigrantes mal pagos (ou não pagos) que estão fazendo todo o trabalho. Sochi recebeu inúmeros trabalhadores da Ásia Central nos últimos quatro anos, e a Human Rights Watch documentou milhões de casos em que não se pagava salários, além de terríveis condições de trabalho e abuso com violência.
Enquanto isso, funcionários da Sérvia e Bósnia foram presos e expulsos sem explicação. Os trabalhadores que se manifestaram sofreram com repressão e violência.
Local de trabalho onde o abuso a imigrantes tem se destacado. AP Photo/Dmitry Lovetsky
Mas os Jogos de Sochi não serão adiados por causa desses problemas. É bem provável que as Olimpíadas aconteçam (quase que) normalmente, e que não ouviremos sobre isso de novo. Pelo menos, não até que o ciclo recomece: o Brasil hospedará a Copa do Mundo em junho, e as Olimpíadas em 2016. A Rússia recebe a Copa do Mundo em 2018.
Esses grandes eventos esportivos podem ser um investimento terrível para todos os envolvidos. Abusos de direitos humanos, custos enormes, danos ambientais, problemas de construção e outros – isso vem se repetindo nas cidades-sede em todo o mundo. Os Jogos Olímpicos têm bastante valor, mas não há uma forma de realizá-los melhor?
Imagem inicial: trabalhadores imigrantes em um canteiro de obras em Sochi. AP Photo/Dmitry Lovetsky.