Ciência

Alterações na urina de pessoas com autismo podem contribuir para diagnóstico, aponta estudo do Butantan

Cientistas encontraram biomarcadores com potencial para auxiliar no acompanhamento do quadro
Imagem: Freepik/Reprodução

Reportagem: Aline Tavares/Instituto Butantan

Pesquisadores do Instituto Butantan identificaram potenciais biomarcadores em amostras de urina de pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), que podem auxiliar no desenvolvimento de métodos complementares de diagnóstico e acompanhamento da evolução do quadro. O trabalho foi publicado na revista Biomarkers Journal e indicou diferenças na concentração total de proteínas e aminoácidos na urina de indivíduos com autismo e de pessoas sem o transtorno.

Foram analisadas amostras de 22 crianças diagnosticadas com TEA, com idades entre 3 e 10 anos, e de 22 crianças neurotípicas como grupo controle. Os participantes foram selecionados no Centro de Especialização Municipal do Autista, em Limeira (SP), e na Associação de Pais e Amigos do Autista da Baixa Mogiana, em Mogi Guaçu (SP).

Os testes apontaram alterações nas quantidades dos aminoácidos arginina, glicina, leucina, treonina, ácido aspártico, alanina, histidina e tirosina na urina das crianças com autismo. “Os níveis anormais de proteínas e aminoácidos podem estar relacionados a diversos sinais observados em pessoas com TEA”, informa o artigo.

Por exemplo, durante a formação do feto ou no período pós-natal, quando os receptores de neurotransmissores estão em desenvolvimento, o desequilíbrio de aminoácidos pode tornar o cérebro vulnerável à superestimulação. Outra hipótese é que essa desregulação metabólica pode contribuir para a presença de comorbidades, como transtornos gastrointestinais.

Foto: José Felipe Batista/Comunicação Butantan

“Nossa intenção foi trazer elementos que pudessem servir como dados adicionais e importantes para futuros estudos, não só para a caracterização do quadro do TEA, mas também para fornecer um acompanhamento da evolução do distúrbio. As informações precisam ser validadas em uma população maior, mas indicam um caminho a ser seguido”, explica o pesquisador do Butantan Ivo Lebrun, coordenador do estudo, que fez parte da tese de doutorado da nutricionista Nádia Isaac da Silva.

Segundo o cientista, o desequilíbrio da microbiota intestinal, que anda lado a lado com o metabolismo, costuma estar presente nos pacientes com autismo, levando a uma inflamação do sistema digestivo. Isso faz com que alguns alimentos, em geral, não sejam muito bem tolerados, como derivados do leite e produtos com glúten.

“O autismo é um espectro de alta complexidade, influenciado por vários fatores. Da mesma forma, o seu acompanhamento deve ser multidisciplinar: terapias comportamentais, psicoterapia e nutrição, por exemplo, são práticas que visam a melhoria e controle do quadro”, diz o pesquisador.

Diagnóstico do autismo avançou, mas é preciso buscar tratamentos individualizados

Foto: José Felipe Batista/Comunicação Butantan

Vale ressaltar que o autismo não é considerado uma doença, e sim um distúrbio do neurodesenvolvimento de origem genética cujas manifestações podem ser amenizadas de acordo com a gravidade, que varia de caso a caso. Por isso, não existe uma “cura”. É possível classificar os pacientes em níveis 1, 2 ou 3, dependendo do grau de suporte que necessitam.

Devido à complexidade do diagnóstico e do tratamento, diversas abordagens têm sido estudadas para ampliar o conhecimento sobre o TEA, como a construção de bancos de dados provenientes de amostras de sangue e de sequenciamento genético. São estudos que permitem descobrir, por exemplo, novos genes associados ao distúrbio e biomarcadores para caracterizá-lo.

Uma das vantagens de trabalhar com biomarcadores na urina é a facilidade da coleta, que pode ser feita em casa pelos próprios pais ou responsáveis – diferente de uma coleta de sangue, que é mais invasiva, exige um profissional especializado e envolve maiores dificuldades, especialmente no caso do público infantil.

“Se antigamente não se falava tanto sobre autismo como hoje, não significa que ele não estava lá. O transtorno sempre existiu, mas com o avanço das tecnologias, ele tem sido detectado cada vez mais cedo. Esses estudos vêm para complementar as formas de diagnóstico e acompanhamento clínico”, resume Ivo.

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