Elon Musk revelou esta semana seu grandioso plano de levar humanos para viver em Marte. Ele não pretende levar apenas algumas pessoas; a intenção é ter um monte de gente lá. A apresentação que o bilionário fez nesta semana variou entre um anúncio científico comum e um projeto de ficção científica.
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Musk descreveu o envio das naves espaciais cheias de colonos que irão viver num deserto de poeira sem ar; para contornar esses problemas, eles terão reatores nucleares e campos magnéticos artificiais à disposição.
É fácil dizer que muito do que Musk apresentou não passa de um sonho de um cara cheio da grana. Vimos muitas imagens conceituais dos foguetes e soubemos de estimativas generosas a respeito do preço de uma passagem para Marte. (“Algo próximo ao preço médio de uma casa nos EUA!”) Mas quando chegou a hora de falar sobre os prazos finais, e dos passos concretos para realmente realizarmos uma imigração interplanetária, o discurso de Musk foi fraco. Além disso, nós não temos ideia de quem irá pagar por tudo isso.
Começando por missões não-tripuladas
Isto é o que sabemos: o objetivo a curto prazo da SpaceX – enviar módulos robóticos de aterrissagem nos próximos anos – é completamente viável. Também sabemos que o Interplanetary Transport System (Sistema de Transporte Interplanetário) não irá se materializar sem uma grande quantia de dinheiro e apoio técnico vindo da comunidade internacional.
“Eu acho perfeitamente possível que [a SpaceX] aterrisse a cápsula Dragon em Marte em 2018 ou 2020”, diz Bobby Braun, professor de tecnologia do espaço no Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), ao Gizmodo.
Como anunciado pela SpaceX em abril, a pretensão é iniciar missões “Red Dragon” não tripuladas no final de 2018. Essas missões serão realizadas com um foguete Falcon Heavy — uma versão aprimorada do Falcon 9, que a companhia pretende lançar no ano que vem — e com uma cápsula robótica Dragon-2, cuja tecnologia será desenvolvida a partir da cápsula Dragon que a SpaceX está construindo para o Commercial Crew Program da NASA.
“O plano é enviar uma Dragon-2 para Marte dentro de dois anos, e outra em 2020”, disse Musk durante sua apresentação. “Queremos estabelecer uma cadência estável, com cada encontro com Marte”, adicionou, se referindo à janela de lançamento que ocorre a cada 26 meses, quando a distância entre a Terra e Marte se encurta.
Um objetivo crítico das missões Red Dragon será testar e refinar a tecnologia de pouso do foguete ao entrar na atmosfera de Marte. Todas as missões robotizadas que foram para a superfície de Marte utilizaram paraquedas para suavizar o pouso. No entanto, a Dragon-2 será o objeto mais pesado já feito por humanos a tocar o chão do Planeta Vermelho — e isso significa que será necessário um sistema bem competente para que ninguém morra na aterrissagem.
Não está claro quantas missões não-tripuladas para Marte a SpaceX pretende realizar com a Red Dragon, muito menos quanto elas irão custar. Em julho, Jim Reuter, da NASA, disse ao Space Policy News que estima um gasto em torno de US$ 300 milhões para a empresa de Elon Musk.
A NASA também irá contribuir com as missões Red Dragon, principalmente com consultorias de engenharia, que Reuter diz que deve custar US$ 32 milhões durante um período de quatro anos. Em troca de conselhos e suporte de comunicação nas missões não-tripuladas, a agência espacial americana terá amplo acesso aos dados coletados pela Dragon-2 — dados que poderão ser úteis quando a NASA realizar suas próprias missões em 2030.
Até este ponto, nada sobre as datas ou sobre o custo das missões Red Dragon parecem ser proibitivos — se a SpaceX se recuperar bem da explosão que aconteceu neste ano, eles realmente podem conseguir fazer os lançamentos em 2018. “Certamente é algo viável do ponto de vista técnico — qualquer pessoa que tiver dinheiro o suficiente pode mandar alguma coisa para Marte”, disse um executivo na indústria aeroespacial que preferiu não ser identificado.
Levando humanos para outro planeta
Mas sair de módulos robóticos para um “Sistema Interplanetário de Transporte” capaz de enviar milhares de pessoas para o Planeta Vermelho não será fácil, muito menos barato. O sistema que irá combinar um foguete gigante com uma espaçonave, capaz de carregar “pelo menos 100 passageiros” de forma confortável, foi um dos focos da apresentação de Musk. E como ele mesmo reconheceu, isso talvez não aconteça.
“Obviamente será um desafio financiar todo esse esforço”, disse Musk. “Agora, estamos tentando fazer progresso com os recursos que temos, e continuar progredindo.”
Se havia alguma dúvida de que a SpaceX e toda a carreira de Musk foi moldada a partir desse sonho, ela acabou durante a apresentação. Ele está contando com os futuros lucros que sua empresa irá render — “com o lançamento de satélites e manutenção da estação espacial” — para financiar a diáspora cósmica da humanidade. Ele mesmo disse que não tem “nenhuma outra motivação para acumular bens”.
Mas mesmo que Musk gaste todo o seu dinheiro na construção do maior foguete da história, é difícil imaginar que tudo dará certo no primeiro protótipo. Ele precisa de ajuda, tanto de investidores como de agências espaciais governamentais. A NASA seria uma parceira óbvia, mas até agora, a agência não indicou que dará qualquer apoio à colonização de Marte.
“A NASA saúda todos aqueles que queiram dar o próximo grande salto e iniciar uma jornada para Marte”, disse um porta-voz da agência ao Gizmodo por email. “Nós estamos muito felizes que a comunidade está trabalhando para enfrentar os desafios de conseguir alcançar a presença humana sustentável em Marte.”
Quando questionamos sobre o foguete enorme da SpaceX, o porta-voz disse que “esta é uma iniciativa liderada pela SpaceX que ainda está numa fase de conceito e conforme se desenvolver, a NASA pode encontrar elementos que a possam interessar”.
Em outras palavras, a NASA está mantendo as portas abertas com um ceticismo saudável. E não dá para culpar a agência. A NASA apostou na SpaceX para o Commercial Crew Program, e a empresa de Musk está um ano atrasada no projeto que irá enviar astronautas americanos para a Estação Espacial.
Mesmo que a SpaceX não possa contar com a NASA, pode ser que outras agências espaciais estejam interessadas em investir no plano do bilionário. A lista de nações que estão prontas para fazer missões espaciais vem crescendo muito rápido, e alguns recém-chegados, como Luxemburgo, já mostraram interesse em financiar projetos de alto risco e com chances de grandes recompensas comerciais. E sempre existe a chance de que outro bilionário ambicioso — como o cara que quer mandar uma nave espacial robótica para a Alpha Centauri — coloque algum dinheiro na SpaceX.
Com otimismo, diz Musk, podemos enviar os primeiros humanos para Marte dentro de uma década. Na realidade, a SpaceX sequer chegou a mandar uma pessoa para o espaço, nem mesmo uma sonda robótica para Marte. Seus foguetes explodem por razões desconhecidas e seu CEO raramente consegue cumprir os prazos.
É muito animador ver a SpaceX dando esses primeiros passos. Mas para chegar no Planeta Vermelho, será preciso dar muitos outros passos: projetar, construir e testar foguetes maiores e mais avançados; além de inventar tecnologias que serão necessárias para extrair recursos de Marte e sustentar a vida humana por lá. E mesmo que a SpaceX tenha muita grana e investidores, esses passos ainda podem levar décadas.
Musk não é ingênuo: ele sabe que será preciso mover montanhas para alcançar o que ele apresentou. O objetivo do seu discurso não era mostrar que a SpaceX, sozinha, será capaz de fazer tudo, e sim convencer o mundo de que vale a pena seguir com essa ideia maluca.
E, quem sabe? Talvez plantar uma semente agora possa render frutos em 2100. “Eu tenho uma bisavó que tem 103 anos”, diz Braun. “Ela estava por aqui quando os aviões estavam começando a voar, e carros começaram a surgir. Ela viu o homem pousar na Lua e curar diversas doenças. Em um período de cem anos, minha bisavó viu avanços tão grandes quanto os que Elon Musk ambiciona.”
Primeira foto por Flickr/Bill Brooks