A verdadeira Black Friday brasileira aconteceu nesta madrugada

Pelo terceiro ano seguido, Antônia Pereira Evaristo usa uma quinta-feira de início de ano para aguardar, paciente e silenciosa, as portas subirem. Desde as 7 horas da manhã, Antônia espera as 5 horas da manhã do dia seguinte. Há muita expectativa até as portas se levantarem e, atrás dela, mais algumas dezenas de pessoas se […]

Pelo terceiro ano seguido, Antônia Pereira Evaristo usa uma quinta-feira de início de ano para aguardar, paciente e silenciosa, as portas subirem. Desde as 7 horas da manhã, Antônia espera as 5 horas da manhã do dia seguinte. Há muita expectativa até as portas se levantarem e, atrás dela, mais algumas dezenas de pessoas se aglomeram madrugada adentro. Esqueça a fila do iPhone, esqueça o mimimi das lojas virtuais. A verdadeira Black Friday, o verdadeiro corre-corre por produtos acontece aqui: nos saldões de ano novo das grandes varejistas brasileiras.

A loja em questão passa a quinta-feira fechada, arrumando todos os produtos, ajeitando estoque e se preparando para uma pequena turba que, de tempos em tempos, entrará na loja – para evitar as cenas comuns de correria, apenas dez pessoas podem entrar por vez, escolher seus produtos e deixar a loja (com todas as compras debaixo do braço, já que a regra é clara: comprou, levou).

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A promessa de 70% de desconto em produtos que não foram vendidos no boom do Natal atrai dezenas de pessoas para tais filas – que ocorrem por todas as cidades do Brasil no início do ano, há pelo menos duas décadas. A loja abre às 5 horas e, segundo os cartazes, deve ter seu estoque eliminado até as 13h do mesmo dia. O fato de o Natal de 2013 ter sido o pior em crescimento de vendas nos últimos 11 anos é visto com esperança por várias pessoas da fila, apesar do ceticismo comum ao povo brasileiro – “duvido que passe de 50%”, diz uma pessoa na fila – e da sensação de descaso: segundo várias pessoas que aguardam a abertura da loja, funcionários do Magazine Luiza, loja em questão, haviam prometido água, café, lanchinho, uma viatura policial e uma ambulância para o evento. O máximo que encontramos por lá foi um banheiro químico e uma máquina de café desligada.

Antônia Pereira é o retrato dos sentimentos mistos: se no ano passado ela conseguiu levar para casa dois televisores por um “ótimo preço” e ainda ferros de passar e outros utensílios domésticos, esse ano o cenário não parece dos melhores. “Tá tudo mais caro, vai ter celular de R$70 que ano passado custava R$50. Mas tudo aumentou nesse ano, né. Até a panela vai ficar mais cara”, ela me contou, apoiada em um divisor de multidões, daqueles de ferro, seu apoio durante todo o dia de espera.

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Seu outro apoio foi dona Rute Teixeira, a quarta da fila, que chegou às 10 horas da manhã. Por morar perto do local, ela conseguiu trazer almoço para as colegas que conheceu no dia. “Eu nunca fiquei numa fila dessa na minha vida, eu odeio aglomeração, mas cheguei aqui e fui ficando”, diz. Ela espera conseguir, entre diversos produtos, um cooktop. Um funcionário da loja garantiu que o produto estaria na promoção, mas Rute não colocou muita fé. “Aqui é assim, se tiver 30% de desconto eu já fico feliz. Agora, se for uma palhaçada com a gente que ficou a madrugada toda aqui, eu quero dar uma boa entrevista para um programa de televisão”.

Entre rodas de adolescentes jogando truco, o silêncio passageiro no cruzamento da Avenida Faria Lima e a rua Teodoro Sampaio, há pouco o que fazer dentro da madrugada. O relógio já passa da uma hora da manhã da madrugada de quinta para sexta-feira. Para o tempo passar, a única distração de Sandra, uma senhora de mais de 60 anos que chegou à fila às 16 horas, vestindo uma camiseta branca escrita “Prosperidade”, era caminhar pela fila, ver se todos estavam bem e, aos poucos, tentar descobrir os produtos de dentro da loja.

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Por uma espécie de olho mágico no portão de aço cheio de adesivos sobre a promoção, dona Sandra conseguia adiantar alguns produtos para seus parentes. “Tem um som aqui na frente, acho que 600 reais… Lá no fundo tem a geladeira, mas é muito grande, não dá”. Se esta é a Black Friday verdadeira, o que Sandra fazia ao apertar os olhos pela fresta, aflita para saber de tudo, era uma versão mais bruta do FOMO (fear of missing out).

Este é o segundo ano que ela passa a madrugada na fila, pegando uma van de Paraisópolis direto para a porta da loja. “Ano passado não deu pra levar muita coisa, mas eu comprei um carrinho para o meu neto”. Nesse ano, a lista é maior: “quero levar uma panela daquelas bem grandes de arroz, uma televisão, dois ventiladores e, se der, umas panelas normais. Ah, e não posso esquecer o tablet para o meu neto”. O neto, claramente xodó dela, se interessa por eletrônicos: “eles só querem saber de celular e tablet, de joguinho, de coisa que se mexe. Eu nem sei mexer no meu celular direito e meu neto vem falando ‘deixa que eu arrumo pra você, vó’. Vê se pode?”.

Assim como Rute e Antônia, dona Sandra volta para seu lugar com frequência, se senta ao lado de seus parentes e amigos, abre um sorriso e espera o tempo passar. Não há reclamações de “o Brasil é uma vergonha”, o principal alvo é o descaso da loja e todos querem apenas uma coisa: conseguir gastar bem um dinheiro muito batalhado para ser ganhado. “É sempre meio bagunçado, mas todo ano vale a pena. Vale porque eu economizo mesmo. Eu vejo todos os preços antes de vir, eu checo tudo para ver se eles não aumentam o preço antes. É o único jeito de comprar essas coisas, né?”, diz Antônia, a tricampeã.

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[Todas as fotos por Flávio Oota/I Hate Flash. Todos os direitos reservados.]

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