Absorção da luz por moléculas tem aplicações em microscopia, medicina e armazenamento de dados
Texto: José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
Conhecer a energia da luz absorvida por uma molécula possibilita entender sua estrutura, seus estados quânticos, sua interação com outras moléculas e suas possíveis aplicações tecnológicas. Moléculas com alta probabilidade de absorver simultaneamente dois fótons de luz de baixa energia apresentam uma ampla gama de aplicações: em sondas moleculares em microscopia de alta resolução, como substrato para armazenamento de dados em estruturas tridimensionais densas ou vetores em tratamentos medicinais.
O estudo do fenômeno por meios experimentais diretos apresenta, porém, dificuldades. Por isso, simulações computacionais têm sido feitas em complemento à caracterização espectroscópica. Além disso, as simulações propiciam uma visão microscópica de difícil acesso em experimentos. O problema é que simulações envolvendo moléculas relativamente grandes demandam vários dias de processamento em supercomputadores ou meses de processamento em computadores convencionais.
Para contornar essa dificuldade, um método alternativo de cálculo foi proposto pelo físico Tárcius Nascimento Ramos e colaboradores em artigo publicado em The Journal of Chemical Physics.
Doutorado em 2020 no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) com bolsa da FAPESP, Ramos é atualmente pesquisador do Fonds de la Recherche Scientifique (F.R.S.-FNRS) na Université de Namur, na Bélgica.
“Avaliamos a performance de um método semiempírico que foi muito utilizado nas décadas passadas, mas, devido ao seu caráter aproximativo, passou a ser negligenciado por parte da comunidade científica. Com ele, conseguimos reduzir o tempo de cálculo para quatro horas em computador convencional. O baixo custo computacional permitiu considerar uma ampla amostragem estatística para simulações de moléculas em soluções, algo inviável com o método atualmente hegemônico”, diz Ramos à Agência FAPESP.
O método atualmente hegemônico a que o pesquisador se refere é a Teoria do Funcional da Densidade (DFT, da expressão em inglês Density Functional Theory). Trata-se de uma ferramenta teórica amplamente utilizada em mecânica quântica, que permite descrever as propriedades eletrônicas de sistemas complexos por meio da densidade eletrônica do sistema, sem que seja necessário recorrer às funções de onda individuais de cada elétron.
“O método alternativo que utilizamos foi o INDO-S [sigla em inglês para negligência intermediária de sobreposição diferencial com parametrização espectroscópica]. Ele se baseia na função de onda do sistema molecular, mas a resolve de forma aproximada. Partes dos complexos e custosos cálculos computacionalmente são substituídos por valores tabelados obtidos por ajustes com dados espectroscópicos experimentais. Isso torna o método altamente eficiente para o estudo teórico de grandes compostos moleculares”, afirma Ramos.
Para avaliar a praticidade de utilizar um método como esse, é preciso considerar que a molécula estudada, derivada do estilbeno, possui mais de 200 átomos – de carbono, oxigênio e hidrogênio. Além do número de componentes, que por si só tornaria as simulações convencionais extremamente trabalhosas e caras, essas grandes moléculas apresentam uma complicação adicional. Elas são flexíveis e suas mudanças conformacionais (como torções, por exemplo) modificam suas propriedades eletrônicas.
“No final do estudo, nós preenchemos a lacuna experimental, caracterizando, em nível microscópico, o espectro de absorção de um e dois fótons para essa classe de moléculas. E verificamos que o método semiempírico que testamos, frequentemente negligenciado devido ao seu caráter aproximativo, é a forma mais recomendada para prever os espectros de absorção de um fóton e dois fótons por grandes moléculas em solução. Isso abre espaço para engenheiros moleculares desenvolverem novos compostos com maior eficiência nos seus diversos ramos de aplicações”, comenta Ramos.
Aqui é necessário levar em conta as diferenças entre a absorção de um fóton e a absorção de dois fótons. O princípio geral é que as moléculas absorvem fótons apenas quando podem assumir estados excitados que sejam compatíveis com as energias dos fótons. Mas as regras de seleção para absorção de um fóton ou de dois fótons não são as mesmas. Por isso, estados excitados proibidos para a absorção de um fóton podem ser permitidos para a absorção de dois fótons. Essas características diferenciais – somadas à alta resolução espacial da excitação por dois fótons, resultante de sua natureza óptica não linear – fazem com que moléculas capazes de absorver dois fótons se prestem a utilizações muito mais refinadas.
“No caso da microscopia, o imageamento apresenta resolução muito maior, possibilitando caracterizar tecidos profundos com menor dano para as estruturas do entorno. No caso do armazenamento de dados, a alta resolução permite que estruturas tridimensionais sejam criadas com grande precisão e detalhes, viabilizando codificar pontos no interior dos materiais com alta densidade de dados por volume”, informa o pesquisador.
A modelagem computacional do fenômeno de absorção de dois fótons por moléculas orgânicas em solução foi o principal tema de Ramos durante sua pesquisa de doutorado. O presente artigo é um passo adiante nessa investigação. Além da bolsa de doutorado conferida ao pesquisador, o estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de outros dois projetos (14/50983-3 e 15/20032-0). Colaboraram Leandro Franco (Karlstad University, Suécia), Daniel Luiz da Silva (Universidade Federal de São Carlos) e Sylvio Canuto (USP).
O artigo Calculation of the one- and two-photon absorption spectra of water-soluble stilbene derivatives using a multiscale QM/MM approach pode ser lido em: https://pubs.aip.org/aip/jcp/article-abstract/159/2/024309/2902110/Calculation-of-the-one-and-two-photon-absorption?redirectedFrom=fulltext.