Texto: Julia Custódio* / Arte: Simone Gomes / Jornal da USP
Uma pesquisa com participação do Instituto de Biociências (IB) da USP mostrou que as árvores sobrevivem menos quando cercadas por vizinhas da mesma espécie, o que provavelmente é causado pela especialização de patógenos, os diversos agentes que as agridem, como parasitas, bactérias e fungos. O estudo, que analisou dados de 23 florestas em todo o mundo, incluindo a Ilha do Cardoso no Brasil, endossa parte de uma das hipóteses da ecologia e pode explicar por que a diversidade de espécies é maior nos trópicos.
O padrão de gradiente latitudinal de biodiversidade mostra que, quanto mais perto chegamos dos trópicos da Terra, maior é a diversidade de fauna e flora encontrada. Na tentativa de explicar essa variação de diversidade de árvores nos trópicos, há 50 anos os ecólogos Daniel Janzen e Joseph Connell levantaram a hipótese de que a ampla dispersão de sementes e plântulas (pequena planta resultante do desenvolvimento inicial do embrião) evita a influência negativa de microrganismos que podem causar a morte das árvores, assim como diminuir o crescimento e a capacidade de reprodução.
Para eles, a estabilidade climática nos trópicos facilita tanto a especialização de animais herbívoros como desses patógenos, e a grande densidade de árvores da mesma espécie em um único local propicia a contaminação e infecção dessas árvores.
“Chamamos isso de dependência de densidade negativa para a mesma espécie, ou seja, a sobrevivência e o crescimento de uma árvore serão negativamente afetados se ela tiver mais vizinhos da mesma espécie. Então, para essa planta, é melhor ela ter vizinhos que sejam de outras espécies, porque tem menos chances de ser infectada por patógenos ou consumida por herbívoros”, explica Melina de Souza Leite, ecóloga e cientista de dados do Laboratório de Ecologia de Florestas Tropicais do IB.
O estudo, coordenado por professores na Alemanha, foi justamente voltado para testar essa hipótese a partir de informações coletadas de diferentes florestas do mundo. A base de dados dinâmicos das árvores, isto é, comparados durante o tempo, foi feita em colaboração com o ForestGEO, rede de cientistas ao redor do globo que monitora as florestas e espécies.
Melina Leite afirma que muitos estudos com diferentes abordagens tentam explicar o fenômeno, mas o diferencial desse grupo é utilizar dados de diferentes florestas do mundo, com o acompanhamento de cada árvore durante muitos anos. “Existe um protocolo padronizado: a cada cinco anos, eles [os pesquisadores] visitam a mesma árvore, que recebe uma plaqueta de identificação, e nos censos florestais acompanham sobrevivência, crescimento e doenças”, diz.
As análises apontaram para a maior mortalidade de árvores vizinhas da mesma espécie, fenômeno presente em todo o mundo. Ainda, permitiram observar que o padrão de dependência de densidade negativa foi mais forte em espécies raras de árvores tropicais.
A pesquisadora explica a hipótese levantada pelo grupo: “existe uma regulação mais forte do tamanho populacional de algumas espécies nos trópicos, e com essa regulação há mais mortalidade e menos indivíduos, o que gera o padrão de raridade”. Assim, esse efeito contribui para a diversidade biológica das florestas tropicais em comparação com as florestas temperadas, porque suportam centenas de espécies sem que apenas poucas se tornem abundantes no espaço.
“Isso traz mais uma peça para esse quebra-cabeça que é entender por que os trópicos têm uma maior diversidade de espécies”, diz Melina Leite.
O conhecimento sobre os mecanismos que levam à maior diversidade nos trópicos é importante no contexto de conservação das espécies e florestas. A hipótese da estabilidade climática para os patógenos conversa diretamente com o aquecimento global, se ela for alterada a diversidade de árvores também pode ser afetada.
“Entender melhor é também conseguir prever as consequências das ações humanas sobre as florestas”, diz a ecóloga. Por isso, o monitoramento de larga escala das florestas do globo é tão importante.”
O artigo Latitudinal patterns in stabilizing density dependence of forest communities, publicado na revista Nature, está disponível no link https://www.nature.com/articles/s41586-024-07118-4 .
Mais informações: e-mail melina.leite@ib.usp.br, com Melina de Souza Leite
*Estagiária, com orientação de Luiza Caires