Fotos no Instagram são uma marca registrada de usuários de iPhone. E uma marca por vezes irritante: será que todo mundo precisa mesmo tirar foto da comida, por mais que tenha sido gostosa? A quem interessa? Os amigos ficam mais bonitos com filtros dos anos 60? As coisas no chão ganham outro significado? A nossa amiga Camilla Costa escreveu este ótimo texto sobre a jornada instagrâmica de uma nova dona de iPhone: de negação à modinha, passando pela paixão a filtros ultracoloridos e por fim questionando a própria tecnologia. Vale a leitura de fim de semana:
Difícil é ser telhado
Fácil seria criticar os amigos pelo mau uso de smartphones e pelo excesso de redes sociais e continuar usando o combo máquina de escrever + orelhão, só de birra. Mas não sendo isso o que fazemos, há duas opções: ou nos esquecemos das críticas quando chega a nossa vez (“me rendi!!” como primeiro status do Facebook) ou aceitamos o autodesafio de fazer diferente.
Diego Damasceno escreveu aqui receQntemente sobre a necessidade de questionar os métodos de produção da Apple, apesar de seus bons produtos, e eu assino embaixo. Mas devo dizer que ganhei um iPhone e, se não vou correr para comprar uma versão mais nova tão cedo, tampouco jogarei o atual fora imediatamente.
Meu compromisso com os leitores do Purgatório me obrigaria a dizê-los se eu realmente achasse que já não podia viver bem sem um iPhone e suas funcionalidades, mas não é o caso ainda. É ótimo, tenho uma agenda mais organizada e portátil, um GPS à mão quando é preciso, um bom despertador. De resto, tenho um monte de aplicativos que me ajudam esporadicamente e que, na maior parte do tempo, não uso.
Por sorte, o primeiro smartphone já apareceu em um momento em que checar redes sociais obsessivamente já se transformou em trabalho_e é algo que tenho pouca vontade de fazer quando não estou diante do computador. Não podemos dizer o mesmo do famigerado jogo da cobrinha, que tornou-se um problema na minha vida social, acadêmica e familiar nos idos do primeiro Nokia 3350.
De qualquer modo, considero que passei no teste do primeiro mês. Não uso o telefone na companhia dos amigos para nada que não faria com meu velho Nokia (ou seja, SMS), me contenho nos jogos, uso os aplicativos com parcimônia. Mas o que gerou debate mesmo aqui em casa – além da patrulha da falta de educação eletrônica a que fui submetida – foi o Instagram.
Há um milhão de razões já exploradas por apocalípticos da era dos aplicativos pelas quais o Instagram pode ser considerado irritante. Ele dá acesso a um clube de usuários de iPhones em que qualquer coisa, por mais sem graça, pode se transformar em uma foto estilizada, com efeito vintage e bordas borradas.
Mas a discussão sobre fotografia não me importa muito, porque acho que o uso que as pessoas fazem do Instagram, como de qualquer outro aplicativo e de qualquer outro site social da vez, tem variantes bem específicas. Há os fotógrafos medíocres que acreditarão serem grandes fotógrafos; há os fotógrafos de verdade que conseguirão usar a ferramenta para trabalhos muito interessantes; há os que se não resistirão em fotografar cada elemento da vida cotidiana (como na época dos diários em blogs); há os que irão registrar coisas que os chamam a atenção no dia a dia.
E essa é a beleza da ferramenta. Ela pode ser uma espécie de entrada para o olhar do outro sobre seu próprio cotidiano ou pode mostrar quão tediosamente narcisistas são alguns dos nossos convivas. O que eu não tinha percebido sobre o Instagram, acompanhando-o de fora, é que ele não foge à regra da criação de uma necessidade que passa longe da retromania dos filtros lomográficos e setentistas: o imperativo de mostrar aos outros onde você está e o que está fazendo.
Basta se descuidar um pouco do seu autodesafio e a vida com o Instagram se torna uma estetização constante de todos os objetos de momentos. O prato de comida, a mesa de trabalho, o lugar que visitei hoje, o jantar com amigos de amanhã, o show para onde estou indo, a balada na qual me divirto muito agora. É menos a possibilidade de registrar com mais facilidade a beleza das coisas e mais a exploração da “compartilhabilidade” delas (as pessoas tem que ver como é legal a minha caneca de café do trabalho).
Em suma: não me venha falar mal do Foursquare se você usa o Instagram em cada lugar onde chega. É duro encarar, mas estamos diante do mesmo problema. O Foursquare, uma forma crua de disponibilizar sua localização para todos, é como o Cow Clicker, um jogo de Facebook em que era preciso somente clicar em uma vaca todos os dias, criado como sátira aos jogos sociais famosos da rede, como Farmville (mais sobre essa história interessante aqui).
Ele existe _involuntariamente, neste caso_ para mostrar, sem firulas, que o que queremos mesmo é que nossas loucas aventuras e altas confusões sejam visíveis, compartilháveis, imagináveis e invejáveis. O Instagram, no fim das contas, faz algo muito semelhante, mas disfarça com fotos bacanudas.
Fui pra Salvador no meu primeiro mês de smartphone e, apesar do verão, do sol, das praias lindas e das inúmeras iguarias fotografáveis, meu saldo instagramador foi muito baixo. Tomei a decisão de não sair carregando um iPhone por aí só porque sim já que a gente esquece, mas está carregando cerca de 3 mil reais no bolso. Então praias onde vou me lambuzar, shows grandes e festas de largo estão vetados para este fim.
O problema é que senti falta e me peguei pensando porque diabos estava sentindo falta. E era isso. Eu não era tão melhor do que os outros, afinal. O bicho me mordeu. Num último ato de resistência, larguei o iPhone trancado na mala e levei uma câmera velha para a Lavagem do Bonfim. Foi lindo, não me preocupei com nada, tirei muitas fotos mentais (e analógicas) que ainda não revelei. Mas provei a mim mesma que nem tudo precisa ser instagramado para ser bem vivido. Já vi que vou precisar lembrar disso de vez em quando.
* Camilla Costa é jornalista da BBC, e escreve bons textos por todos os lados: fez a matéria de capa da Superinteressante que está nas bancas e bate o ponto toda quinta nO Purgatório. As fotos que ilustram a matéria são do Instagram dela. Republicado com persmissão.