PCs do Planalto foram usados para editar Wikipédia e incluir críticas a opositores do governo
No início do mês, começaram a surgir bots que avisam quando IPs do governo editam artigos da Wikipédia – seja no Reino Unido, nos EUA ou na França. E no Brasil? Ainda não temos algo parecido, o que é uma pena: parece que nosso governo também está editando artigos da enciclopédia livre.
A Folha de S. Paulo descobriu que onze computadores do governo federal – com IPs registrados em nome do Serpro e da Presidência da República – foram usados para editar artigos da Wikipédia e para incluir críticas a opositores.
No entanto, graças aos usuários e administradores da Wikipédia, essas tentativas foram frustradas: as mudanças foram revertidas em questão de horas ou até minutos. Infelizmente, nem sempre há como saber quando PCs do governo são usados para editá-la.
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A Wikipédia guarda todo o histórico de cada artigo, mas só torna seu IP público se você não criar um usuário. Caso você se registre – o que leva menos de um minuto – seu IP será oculto, e pouquíssimas pessoas terão acesso a ele (no caso, só estes três usuários da Wikipédia em português).
Por isso, o levantamento da Folha – assim como os bots de outros países – são limitados: se a edição não for feita por um usuário anônimo, ela passará despercebida. Mesmo assim, estas são medidas louváveis; além disso, os editores da Wikipédia estão de olho.
Por exemplo, em 10 de dezembro de 2013, o artigo sobre Alexandre Padilha (PT) perdeu um trecho sobre suspeitas de corrupção na Funasa (Fundação Nacional da Saúde) em 2004, quando ele era diretor do órgão. A edição foi realizada às 21h53 e recebeu a etiqueta automática “Remoção considerável de conteúdo”; às 22h57, ela foi revertida.
O Gizmodo Brasil notou que o mesmo trecho foi excluído novamente em 10 de fevereiro, mas desta vez por um usuário registrado. A Folha não cita este caso porque o IP foi oculto, ou seja: não podemos saber se era um PC do governo. De um jeito ou de outro, não adiantou: duas horas depois, um usuário atento trouxe de volta o trecho removido.
No ano passado, em 10 de junho – em meio à onda de manifestações – um IP do governo foi usado para editar o artigo da Wikipédia sobre o MPL (Movimento Passe Livre), dizendo se tratar do “mais recente produto da ignorância sistemática do cidadão brasileiro”. O artigo foi revertido à versão anterior após dois minutos graças ao Salebot, criado para combater automaticamente o vandalismo na Wikipédia.
Outro caso citado pela Folha é uma acusação a José Serra (PSDB) em 11 de março de 2010, ano em que ele concorreu à presidência. O artigo passou a dizer: “Se eleito presidente, pretende, como uma de suas metas, acabar com todas as empresas estatais e sucatear todas as empresas públicas”. O trecho foi acrescentado às 11h08; mas às 15h53 um editor revertia a mudança, “removendo vandalismo”.
O mesmo IP do governo voltou no mesmo dia, para dizer que Serra “pretende privatizar todas as empresas estatais e congelar o salário de todos os servidores e funcionários públicos”. A frase foi removida em seis minutos, e o artigo foi protegido por um mês – usuários anônimos não puderam editá-lo nesse período.
Sim, essa dificuldade em acrescentar conteúdo à Wikipédia tem seu lado negativo: mesmo que você faça modificações legítimas a um artigo, elas podem ser removidas sem cerimônia – por isso, a enciclopédia vem perdendo editores ao longo dos anos. Mas, dado que até o governo está mexendo nos artigos, dá para entender como o trabalho de um administrador é difícil – e necessário.
Todo esse caso me faz pensar: imagina só se o “direito a ser esquecido”, atualmente em vigor na Europa, começa a valer no Brasil? Felizmente, nosso Marco Civil da Internet só permite que você solicite remoção de conteúdo por ordem judicial. Pelo menos… [Folha via Manual do Usuário]
Foto por Stefano Mara/Flickr