Não há dúvidas que os nossos métodos de educação estão ridiculamente atrasados em relação às possibilidades que a tecnologia nos oferece. Os livros didáticos são dos maiores exemplos disso, e mesmo com computadores e smartphones por todos os lados, as crianças e adolescentes continuam usando os mesmos calhamaços há décadas. A Apple acha que há maneiras mais efetivas de apresentar e interagir com o conteúdo educacional, e lançou agora há pouco uma seção de livros didáticos para o iBooks, que pretende “revolucionar” (eles gostam da palavra) este mercado. Steve Jobs disse em sua biografia que queria fazer para a indústria do livro didático o mesmo que fez para a música com o iTunes ou para os tablets com o iPad. Pelo que vimos agora há pouco, há uma chance de a Apple conseguir isso, em condições ideais de temperatura e pressão.
O iBooks 2 quer aproveitar todo o potencial do iPad para conteúdos interativos e aplicar isso aos velhos livros didático. Este potencial, aliás, já foi bastante explorado em apps como o Elements, que nos deixou babando logo no lançamento do primeiro iPad, e o Our Choice, de Al Gore, uma aula de como deve ser um livro didático:
Durante a demonstração da Apple hoje em Nova York, foram mostradas várias funcionalidades parecidas: toque na imagem para ver uma galeria, use o multitoque para dar o zoom naquele gráfico, faça buscas por palavras-chave no livro inteiro ou clique em links para ver mais detalhes. Há vídeos e sons também, como nos CD-ROMs da minha finada Encarta de 1997. Mas não desmereço a coisa. Tocar na imagem ou “sublinhar” algo com os dedos dá um feedback mais interessante, fora que hoje é tudo mais rápido. A primeira demonstração de hoje — um livro de biologia –, foi realmente fantástica. Modelos 3D de células, fotos interativas com multitoque, gráficos animados. Não sei se isso é mais efetivo em termos educacionais, mas divertido, sem dúvida.
Além do conteúdo mais “interessante” para essa geração de videogames, há boas ferramentas para o professor. Por exemplo: dentro do livro, no meio de uma página, é possível responder diversos tipos de questionários, bem mais interessantes que V ou F e múltipla escolha. Em um exemplo dado na apresentação, o aluno deveria associar as fotos dos ecossistemas a regiões dos EUA, arrastando um em outro. O feedback (você acertou! Estrelinha dourada!) é instantâneo e abre várias possibilidades. A ferramenta de marcação de texto também é esperta e tem, além de várias cores, uma reorganização automática: ela divide as suas coisas sublinhadas em cartões de memorização gigantes (algo bem comum entre os moleques americanos) para facilitar o decoreba. Eu tenho minhas dúvidas da efetividade de algo assim, já que há muito tempo prega-se que o fato de a criança reescrever o conteúdo de um livro didático com suas próprias palavras ajuda na fixação do conteúdo. Mas a educação como um todo precisa ser repensada, então a iPOSTILA (você leu primeiro aqui) pode jogar uma luz sobre o que é melhor.
Porque, acredite, os EUA estão passando por uma “crise educacional” que eles consideram séria. A apresentação mesmo começou falando como a educação da terra do Obama está na “Era das Trevas”, com seus estudantes com rendimento bem inferior aos de outros países desenvolvidos. As notas dos americaninhos em matemática e compreensão de texto não chega ao top20. Mudar o livro-texto pode ser uma saída.
(Veja o vídeo completo de apresentação do TextBooks on iBooks aqui.)
Os livros
Há meia dúzia de integrações interessantes, mas o iBooks por si só não é algo novo. O que o iBooks faz de novo então? Ele cria uma central de distribuição e desenvolvimento. Da mesma forma que o NewsStand criou uma “banca” para todos os apps de revistas e jornais, o iBooks 2 é uma loja e mochila para todos os livros didáticos: um mesmo app para ler, interagir e comprar.
É claro que a coisa é bonita no papel, mas só vai dar realmente certo se escolas, pais e editoras investirem. Neste sentido, a Apple tem uma grande vantagem sobre todos os outros concorrentes nos EUA, em especial no quesito “padronização do hardware” e distribuição — eles dominam o mercado de tablet com larga folga e continuam vendendo como água. O iPad foi o desejo número um da molecada americana no Natal e já há centenas de escolas colocando iPads no material didático. US$ 500 é caríssimo, mas vendo o preço de livros didáticos nos EUA (muitos na casa dos 80 dólares), o investimento pode se pagar.
Um problema em potencial é que os livros são arquivos bem grandes: o livro de biologia lindão apresentado hoje tem 2,77GB: eles diminuem o peso da mochila mas não o espaço em disco necessário. Então estamos falando de um investimento inicial de pelo menos 600 dólares, para o de 32 GB. É caro, mas considerando, de novo, a ampla distribuição do iPad nos EUA (o lugar das condições quase ideais de temperatura e pressão) e a aproximação da Apple com as principais editoras de livros didáticos, há uma chance de a Apple conseguir uma enorme dianteira neste mercado bilionário. Entre os parceiros apresentados hoje, vimos McGraw Hill, Pearson e Houghton Mifflin Harcourt, 3 empresas que representam 90% do mercado de livros didáticos dos EUA. E não são só os “livros-texto”. A DK Publishing, que faz aqueles livros de mesa de centro (Dinossauros!) também está trabalhando junto. Se você é meio velhinho para ler livros didáticos e tem o iPad, baixe o Life on Earth, de E.O. Wilson, que terá os dois primeiros capítulos de graça.
E espere muitos livros novos em breve porque, além de tudo, não parece ser extremamente complicado criar novos livros didáticos para o iBook.
O iBooks Author
Um grande pedaço da conferência de hoje foi dedicado ao iBooks Author, a ferramenta de criação de livros didáticos gratuita, disponível hoje na App Store do Mac. Ela é um cruzamento do Pages com o Keynote (ou Word e PowerPoint) que pareceu bastante intuitiva. Há diversos templates, então se você quiser criar um livro de Química basta selecionar aquele modelo e começar a arrastar seus textos e fotos de lá. Elementos interativos podem ser feitos a partir de modelos também, ou importando coisas em javascript ou HTML5 (sorry, Flash).
Não faltaram hipérboles ao pessoal da Apple, e Phil Schiler caprichou ao definir o iBooks Author: “se você já esteve envolvido no desenvolvimento de um eBook, sabem que isso é um milagre.” Gostei de “milagre”, é um adjetivo para quem estava cansado de “mágico”, mas Schiler tem razão no sentido de custos. Apps como Our Choice são caríssimas para serem desenvolvidas, e a nova ferramenta parece, pela rápida volta que eu dei aqui, possibilitar coisas boas de maneira mais rápida/barata. O que deve reduzir o preço dos livros-didáticos (os primeiros custam US$ 14). Aí está a oportunidade para os brasileiros.
E o Brasil?
Não temos iPads, computadores e smartphones por todos os lados, aqui tudo é caro e ainda há o problema de segurança. Mas já está claro que o tablet pode ser uma boa ferramenta educacional, e várias escolas estão experimentando com isso. Por enquanto, centros de ensino como o COC escolheram ferramentas customizadas rodando em tablets baratos e não muito bons, mas se a experiência do livro didático for notadamente superior no iPad — como parece ser –, as escolas podem migrar para a ferramenta da Apple. Não falo de escolas públicas ou mesmo a maioria das particulares. Mas não tenha dúvidas de que o iBooks Author poderá rapidamente ser usado para criar iPOSTILAS em cursos de pós e faculdades mais caras, ou mesmo nas melhores escolas particulares, que não raro batem os R$ 2 mil de mensalidade, sem contar com o custo da lista de material no início de ano.
É esperar para ver como a concorrência reage e pode ser um pouco cedo para falar isso, mas neste mercado especificamente, a Apple acertou em cheio. Ela tem um hardware padronizado e amplamente distribuído, acordos com os principais fornecedores de conteúdo e uma ferramenta de desenvolvimento e distribuição incrivelmente azeitada. Vejo espaço para soluções mais baratas (eBooks simples em tablets de R$ 400, por exemplo), mas no topo da tecnologia, acho difícil alguém destronar a Apple neste segmento.