A guerra vista pelas músicas: conheça 10 canções emblemáticas

Invasão da Ucrânia pela Rússia, o grande conflito deste século, completou um ano. Ainda está para fazer história com uma música que a simbolize, como aconteceu no passado

Guerras motivam muitos sentimentos. E muitas vezes a música serve como válvula de escape durante os conflitos ou para reflexão anos depois. O impacto da Guerra da Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022 com a invasão das tropas da Rússia ao país vizinho, já gerou manifestações artísticas. Mas ainda não apareceu uma canção que a simbolize. 

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Aqui selecionamos algumas das muitas músicas sobre guerras do passado. Algumas marcaram época, outras acabaram esquecidas quando a poeira baixou. Mas cada uma desperta algum interesse específico.

1- Vera Lynn – “We’ll Meet Again” (1939)

Aos 22 anos, a iniciante cantora inglesa Vera Lynn (1917-2020) encontrou “We’ll Meet Again” garimpando algo para seu repertório nas editoras musicais em Londres. Lançou o disco 78 rotações em 1939 e o apelo da letra captou o espírito dos primeiros dias da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com o Reino Unido entrando em confronto com a Alemanha nazista de Hitler.

Os versos “Vamos nos ver de novo, não sei onde, não sei quando / Mas eu sei que nos veremos de novo em um dia de sol”, que mexiam emocionalmente tanto com os soldados no front como com suas famílias em casa. Servia tanto para esperar um reencontro em carne e osso como numa reunião no paraíso, caso o soldado tivesse morrido.

Até hoje, “We’ll Meet Again” é o símbolo musical daquele conflito para os britânicos. E não só para eles.

O cineasta americano Stanley Kubrick, radicado na Inglaterra, usou a canção com grande impacto nas cenas finais de sua sátira à Guerra Fria e ao terror nuclear, “Dr. Fantástico”, de 1964 (o vídeo acima é do filme). Inspirada pelo longa-metragem, a banda The Byrds fez uma cover em seu álbum de estreia “Mr. Tambourine Man” (1965).

Em 2002, o histórico Johnny Cash gravou “We’ll Meet Again” em seu último álbum lançado em vida, “American IV: The Man Comes Around”.

2- Barry McGuire – “Eve of Destruction” (1965)

Bob Dylan já se destacava por seus hinos anti bélicos desde 1963, mas foi o obscuro Barry McGuire que conseguiu o primeiro mega-hit da música pop a protestar contra um conflito militar. O envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã (1963-1975) ganhava embalo e muitos jovens sem idade para votar eram convocados.

Barry gravou “Eve of Destruction”, do compositor P. F. Sloan, que abordava justamente esse dilema dos jovens americanos. O vocal cru do cantor foi lançado por engano, antes que um mais caprichado fosse registrado. Mas parece que aumentou o impacto urgente do protesto. 

McGuire chegou ao 1º lugar da parada da Billboard, desbancando “Help!”, de uma banda da época  chamada The Beatles. Foi o único sucesso de sua carreira.

3- Country Joe & the Fish – “I-Feel-Like-I’m-Fixin’-to-Die (VietNam Song)” (1965/1967/1969)

Uma rara música sobre guerra com humor – ou, no mínimo, sarcasmo. O grupo hippie Country Joe & the Fish, de San Francisco, lançou “Fixin'” (vamos encurtar o título) num compacto duplo independente em 1965 (quando a Guerra do Vietnã engatinhava) e regravou em seu segundo álbum, em 1967 (quando os protestos pelos EUA já eram maiores).

A versão mais marcante foi no Festival de Woodstock, em 1969. Num intervalo entre shows, o vocalista Country Joe McDonald pegou um violão e foi animar a plateia com sua musiquinha fácil de cantar junto. Naquele momento, o conflito no Vietnã era uma obsessão americana.

Country Joe e 300 mil pessoas cantando juntas o refrão com versos como “E é 1-2-3, para que estamos lutando? Não me pergunte, não dou a mínima, próxima parada é o Vietnã” e “Iupi! Vamos todos morrer!” foi tão espetacular que teve destaque no documentário “Woodstock”, lançado em 1970.

4- John Lennon – “Give Peace a Chance” (1969)

Ao se unir à artista plástica japonesa Yoko Ono em 1968, o beatle John Lennon abandonou sua relativa alienação de astro do rock e se engajou em causas. Principalmente pela paz, num momento em que as guerras do Vietnã e de Biafra, na Nigéria (com envolvimento britânico) dominavam os noticiários mundiais.

Em sua lua-de-mel com Yoko na cama de um quarto de hotel em Amsterdã aberto à mídia e visitantes, John convocou todos os presentes para cantar com ele um novo hino pela paz que ele compôs, “Give Peace a Chance”. Com Lennon ao violão, todos cantarolaram empolgados.

O casal extraiu um trecho de menos de um minuto e lançou em compacto sob o nome de uma banda-conceito chamada Plastic Ono Band. Curiosamente, a autoria é creditada a Lennon-McCartney, em respeito ao acordo que ele tinha com Paul McCartney nos Beatles – toda composição levava o nome dos dois, mesmo que feita por apenas um.

Até hoje, “Give Peace a Chance” é cantada em coro em algum protesto anti-guerra pelo mundo.

5- Edwin Starr – War (1970)

O soul negro se engaja contra os combates no Vietnã e produz um sucesso enorme, 1º lugar da parada americana. Edwin Starr (1942-2003), cantor de segundo escalão na poderosa gravadora Motown, regravou a canção de protesto que não emplacou com o grupo The Temptations (xodó da companhia), botou um balanço a mais e estourou.

Bruce Springsteen lançou uma cover ao vivo em 1986 e chegou ao top 10 da Billboard.

6- De Kalafe e A Turma – Guerra (1970)

O Brasil não tem a menor tradição de músicas sobre guerra. Nossa maior foi no século retrasado – a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870. Porém, o já mencionado conflito do Vietnã teve um impacto internacional tão grande que inspirou um protesto por aqui, com a cantora paranaense Denisse De Kalafe e sua banda A Turma.

De Kalafe deixou o Brasil em 1972 e foi morar no México. Naturalizou-se e ainda vive lá, aos 73 anos.

7- The Clash – Spanish Bombs (1979)

Atentados a bomba da organização terrorista basca ETA contra hotéis da Costa del Sol na Espanha inspiraram o cantor e guitarrista Joe Strummer a compor uma música sobre… a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), que teve bombardeios cruéis como o da cidade de Guernica, que inspirou a obra-prima do pintor Pablo Picasso.

É um tributo aos republicanos espanhóis, que acabaram derrotados pelas forças fascistas do general Francisco Franco (que seria ditador do país até morrer em 1975). E menciona a morte do poeta andaluz Federico García Lorca, assassinado pelos franquistas em 1936. A música entrou no álbum “London Calling”.

8- Charly Garcia – “No Bombardeen Buenos Aires” (1982)

Em 1982, a Guerra das Malvinas foi a “ideia genial” da ditadura militar argentina (1976-1983) para sossegar com patriotismo uma população castigada por crises econômicas e sociais. Mas, apesar de estar ao sul da Argentina, as ilhas Malvinas pertencem ao Reino Unido e seu nome oficial é Ilhas Falklands. Ou seja, invadir com soldados o arquipélago não foi uma boa ideia. Em apenas dois meses, a Marinha britânica obteve uma vitória humilhante.

Todos os problemas argentinos ficaram mais intensos. E o regime militar foi demolido, sendo encerrado definitivamente em 1983 com a posse do presidente civil eleito Raúl Alfonsín.

Ainda nos turbulentos dias de “Las Malvinas son argentinas”, Charly Garcia, firmando-se como o principal roqueiro do país, gravou “No Bombardeen Buenos Aires”, que abordava o caos social que a guerra fracassada não conseguiu abafar.

9- Bob Marley & The Wailers – “Buffalo Soldier” (1983)

O mestre do reggae Bob Marley (1945-1981) gravou em 1978 uma composição sobre os Buffalo Soldiers, regimento composto apenas de soldados negros criado pelo governo dos Estados Unidos em 1866, um ano após o fim da Guerra Civil (1861-1865) que acabou com a escravatura no país.

De 1867 até a década de 1890, a principal função do regimento de pretos era combater nas Guerras Indígenas no oeste americano. Foram membros dos povos nativos que deram aos soldados o apelido de Búfalos. O regimento só foi extinto pelas forças armadas em 1951.

Curiosamente, “Buffalo Soldiers” só foi lançada em 1983, dois anos após a morte de Marley, no álbum “Confrontation”. Mesmo assim, teve sucesso. O refrão, com melodia igual ao de “The Tra-La-La Song” (música-tema do programa infantil “Banana Splits”, dos estúdios Hanna-Barbera), ajudou nisso.

10- U2 & Luciano Pavarotti – “Miss Sarajevo” (1995)

Sangrenta e cruel, a Guerra Civil Iugoslava (1991-2001) desmanchou a Iugoslávia e teve a opressão violenta das forças sérvias contra os outros povos que buscavam suas independências. A Bósnia foi uma das regiões que mais sofreu com bombardeios e massacres. 

Mesmo assim, um grupo de mulheres bósnias promoveu um concurso de beleza como forma de fazer seu protesto contra o conflito chamar a atenção do mundo. A disputa pela faixa de Miss Sarajevo inspirou o cantor Bono, do U2, a compor uma música e reforçar a causa de quem se opunha à guerra.

Com participação do tenor italiano Luciano Pavarotti, o U2 lançou a faixa em novembro de 1995 sob o pseudônimo Passengers num projeto paralelo com o tecladista e produtor Brian Eno. O nome-fantasia não enganou ninguém e depois o U2 incluiu a faixa em suas próprias coletâneas.

Bônus- Julian Lennon & Nuno Bettencourt – “Imagine” (2022)

O atual conflito na Ucrânia teve um manifesto peculiar no ano passado. Em apoio ao movimento Stand Up for Ukraine da organização Global Citizen, Julian Lennon gravou “Imagine”, outro hino pacifista de seu pai John Lennon, em parceria com o guitarrista luso-americano Nuno Bettencourt, da banda Extreme (aquela da balada de violão “More Than Words”).

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Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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