O estranho futuro bioelétrico das tatuagens
Os EUA amam tatuagens. De desenhos tribais a estampas mal feitas, este país sempre quer mais tinta. Há pouco tempo, uma pesquisa da Pew mostrou que tatuagens enfeitam os corpos de quase 40% dos americanos abaixo dos 40 anos de idade, um expressivo número de consumidores de uma indústria de US$ 1,65 bilhões. Como qualquer outra, entretanto, a indústria da tatuagem deve inovar.
Mas o que seria uma inovação nas tatuagens? O que iremos fazer daqui para frente? Os desenhos vão acender, monitorar nossa saúde, se transformar em computadores? O que o futuro nos reserva?
Tudo mundo, de neurologistas a biohackers, está reinventando a ideia de tatuagem. Com as tecnologias adequadas, elas podem fazer muito mais do que apenas deixar você mais bonito ou com cara de malvadão. Elas podem se tornar dispositivos digitais tão úteis e complexos quanto o smartphone que está aí no seu bolso. Pode soar futurista, mas a tecnologia já existe.
História
Antes de mergulhar no futuro das tatuagens, é útil entender de onde vem este costume vem — e ele meio que vem de todos os lugares. Culturas antigas, da África às Ilhas Britânicas ao Pacífico Sul, praticavam alguma forma de tatuagem, frequentemente para fins cerimoniais. Até mesmo os homens das cavernas faziam isso.
Um dos exemplos mais antigos já descobertos foi encontrado em Ötzi, um homem neolítico mumificado nos Alpes Suíços e descoberto em 1991. A pele bem preservada de Ötzi mostra sinais de tatuagem em diversos lugares, incluindo pontos em suas costas, joelho e tornozelo, localizações que sugerem que elas foram feitas como uma forma de cura, algo como uma variante mais artística da acupuntura. No Antigo Egito, as tatuagens também eram usadas como forma de medicina, mas a arte corporal teve um papel mais cultural nos outros lugares.
As tatuagens ganharam um novo significado quando os britânicos começaram a explorar o mundo. O nome “tattoo” pode ser rastreado de volta até uma série de jornadas pelo Oceano Pacífico, feitas pelo capitão James Cook no final do século XVIII. Lá, seus marinheiros aprenderam a arte taitiana do tatau, um ritual envolvendo tinta e agulha, e muitos voltaram à Inglaterra com suas próprias tatuagens. Com o passar dos anos, as tatuagens começaram a ser associadas aos marujos, que reintroduziram a arte na Europa e, depois, nos Estados Unidos.
Tinta high tech
A tatuagem evoluiu para além dos métodos crus da Marinha Britânica — mas não muito. Em 1891, o tatuador novaiorquino Samuel O’Reilly patenteou a moderna agulha eletromagnética de duas bobinas, pegando emprestado o projeto da caneta elétrica de Thomas Edison. O conceito básico por trás do dispositivo ainda é o mesmo que equipa as máquinas de tatuagem até hoje. O que mudou drasticamente, entretanto, foi a tinta que as abastece.
Tradicionalmente, a tinta das tatuagens era feita de qualquer coisa , de fuligem a sais metálicos. À medida que as preocupações com a saúde cercearam o uso de substâncias potencialmente tóxicas, pigmentos orgânicos feitos à base de vegetais passaram a ser utilizados. Isto não quer dizer que os químicos estão fora de cena. É possível, por exemplo, usar tinta ferromagnética em tatuagens, uma pigmentação que responde a campos eletromagnéticos. Há alguns anos, a Nokia patenteou uma tecnologia que permite que a tinta de uma tatuagem interaja com um dispositivo através de magnetismo. Com esta tecnologia, seu telefone poderia tocar e você poderia, literalmente, sentir a chamada na pele.
Então, houve mais inovações visuais. A cena rave dos anos 90 ajudou a espalhar a tendência de usar tintas ultravioleta e brilhantes no escuro, por exemplo. Frequentemente invisíveis à luz do dia, os desenhos feitos com estas tintas aparecem sob a luz negra das casas noturnas. Pense nelas como as tatuagens do Tron. Vale lembrar, no entanto, que os riscos à saúde destas tatuagens de aparência radioativa ainda são incertos.
Outra das grandes inovações nas tintas de tatuagem diz respeito à permanência. Você sabe, às vezes as pessoas fazem desenhos permanentes, mas depois se arrependem e querem removê-los.
Mesmo sendo possível remover tatuagens permanentes, o processo é doloroso e deixa cicatrizes. Ou, ao menos, deixava, antes de cientistas de Harvard, Brown e Duke se unirem para criar a Freedom-2, uma tinta removível que armazena o corante em cápsulas microscópicas que podem ser erradicadas facilmente com um laser. Então é perfeitamente possível, no século XXI, fazer uma tatuagem de vegetais que brilha no escuro e que pode ser removida quase sem dor. Progresso!
Tatuagens como gadgets
O futuro não está, todavia, na tinta. Uma nova era da tatuagem basicamente reinventa sua própria definição, expandindo os limites da tecnologia. Pense assim: colocar tinta na sua pele é o analógico, e você pode começar a entender o que uma tatuagem digital poderia fazer. Algumas dessas coisas vão surpreender você.
No futuro, as tatuagens irão fazer coisas. Se você imaginar um tipo de tatuagem pós-tinta, pode compreender o emergente campo do bio-hacking. Este termo se refere a uma prática que é parte modificação corporal, parte hacking de computadores, e mais todo tipo de loucura. O artista Anthony Antonellis é um dos verdadeiros pioneiros deste movimento. Ano passado, ele chocou o mundo geek quando ele implantou um chip RFID na sua própria mão, que poderia armazenar e transmitir um quilobyte de informação através de uma pequenina antena. Ele começou com um simples GIF animado (abaixo).
Isto nos faz pensar: é este arco-íris giratório a tatuagem? Ou é o chip RFID que Antonellis leva em sua mão? Ou os dois?
A tatuagem de GIF animado nos lembra Rich Lee, um vendedor na casa dos trinta anos de idade de Utah que implantou imãs transmissores de som nas orelhas. Estes imãs são abastecidos por uma bobina, que inclui um pequeno pacote de amplificador e bateria que se conecta ao Walkman (ou qualquer coisa do tipo) de Lee. A bobina cria um campo eletromagnético que faz os imãs vibrarem e criarem sons na orelhas dele. Lee diz que a qualidade é comparável a um par de fones de ouvido baratos — fones que, agora, ele usa durante todo o tempo. Parece um equipamento de maluco, mas deve ser bom para puxar assunto em festinhas.
Gadgets como tatuagens
Eu sei o que você está pensando: colocar imãs nas orelhas ou um chip na sua mão não é exatamente uma tatuagem. Afinal de contas, as tatuagens não deveriam ser vistas? Bem, lembre-se que o futuro das tatuagens, provavelmente, será um aventura pós-tinta. Em alguns casos, a tinta se tornará efêmera, como nos dados de um GIF animado flutuando no éter. Em outros casos, entretanto, a tinta é, na verdade, o próprio gadget.
Como tatuagens LED. Ao invés de injetar tinta, esta forma envolve implantar telas LED sob a pele. Mais especificamente, tatuagens LED são feitas de eletrônicos de silício com espessura menor que 250 nanômetros, colocados em substratos de seda solúveis em água e biocompatíveis. Quando injetados com soro fisiológico, o substrato de seda se adapta ao tecido que o envolve e se dissolve completamente, deixando apenas o circuito de silício. O corpo não rejeita a parte eletrônica, que pode ser usada para acender LEDs que agem como tatuagens fotônicas.
Isto não é ficção científica. Brian Litt, neurologista e bioengenheiro da Universidade da Pensilvânia, está aperfeiçoando uma forma desta tecnologia que pode ser usada para criar dispositivos médicos futuristas — digamos, uma tatuagem que dê a diabéticos informações sobre seu nível de açúcar no sangue. (Esta ideia de que as tatuagens futurísticas podem servir para fins médicos nos leva de volta para Ötzi e seu tratamento de artrite, né?)
Entretanto, a tecnologia também pode levar a uma nova geração de arte corporal, como tatuagens animadas que fazem você parecer um mutante. A Philips imaginou como isso seria neste vídeo (bastante sexualizado) de 2008:
[youtube NM1VuN5Iouc]
Até lá…
As tatuagens do futuro, inevitavelmente, terão que funcionar com as tecnologias de hoje. Provavelmente estamos a alguns anos de distância da fantasia do vídeo da Philips, mas tatuadores criativos estão dando um jeito de contornar as limitações. Karl Marc, um artista da tatuagem de Paris, diz ter criado a primeira tatuagem animada do mundo, usando um QR code e um smartphone. O código basicamente ativa um software no telefone, o que faz com que a tatuagem se mova quando vista através das lentes da câmera do aparelho. É bem legal, de verdade.
[youtube f3qv2dSXQXk]
Também existe a questão da abordagem passageira. As coisas ficam bastante complicadas quando você começa a colocar corpos estranhos –tinta, silício, coisas assim– no corpo. Mas se você colocar os eletrônicos apenas sobre a pele, bem, isto muda as coisas.
O cientista de materiais John Rogers está fazendo alguns trabalhos bem incríveis com eletrônicos flexíveis que colam na pele, como uma tatuagem temporária. Chamados de “eletrônicos epidurais”, eles podem fazer qualquer coisa, de monitorar os seus sinais vitais até alertar quando você está exposto ao sol por tempo demais. Rogers e sua empresa, a MC10, estão atualmente tentando descobrir maneiras de fazer os eletrônicos se comunicarem com outros aparelhos, como smartphones, para poderem desenvolver aplicativos.
O Google não está longe disso também. Este ano, a divisão da Motorola patenteou um dispositivo que parece com uma tatuagem no pescoço. Assim como a tecnologia de Rogers, este dispositivo é ligado diretamente à pele, onde ele coleta vibrações das cordas vocais para criar um microfone virtualmente sem interferências. É difícil dizer se eles registraram a patente para conseguir alguma atenção ou porque eles querem mesmo fabricar e vender alguma coisa do tipo. De toda maneira, é bem bacana imaginar isso.
Mas não espere entrar em algum estúdio perto da sua casa e pedir uma tatuagem digital em breve. Apesar de a tecnologia existir e de ser capaz de fazer coisas extraordinárias, ela ainda é muito especializada e bastante cara. Vai levar algum tempo para a demanda crescer o suficiente para que a indústria disponibilize a oferta. Lembre-se: a arte corporal é um negócio. E negócios precisam de incentivos para tomar novos caminhos.
[Imagens via Shutterstock / Wikipedia / AP / MIT]