O acordo firmado entre o governo do Paraná e Microsoft é ilegal? Tudo indica que não

No início de abril o Governador do Paraná, Beto Richa, assinou um protocolo de intenções com a Microsoft para que o estado que governa adote futuramente soluções da empresa para auxiliar na capacitação de pessoas em tecnologia da informação. A notícia causou rebuliço na comunidade de software livre. Tem cabimento? Para responder essa pergunta, conversamos […]
Beto Richa e Michel Levy.

No início de abril o Governador do Paraná, Beto Richa, assinou um protocolo de intenções com a Microsoft para que o estado que governa adote futuramente soluções da empresa para auxiliar na capacitação de pessoas em tecnologia da informação. A notícia causou rebuliço na comunidade de software livre. Tem cabimento? Para responder essa pergunta, conversamos com bastante gente e analisamos a legislação estadual.

O protocolo de intenções foi assinado durante o Fórum de Líderes de Governo da América Latina e Caribe, que rolou no Copacana Palace, no Rio de Janeiro, entre nos dias 9 e 10 de abril. Além do Paraná, o estado de São Paulo também assinou o mesmo documento.

A assinatura desse protocolo torna disponível um número de softwares da Microsoft a ser usado pelos governos beneficiados em áreas como educação, qualificação, inovação e empreendedorismo. Ele tem validade de dois anos, foco em estudantes da rede pública de ensino e profissionais em busca de capacitação. Não há ônus financeiro para os estados e, no Paraná, a Celepar e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior farão a ponte entre Micrsoft e os beneficiados.

A polêmica

Nas comunidades de software livre a notícia foi recebida com alarde. O blog Seja Livre acusou Beto Richa de ir contra lei estadual que privilegia o uso de software livre no estado. A lei invocada é a de nº 14.058, de 2003, promulgada durante um dos mandatos de Roberto Requião. No mesmo texto, Vinícius Vieira sentencia o início do fim da Celepar:

“A Celepar é responsável por inúmeros projetos de Software Livre público, como por exemplo o Expresso Livre, e que infelizmente com iniciativas como esta acabarão afundando no mar do esquecimento e subemprego.”

E questiona:

“Mas como um Estado que incentiva a prática do Software Livre no país aceita um acordo destes?”

Levando, em seguida, a questão para o terreno da política com uma série de acusações contra o PSDB, partido de Beto Richa.

Para entendermos melhor a questão é importante estarmos cientes do que a tal Lei nº 14.058/2003 diz. Em seu artigo 1º:

“Art. 1º. Os órgãos e entidades da Administração Pública Direta, Indireta, Autárquica e Fundacional do Estado do Paraná, bem como os órgãos autônomos e empresas sob o controle estatal utilizarão, preferencialmente, programas abertos de computador e programas de computador com licenças proprietárias, fundada a opção em motivos de conveniência e oportunidade administrativa, sólidas garantias e no resguardo do interesse público.”

E no artigo 8º:

“Art. 8º. Será permitida a contratação e utilização de programas de computador com restrições proprietárias ou cujas licenças não estejam de acordo com esta lei, nos seguintes casos:

I – quando o software analisado atender a contento o objetivo licitado ou contratado, com reconhecidas vantagens sobre os demais softwares concorrentes, caracterizando um melhor investimento para o setor público;

II – quando a utilização de programas livre e/ou com código fonte aberto causar incompatibilidade operacional com outros programas utilizados pela administração direta, indireta, autárquica e fundacional do Estado, ou órgãos autônomos e empresas sob controle do mesmo.”

Uma lida desatenta pode culminar na ligação das duas coisas. Afinal, a lei foi desrespeitada? O Governo do Paraná não podia ter assinado o acordo com a Microsoft antes de considerar alternativas livres?

Então tem coisa errada aí?

Para esclarecer o aspecto jurídico-legal (e central) da situação, Juan Lourenço, advogado e leitor do Gizmodo, deu uma força.

Ele atenta para dois detalhes importantes que distanciam o acordo firmado com a Microsoft das exigências legais da lei estadual de preferência ao software livre, começando exatamente pelo termo usado no primeiro artigo da mesma: há uma preferência, não obrigatoriedade, pelo software livre. No inciso I do artigo 8º, que lista as exceções onde o software proprietário poderá ser usado, a lei fala em “objetivo licitado ou contratado“, situações que não refletem o protocolo de intenções. Juan ainda nos disse que como se trata de uma espécie de “sinal”, que será regulamentado posteriormente, não é possível atestar a irregularidade do ato no momento.

Para Silvio Lohmann, Coordenador da Agência Estadual de Notícias do Paraná, o problema é mais simples — ele sequer existe. Ele reforçou a ideia de que o protocolo de intenções visa agregar valor a estudantes e profissionais em busca de capacitação. Em conversa ao telefone, Lohmann disse que o acordo não transgride a lei supracitada, pois o Paraná não está comprando coisas da Microsoft. Ele ainda falou que se trata de um acordo bastante pontual e que em nada altera o amplo trabalho com software livre que há anos é desenvolvido no Paraná, principalmente na Celepar. Falamos também com alguns funcionários da Celepar e, por lá, a assinatura do protocolo parece não ter alterado ou dado indícios de que o que vem sendo feito será mudado — alguns sequer tinham conhecimento da sua existência.

Tentamos ouvir o posicionamento da Microsoft a respeito do tema, mas até o fechamento da matéria não recebemos resposta.

Muita calma, sempre

Toda essa situação é delicada e merece atenção. Por ser delicada, demanda maior apuração também. Alguns defensores ferrenhos do software livre interpretaram a assinatura do protocolo de intenções de forma precipitada e extensiva; uns poucos foram além e soltaram palavrões e outras palavras meio chatas diretamente para Beto Richa no Facebook. A quem lê essas matérias e vê tais reações, fica a sensação de que o acordo representa a ruína do software livre no estado. Não é bem assim. Se nem a Celepar, que é tida como exemplo nacional do (bom) uso de software livre na instância governamental, aparenta preocupação com o acordo, ele talvez não seja tão draconiano ou ameaçador como alguns pintam por aí.

Como acertadamente disse Augusto Campos, do BR-Linux, “não acho que deva haver preferência ‘default’ por algum modelo de desenvolvimento ou licenciamento – na hora de comprar, cada organização deve avaliar suas opções e optar pela mais vantajosa, considerando seus objetivos, seja ela pública ou privada.” A própria lei paranaense que dá preferência ao software livre abre exceções para o uso de proprietário em certas circunstâncias. Bom senso sempre. Os estudantes e profissionais, que têm grandes chances de usar ou mesmo já usam ferramentas Microsoft no dia a dia, agradecem a oportunidade de se capacitarem, gratuitamente, nelas. [Celepar]

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