A Apple pode sim vender coisas em dólar no Brasil – o problema é outro
Uma reportagem no Estado de Minas criou uma polêmica em torno dos preços em dólar da iTunes Store: segundo o advogado ouvido, pelo atual Código de Defesa do Consumidor, a Apple não pode oferecer produtos e serviços no Brasil cobrando em dólar. Pouca gente se deu ao trabalho de pegar o CDC para tentar achar isso. Não sou advogado mas entendo português, e basta gastar alguns minutos olhando a lei e para ver que o artigo em questão que trata da “necessidade de moeda corrente nacional” foi mal interpretado — você pode oferecer coisas em dólar (chegaremos lá). A coisa do preço é um problema menor, e a solução em Reais dela poderá ser pior para boa parte dos consumidores (chegaremos lá). Mas há um problema maior, hoje, que pouca gente está dando bola. O maldito “$9,99”. Faltam coisas perto do cifrão.
É sério. Agora, tudo da App Store está em português e o preço de um álbum, por exemplo, continua “$9,99”, como se a única moeda do mundo fosse o dólar. Não está claro, em lugar nenhum, que o preço é em dólar, não há um “US$ 9,99”, ou um ATENÇÃO: TODOS OS PREÇOS ESTÃO EM DÓLAR. Parece bobagem, você diria que todo mundo já sabe que é em dólar, mas eu acho que não — ninguém tem obrigação de saber como a Apple funciona e há muita gente que ganhou um iPad ou iPhone recentemente que não tem ideia de como essa coisa funciona. Posso estar sendo meio preconceituoso, mas eu não conheço muitos jovens que acompanham as notícias interessados em comprar os MP3 do Roberto Carlos. Quantas pessoas não devem estar vendo o preço em “dinheiros” (cifrão sozinho, pra mim, é “dinheiros”) achando uma pechincha?
Boa parte da concorrência já se adequou de maneira melhor ao mercado que compra em Reais (normalmente). O Android Marketplace tem a melhor solução, e já apresenta os preços em Reais (convertidos no dia). O do Windows Phone 7 ou a Ovi Store adota os preços em Reais, mas sempre arredondados pra cima, mais caros que em dólar: Coisas de US$ 1,99 viram R$ 3,99, por exemplo. Este caminho é o que a Apple adotará: tudo indica que em 2012 as músicas de 1 dólar custarão R$ 1,99, e os chatos ficarão satisfeitos em pagar mais para ficar dentro da lei que não existe. Ok, estou sendo cínico demais. O preço em Reais traz uma vantagem: a possibilidade de pagar não apenas e cartão internacional, mas boletos, crédito em conta ou qualquer outra solução melhor integrada com nossas instituições bancárias. É algo melhor.
E a questão do Código de Defesa Consumidor, de onde veio? Há menção à necessidade de “moeda nacional” na versão mais atualizada do código, e ela diz o seguinte:
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III – acréscimos legalmente previstos;
Ou seja: em caso de produtos vendidos com algum tipo de concessão de crédito (como em compras parceladas), o preço precisa estar em moeda nacional. O que é um mecanismo óbvio para limitar a variação da parcela. Não há uma linha que diga que um preço deva ser expresso em moeda nacional.
Honestamente, eu sou a favor de tudo no preço original, seja em dólar ou Real. Eu compro no Steam, como muitos aqui, por exemplo, e pago em dólar feliz: prefiro apenas um atravessador, e não 3 ou 4 (os estúdios e produtoras nacionais competem, de certa forma, com o produto legalizado das matrizes). Mas se a Apple quiser se popularizar aqui, tem de dar um jeito de colocar o preço em Reais — e eu amaria se ela copiasse o Google nisso.
UPDATE: Alguns advogados apareceram citando o Código Civil, mas convenientemente esquecendo que a iTunes Store BRASIL não é uma empresa brasileira nem opera aqui. Se você achar que é acessível pela internet brasileira é igual a OPERA AQUI temos um problema monstruoso. Como eu expliquei a um amiguinho dos comentários:
Quando eu compro no iTunes BRASIL, é como se, magicamente, quando eu entrasse na internet, eu pudesse passar por tubos que me levassem aos EUA. Lá, eu sacaria meu cartão de crédito INTERNACIONAL e pagaria por uma música, sei lá, da Paula Santana que está na seção de importados do Walmart (inclusive com coisas escritas em PT-BR para agradar os turistas gringos, isso é bem comum). Voltaria para o Brasil, olharia minha fatura do cartão de crédito internacional e pagaria em REAIS.
É EXATAMENTE assim que funciona o iTunes. Eu pesquisei o código civil também. Não achei nada que sustente essa POLÊMICA com palavras bonitas de advogado.
[via Tecnoblog]