Álvaro Pereira Jr. para o Giz Brasil: “o lado B das entrevistas com celebridades”

Agora, em fim de carreira, menos, mas durante um bom tempo entrevistei um monte de celebridades. E aí sempre me perguntavam: fulano é bacana? Sicrana é gente boa?

A única resposta verdadeira é: não sei. Posso dizer, no máximo, se a pessoa foi bacana comigo, naquele momento específico, o da entrevista.

E, mesmo que tenha sido, não significa que o(a) sujeito(a) seja de fato simpático(a). Pode estar só fingindo.

Mick Jagger, por exemplo

Se bem me lembro, entrevistei duas vezes. O cara é um manipulador maquiavélico. Jagger finge prestar enorme atenção nas sua perguntas. E finge achá-las as mais inteligentes da história. Beleza, é bom porque a entrevista flui bem: mas não sou eu que vou cair na esparrela de um macaco velho desses. Afinal, sou macaco velho também. Sei que é tudo teatro.

Outro: Bono, do U2

Acho que já fiz quatro entrevistas com ele, todas ótimas, uma delas ao vivo (eu estava apavorado, Bono percebeu e me falou, um pouco antes de a gente entrar no ar: “Calma, estamos aqui pra te ajudar”).

Mas, honestamente, você acha que dá para dizer se alguém nesse nível de estrelato, o do Bono, tem alguma relação com a Terra, com noções, digamos, “normais” de como se relacionar e se comportar? Claro que não: o cara vive em outro planeta — felizmente para mim, um planeta onde os habitantes são bem gentis e calminhos quando falam na TV.

Extremo oposto: Red Hot Chili Peppers

Entrevistei uma vez só, no lendário hotel Chateau Marmont, em Los Angeles, e que desastre. Foram uns escrotos, riam das questões, fingiam não entender o que eu tinha perguntado. Para meu consolo, a escrotidão foi geral, todos os jornalistas presentes penaram naquele dia (porque é muito raro um artista superfamoso falar só pra você; eles tiram um ou dois dias para fazer várias entrevistas “exclusivas” em sequência, no que se chama de “junket”).

Mas quer saber? Conheço muitas outras pessoas que entrevistaram os Peppers, e foi tudo ótimo! Uma amiga minha, muito linda, o vocalista Anthony Kiedis até abraçou! Ele é mala mas não é bobo. Conclusão: eles não são nojentos sempre, só foram nojentos comigo.

Lady Gaga e os “assessores”

Falando em nojeira, a maior que já vi foi num hotel em Porto Rico, no entorno da Lady Gaga. É uma quantidade de puxa-sacos que lembra aqueles filmes do Hitler fechado em um bunker, cercado de bajuladores dizendo sim para qualquer barbaridade vomitada pelo ditador.

No caso de Gaga, tem um “assessor” para arrumar o brinco esquerdo. Outro para polir o sapato direito. Outro para dobrar a barra do vestido. Outro para pentear a mecha 1. Outro para cuidar da mecha 2. E tudo isso enquanto ela está andando, sempre cercada por esse enxame de aspones servis.

Os mais agradáveis

Voltando ao tema do texto: alguém sinceramente legal? De novo, impossível dizer, porque são mega-artistas, são mimadinhos, mal sabem amarrar os sapatos etc. Mas posso dizer que uma entrevista com o Peter Gabriel (ex-Genesis) em Londres foi uma das mais agradáveis que fiz na vida (e olha que sou zero fã de progressivo).

Idem em gentileza pro grande Bruce Springsteen, com quem falei uma vez só, em Santiago. Idem pro gênio Brian Wilson, dos Beach Boys, num papo-cabeça em São Paulo mesmo. Do Coldplay, então, nem se fala: os caras são tão gentis (de verdade? encenação? sei lá…) que a gente fica até constrangido. Acho o som da banda insuportável, mas, antes de começar a pixar, sempre lembro de como eles são legais.

Oasis e Aerosmith

Uma vez foram na boa (era só o Noel Gallagher, em Orlando). Na outra, foram uns malas (Noel estava com o irmão, Liam, em SP). Aerosmith: bons entrevistados, mas os assessores são intragáveis, e o pior é que cada membro da banda tem sua própria assessoria, porque eles se odeiam e só se juntam no palco. Lembro de duas entrevistas: Boston (ótimo clima) e Bogotá (horrível).

Axl Rose relax

Fama da insuportável mas até que foi relax comigo? Axl Rose. Quer dizer… apareceu umas cinco horas atrasado, não gostou da sala, fez mudar tudo, e começou a falar exatamente na hora em que o show dele deveria estar começando! Sempre digo que, se alguém ainda tem alguma ilusão com a rebeldia do rock, vá conhecer os bastidores de um show dos Guns — o clima tenso, a falsidade –, e vai sair de estômago virado.

Bruce Dickinson, Paul McCartney e o cotovelo do Ringo

A gente, na verdade, passa uns poucos minutos com esse pessoal — que mal sabe quem somos–, mas acaba levando essas histórias pro resto da vida. Vai vendo. Já voei da Colômbia pro Brasil no avião do Iron Maiden (pilotado, de verdade, pelo próprio Bruce Dickinson!). Já vi o Ozzy chegando para a entrevista em Miami tão zureta que eu achei que ele tava brincando de imitar a si próprio.

Já vi um show fechado do Paul McCartney em Londres onde na plateia estavam, entre outros, Jeff Beck e David Gilmour (mas o Paul nunca deu a entrevista prometida). Já fiquei com o braço estendido no vazio ao tentar dar a mão pro Ringo Starr em Los Angeles. “Eu não cumprimento ninguém assim, porque não sei onde vocês andaram enfiando a mão”, disse ele, enquanto me oferecia o cotovelo.

Já fui assistente de rua do Mister M em Las Vegas. Já entreguei um urso de pelúcia gigante pra Gisele Bundchen na casa dela em Hollywood Hills, presente do Jô Soares (o bicho, não a casa).

E também, veja só, recebi um convite do meu querido amigo Paulo Cesar Martin, o chefe do Giz Brasil, para escrever aqui, contando essas histórias para você. Histórias com gente legal? Isso eu já não posso garantir.

Sobre o autor:
Formado em Química e Jornalismo pela USP, Álvaro Pereira Jr. passou pelas redações de Folha de S.Paulo e Notícias Populares antes de chegar à Globo, onde trabalha desde 1995. Além de chefiar equipes em São Paulo e Rio de Janeiro e liderar a criação do portal G1, Álvaro ganhou destaque no Fantástico, onde faz reportagens de ciência, tecnologia, saúde e, claro, música.