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Os méritos da série brasileira 3%: uma distopia do ponto de vista não-americano

Há duas semanas uma nova série original do Netflix surgiu no catálogo, um título que acho todo fã de ficção científica deveria apoiar: 3%.

Há duas semanas uma nova série original do Netflix surgiu no catálogo, um título que acho todo fã de ficção científica deveria dar uma chance: 3%.

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3% é uma produção brasileira sobre um futuro distópico onde a maior parte do mundo (ou esse Continente específico, não fica muito claro) vive em uma absoluta pobreza. Todos os anos, as pessoas com 20 anos de idade podem se inscrever para ir para o Maralto, um lugar iluminado para humanidade e exclusivo para alguns privilegiados. Apenas 3% dos candidatos passam para o lado de lá, em média – por isso o título. Existe também um grupo revolucionário no Continente chamado “A Causa”, que passaram anos tentando infiltrar alguns espiões no Maralto.

A série destaca alguns candidatos do Processo. Tem a Michele (Bianca Comparato), uma jovem mulher que luta por igualdade; Fernando (Michel Gomes), jovem que passou a vida toda numa cadeira de rodas e é filho de um pastor; Rafael (Rodolfo Valente), que é um cara meio babaca… Mas tem suas razões; Marco (Rafael Lozano), pertencente a última geração de uma família que costuma ter sucesso no Processo; e Joana, uma órfã que usa o Processo para escapar do seu passado, na melhor atuação da série, interpretada por Vanessa Oliveira.

Uma perspectiva não-americana

Realmente o enredo não é o mais original já feito. A série é muito similar a trilogia Jogos Vorazes no foco que tem na luta de classes, com elementos da série de livros Unwind e outros trabalhos de futuros distópicos voltados para jovens adultos. A história não mergulha em muitos detalhes sobre o mundo geral, ou a história de sua sociedade. Não chega perto de ser um trabalho de altíssima qualidade do Netflix. Tem um episódio que parece ter sido todo filmado num depósito. Mas 3% tem uma história humana única e poderosa que começa a se revelar nos últimos episódios.

Mais importante do que isso, é ficção científica a partir de uma perspectiva não-americana.

Ficções científicas distópicas foram homogeneizadas com o passar dos anos – em parte porque foi produzida em grande quantidade, e também porque a diversidade foi colocada de lado em favor da narrativa do “jovem branco americano que tem problemas com autoridades”. 3% foi filmado e produzido todo no Brasil, em português e é baseado num episódio piloto independente publicado no YouTube em 2011. É uma ficção científica distópica a partir de uma perspectiva brasileira, e ali existem temas e enredos que você não vê em séries como Divergente.

Uma distopia sobre escolhas e sacrifícios

O maior tema em 3% é o conflito entre mérito e genética, afirmando que as pessoas deveriam ganhar seu espaço em vez de nascer incluso nele. É um conceito incrível de Ayn Rand que extrai assuntos sobre escolhas, sacrifício e renascimento. Os personagens de 3% estão sistematicamente quebrados para que sejam remodelados em uma nova imagem, para mereceram seus lugares num “mundo melhor”. Nem todos os nossos heróis sobrevivem a esse processo, e aqueles que conseguem acabam rejeitando seus valores mais fortes para chegar lá.

Tipicamente, quando se trata de filmes distópicos e séries sobre sacrifícios, a ideia de escolha é colocada de lado. Em Filhos da Esperança, as pessoas são fisicamente incapazes de ter filhos. Em Jogos Vorazes, os adolescentes são escolhidos para participar dos jogos contra suas vontades. Em Divergente e Maze Runner, todos os heróis fazem parte de um experimento involuntário. No entanto, em 3%, as pessoas se candidatam voluntariamente ao Processo, e cada passo que dão é uma escolha para continuar nesse caminho. Eles enxergam o Processo como uma religião e qualquer dúvida é tratada como uma crise de fé. A escolha final que precisam fazer, para a Purificação, é uma reviravolta fascinante que incorpora o tema da série de realmente ter que ganhar o teu lugar.

A melhor coisa da série, no entanto, é o episódio final. Depois de semanas de provas, testes e erros, cada um dos nossos heróis é forçado entre escolher o que querem e o que precisam, e é uma surpresa ver as decisões que alguns personagens tomam. Não aconteceu nada do que eu pensei que iria acontecer; eles me pegaram de surpresa pelo menos umas duas vezes. No final, a série finalmente inicia a jornada para o Maralto, a chamada utopia que aparentemente tem mais problemas do que é deixado para trás… E um ou mais agentes da Causa estão indo pra lá.

3% não é a melhor série de ficção científica na televisão, ou até mesmo do Netflix, mas definitivamente vale a pena dar uma conferida. O Netflix fez algo incrível ao trazer uma produção latino-americana para uma audiência internacional, e precisamos encorajar a iniciativa apoiando séries como essa. É vital apoiar ficção científica internacional nos EUA. Abre a perspectiva de como o mundo é, e mais importante, de como poderia ser.

Imagens: Netflix.

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