Um adeus não programado. Os acontecimentos dos seis meses seguintes ao lançamento em 21 de setembro de 1993 transformaram o álbum “In Utero” no terceiro e último da banda Nirvana. E, para alguns gostos, o melhor, superando “Nevermind” (1991), o disco que fez do grupo de Kurt Cobain o maior do rock de sua época.
O sucesso gigantesco de “Nevermind”, inicialmente puxado pela faixa “Smells Like Teen Spirit” e depois ampliado para outras músicas, tornou o Nirvana grande demais e muito rapidamente.
Para quem gravou seu álbum de estreia “Bleach” (1989), lançado pela gravadora independente Sub Pop, por apenas 606,17 dólares de custos, “Nevermind” era outra história.
Primeiro LP do então trio por uma grande gravadora, a Geffen Records, foi gravado em estúdio de alto nível (o Sound City, em Los Angeles) com orçamento de 65 mil dólares. O resultado que foi às lojas trazia músicas com uma mixagem cheia de compressão que deixava tudo intenso e nivelado. Um som algo achatado, mas que ainda pulsava.
Perdeu-se uma certa crueza no som que é item fundamental para uma boa banda de rock alternativo – que é como o Nirvana ainda se via em 1991.
Guitarrista, vocalista, compositor principal e apaixonado pelos valores éticos e sons dos alternativos, Kurt Cobain “deserdou” o álbum e sua mixagem “comercial” quase imediatamente. Quanto mais sucesso o disco fazia, mais infeliz ele ficava.
Os olhos do mundo pop estavam sobre o Nirvana o tempo todo, à espera do álbum que viria a seguir. Seria um “Nevermind 2”? Seria igualmente bom ou o Nirvana se mostraria uma banda de um sucesso só?
Fiel à sua personalidade complexa, Cobain não queria nem outro “Nevermind” nem fazer sucessos no piloto automático. Só queria ser reconhecido como criador de primeiro time. E preparou composições mais pessoais, incluindo nas letras as pressões de ser um rock star e a vida com a esposa Courtney Love, da banda Hole.
Fundamental para não repetir “Nevermind” foi dispensar os serviços do produtor Butch Vig e optar pelo turbulento Steve Albini.
Adepto das gravações feitas “em casa”, Albini se projetou no rock alternativo dos anos 1980 como guitarrista e líder do “quarteto” Big Black (três humanos e uma bateria eletrônica).
Cheio de opiniões firmes, que se pronuncia sobre algumas coisas que gosta e muitas outras que odeia (como a indústria fonográfica corporativa e inúmeras bandas famosas), Albini começou a trabalhar como produtor para colegas. E estava à mesa de som nas gravações de “Surfer Rosa”, álbum de 1988 que firmou a banda Pixies no cenário independente.
O som cheio de “espaços” para respirar e peso nos instrumentos de “Surfer Rosa” encantava Cobain. Por isso, procurou Albini para fazer o anti-“Nevermind”.
Em fevereiro de 1993, Albini levou Cobain, o baixista Krist Novoselic e o baterista Dave Grohl para um estúdio montado em uma casa em Cannon Falls, no interior do estado de Minnesota.
O resultado final ficou mais perto do desejado por Cobain. Os tais som “cru”, “espaços” para respirar e peso no registro dos instrumentos em fita estão ali na maioria das faixas.
Mas Albini ficou possesso quando o álbum saiu ao verificar que, a mando da Geffen Records, as duas faixas mais comerciais (“Heart-Shaped Box” e “All Apologies”) foram remixadas à moda comprimida e nivelada de “Nevermind”.
“In Utero” saiu em 21 de setembro de 1993. E a turnê de lançamento foi inaugurada com uma apresentação ao vivo no programa humorístico semanal “Saturday Night Live” em 23 de setembro. Com um quarto Nirvana no palco: o guitarrista Pat Smear, ex-The Germs, banda punk que durou pouco porque o vocalista cometeu suicídio em 1980.
Até 8 de janeiro de 1994, o Nirvana cruzou os EUA na “In Utero Tour”. Em fevereiro, chegaram à Europa, com apresentações na França, Portugal, Espanha, Suíça, Itália, Eslovênia e Alemanha.
Após a apresentação em Munique, Alemanha, em 1º de março de 1994, Cobain foi diagnosticado com bronquite e laringite. As datas seguintes foram adiadas e Kurt foi descansar em Roma.
Em 3 de março, Courtney Love chegou à capital italiana para lhe fazer companhia. No dia seguinte, ela se deparou com Kurt desacordado no quarto. Ele tentou o suicídio com overdose de calmantes misturados com champanhe.
Os 21 shows restantes (mais dois na Alemanha que já tinham sido adiados) da turnê europeia foram cancelados e a banda voltou para sua base em Seattle.
Courtney, Novoselic, Grohl e outros mais próximos fizeram uma intervenção para pedir que Kurt fosse tratar sua dependência de drogas e seu estado deprimido. Ele foi internado numa clínica e fugiu.
Voltou para sua casa vazia – Courtney partiu para uma turnê com o Hole. Provavelmente em 5 de abril de 1994 tomou uma dose cavalar de heroína e, em seguida, deu um tiro na boca. Foi encontrado junto com sua carta de suicídio em 8 de abril por um eletricista. Tinha 27 anos.
E assim “In Utero” virou o álbum do adeus.
Abaixo, algumas versões de músicas de “In Utero”:
- Reading Festival, Inglaterra, agosto de 1992
Algumas músicas de “In Utero” já estavam prontas bem antes das gravações de 1993 e foram tocadas em público. Atração principal do tradicional Reading Festival, na Inglaterra, o Nirvana estreou algumas novas composições.
“All Apologies” (Live at Reading 1992)
“Tourette’s” (Live at Reading 1992)
“Dumb” (Live at Reading 1992)
“Scentless Apprentice (LIVE Brazil, 1993)”
Na apresentação no Sambódromo do Rio de Janeiro como atração principal do festival Hollywood Rock em 23 de janeiro de 1993, a banda tocou a faixa que seria a maior porrada sonora de “In Utero”.
“Heart-Shaped Box (Official Music Video)”
Aqui é o caso de ver o clipe oficial dirigido pelo fotógrafo e cineasta holandês Anton Corbijn, que realizou vídeos clássicos para Depeche Mode e U2. Um visual surreal que recebeu dois prêmios no MTV Awards: melhor vídeo de rock alternativo e melhor direção de arte.
“Rape Me” (“Live And Loud”, Seattle, 1993)
A música em que Cobain reclama da invasão de sua privacidade pela mídia na apresentação para o programa “MTV Live and Loud” em 13 de dezembro de 1993, no Central Waterfront de Seattle.
“Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle (Live Oakland, 1993)
Música inspirada pela trágica história da atriz Frances Farmer, estrela dos anos 1940, numa apresentação de Ano Novo em Oakland, Califórnia, em 31 de dezembro de 1993.
“Pennyroyal Tea (Live On “Nulle Part Ailleurs”, Paris, 1994)”
A participação do Nirvana no programa “Nulle Part Ailleurs” da emissora francesa Canal +, gravada em 4 de fevereiro de 1994.
“Serve The Servants (Live On “Tunnel”, Rome, 1994)”
Outro programa de TV. Este na Itália, da emissora RAI, gravado em 23 de fevereiro de 1994.
Munique, o último show
Em 1º de março de 1994, o Nirvana fez o que viria a ser seu último show no Terminal 1 de Munique, Alemanha. Vejamos duas músicas desta despedida. Primeiro, um dos rocks mais tensos de “In Utero”:
“Radio Friendly Unit Shifter (Live In Munich, Germany/1994)”
E esta é a curiosa cover do pop-rock romântico “My Best Friend’s Girl”, da banda The Cars. Não está em “In Utero”, mas é um toque singelo desta apresentação final:
“My Best Friend’s Girl (Live In Munich, Germany/1994)”