Texto: Carolina Schwartz/Revista Pesquisa Fapesp
Menstruar é uma experiência fisiológica ainda marcada por tabus e desigualdades, com consequências que permeiam questões sociais, econômicas, sanitárias, emocionais e ecológicas. A quantidade de lixo plástico gerado por resíduos de absorventes descartáveis pressiona negativamente o meio ambiente. Apesar de já existirem alternativas mais sustentáveis para conter o fluxo menstrual, como coletores ou calcinhas absorventes reutilizáveis, uma nova geração de designers, empreendedores e startups aposta na criação de absorventes biodegradáveis que poluam menos e, ao mesmo tempo, agradem o público consumidor habituado à praticidade dos produtos convencionais.
Muitas das iniciativas também colaboram para o fim da chamada pobreza menstrual. Caracterizada pela falta de acesso à educação e à higiene menstrual básica, essa condição afeta mais de 15 milhões de mulheres no Brasil, que precisam recorrer durante a menstruação a opções quase sempre prejudiciais à saúde, às interações sociais e ao comparecimento ao trabalho.
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“Não há como falar de pobreza menstrual no Brasil e só pensar em produtos reutilizáveis, que precisam ser devidamente higienizados”, afirma a empreendedora Patrícia Zanella, cofundadora da startup baiana EcoCiclo. Para ela, é preciso conectar esse cenário com a falta de saneamento básico no país que impede a limpeza correta das pessoas e dos produtos voltados à higiene menstrual. No ano passado, a empresa venceu um prêmio oferecido pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidos (ONU) pelos absorventes biodegradáveis pioneiros que desenvolveu.
“Recorremos a matérias-primas que não causam mal à saúde das usuárias e se degradam em até seis meses”, diz Zanella, que é formada em relações internacionais. A engenheira química Adriele Menezes, diretora operacional da EcoCiclo, foi a responsável pela pesquisa e o desenvolvimento técnico dos absorventes, que são produzidos por mulheres da periferia de Salvador a partir de fibra de bambu, celulose e cola vegetal.
Segundo Zanella, pesquisas indicam que, mesmo conhecendo opções ecológicas e em condições de comprar, as mulheres continuam utilizando absorventes descartáveis tradicionais. “A percepção é de que o que é sustentável não é prático, e o que é prático não é sustentável. Nossa inovação foi pensada para ser confortável e ter a mesma espessura, cor e absorção dos produtos que as mulheres estão acostumadas a usar”, explica.
O custo unitário de um absorvente biodegradável da EcoCiclo é de cerca de R$ 3, até cinco vezes mais alto do que o de produtos convencionais vendidos em farmácias e supermercados. “Ainda não chegamos a uma solução tecnológica no país que permita aos absorventes sustentáveis ficarem mais baratos do que os tradicionais”, reconhece a designer curitibana Rafaella de Bona Gonçalves, que trabalhou em um protótipo próprio de absorvente biodegradável, em parceria com a EcoCiclo.
Inicialmente elaborado como parte do trabalho de conclusão de curso na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o modelo ecológico da designer conquistou prêmios nacionais e internacionais, entre eles o vice-campeonato, em 2022, do concurso Jovens Inventores, promovido pelo Escritório Europeu de Patentes (EPO). Gonçalves foi a responsável pelo design do absorvente e pela pesquisa do material – foram testados três ingredientes: celulose, fibra de bananeira e espuma de soja. O desenvolvimento do protótipo coube à equipe da startup baiana. “Meu objetivo foi fazer uma prova de conceito. Queria mostrar a viabilidade de produzir um absorvente com essas características”, diz Gonçalves, destacando que o item não chegou ao mercado.
O absorvente foi projetado para servir tanto para uso externo como interno, inserido na vagina. “Essa é a grande novidade do design desse absorvente, porque uma peça pode ser única, usada externamente, ou destacada em duas partes, que são enroladas em formato cilíndrico para gerar dois absorventes internos.”
Para a química industrial Marta Tocchetto, professora aposentada do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, e especialista em sustentabilidade ambiental e gestão de resíduos industriais e águas, um aspecto extremamente importante quando se tenta comparar o custo de produtos é que raramente se leva em conta a questão ambiental. Presentes na composição da maioria dos absorventes convencionais, polietileno e polipropileno são polímeros plásticos derivados do petróleo, um recurso fóssil não renovável e poluente. Os absorventes de plástico, apontam estudos, podem demorar até 500 anos para se decompor na natureza.
“O plástico na composição do absorvente vai se transformar, depois do descarte, em microplástico, um pequeno fragmento polimérico prejudicial ao ambiente”, observa Tocchetto (ver Pesquisa FAPESP nos 281 e 332). “Além disso, menos da metade das cidades brasileiras tem aterros sanitários urbanos projetados para receber e processar de forma adequada resíduos como os presentes nos absorventes descartáveis.”
Uma pesquisa desenvolvida na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) estimou o impacto ambiental causado por absorventes menstruais no país. Seus autores revelaram que, se as cerca de 60 milhões de brasileiras que menstruam usassem produtos descartáveis durante o ciclo menstrual, em torno de 15 bilhões de absorventes à base de plástico seriam descartados anualmente no Brasil. Segundo aponta o artigo “Análise de ciclo de vida de coletores menstruais e absorventes externos descartáveis”, além de produzir muito lixo, com frequência o absorvente externo é descartado dentro do vaso sanitário, podendo causar o entupimento do encanamento.
Já existem no exterior produtos que se prestam a esse tipo de descarte. O absorvente biodegradável da marca britânica Fluus pode ser jogado diretamente no vaso sanitário. Ele se decompõe ao entrar em contato com a água e na rede de esgoto. De acordo com o fabricante, até o invólucro da embalagem e as fitas que protegem a parte adesiva podem ser depositados no vaso sanitário. Feito a partir de fibras de plantas, biopolímeros e seiva de árvores, é vendido por £ 0,50 a unidade (cerca de R$ 3).
As empresas Srising, de Shangai, na China, e Niine, de Haryana, na Índia, também lançaram nos últimos anos absorventes biodegradáveis, feitos com o biopolímero ácido polilático (PLA), que pode ser produzido a partir de milho, beterraba ou mandioca. Nos Estados Unidos, a Pee Safe vende um absorvente feito com algodão orgânico e fibra de bambu. O preço final de todos eles é mais elevado do que o de produtos convencionais.
“Não há um produto de higiene menstrual indicado para todas as realidades. Quem pode lavar e esterilizar um coletor menstrual [copinho de silicone para coleta do sangue da menstruação] deveria usá-lo”, pondera Tocchetto. Há situações em que um item é mais conveniente que o outro. “Por isso, temos que pensar em múltiplas soluções, seja o absorvente biodegradável, o de pano ou a calcinha absorvente. A opção mais adequada vai depender do padrão, da necessidade e do momento de vida de cada pessoa.”
Foi para atender a uma necessidade pessoal que a administradora paulista Luri Minami fundou a empresa amai com a empresária Erika Tomihama. A amai é uma marca de absorventes feitos com algodão orgânico certificado e bioplástico biodegradável, vendidos no site da empresa. “Há alguns anos, tive uma alergia aos absorventes comuns e descobri que, ao contrário do que eu achava, a culpa não era minha, por não ter trocado o absorvente com frequência ou algo do gênero. O problema estava na composição do produto. A embalagem dizia que era de algodão, mas ele não continha esse componente”, diz Minami. A recomendação dos médicos é trocar o absorvente externo a cada quatro horas, em média, dependendo do fluxo.
O incômodo físico e a vontade de construir algo de impacto fizeram com que Minami e Tomihama conduzissem pesquisas por conta própria até chegar a um absorvente descartável que considerassem mais saudável e sustentável. “As especificações técnicas foram trabalhadas com o nosso fornecedor, um parceiro na China, responsável também pela fabricação. Durante o desenvolvimento, realizamos centenas de testes com mulheres no Brasil”, conta Minami. A amai destina 1% de suas vendas à doação de absorventes para a ONG paulista Fluxo Sem Tabu, cuja missão é distribuir kits de higiene para populações carentes e difundir conhecimentos sobre menstruação.
“A parte de cima, que toca a vulva, é feita de algodão, a parte central é constituída de celulose sem tratamento com cloro, para não irritar a pele, e a parte inferior, junto à calcinha, com bioplástico biodegradável”, informa. Esse último componente é um combinado de dois biopolímeros biodegradáveis, um feito à base de amido de milho (PLA) e outro a partir de petróleo (PBAT).
Embora sejam uma opção menos poluente que um produto convencional, absorventes biodegradáveis também podem gerar impactos negativos no ambiente, que vão desde a forma de plantio, extração e produção das matérias-primas até o próprio processo de descarte dos componentes neles presentes. “As alternativas biodegradáveis não são soluções perfeitas, pois pode haver desmatamento, uso indevido de agrotóxicos, exploração de mão de obra, entre outras coisas, associadas ao seu processo produtivo”, pondera Tocchetto.