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As batidas de Dre: a história exclusiva de como a Monster perdeu o mundo

Nunca houve nada como os fones Beats By Dre. Nada. Coloridos e volumosos, eles se destacam por aí, em shoppings, aviões, clubes e calçadas. Grandes como mamutes, são desejados e tão caros quanto a marca sugere. Mas Dr. Dre não tirou o design chamativo da própria cabeça: a união começou como uma inusitada parceria entre […]

Nunca houve nada como os fones Beats By Dre. Nada. Coloridos e volumosos, eles se destacam por aí, em shoppings, aviões, clubes e calçadas. Grandes como mamutes, são desejados e tão caros quanto a marca sugere. Mas Dr. Dre não tirou o design chamativo da própria cabeça: a união começou como uma inusitada parceria entre a poderosa indústria fonográfica e uma companhia de áudio mais conhecida por vender cabos HDMI a preços astronômicos.

Você talvez já saiba disso. Você pode até mesmo ter um fone que ainda tem o logo da Monster ali, pequenininho, humilhado. Mas o que você não sabe é como, ao colocar o acordo no papel, a Monster perdeu uma fortuna. É a clássica história de Davi contra Golias, só que com uma diferença básica: nesse caso, Davi leva uma surra e vira motivo de piada. Esta é a história de um dos piores acordos de todos os tempos no mundo da tecnologia.

A trajetória do gadget do rapper, que ninguém pode negar que é uma grande mania, não começa na área VIP de uma balada, entre garrafas de champagne. A ideia não surgiu no banco de trás de uma limusine ou numa sala repleta de discos de platina nas paredes. Antes de Dre receber uma grana preta e os “B” vermelhos estarem sobre os milhões de ouvidos por todo o mundo, um filho de imigrantes chineses começou a brincar com equipamentos de áudio na Califórnia.

A história do Beats começa com a Monster, e a Monster começa com Noel Lee. Ele é um cara legal e incrivelmente esperto, com um cabelo de personagem de HQ e uma deficiência que aumenta sua estatura de vilão: ele não pode andar. Por isso, ele usa um Segway cromado para se locomover. Lee faz coisas para ouvidos desde 1979, depois de se formar em engenharia e levar sua formação para a área de componentes com uma premissa bem lucrativa: sua música não soa tão bem quanto poderia.

Como outros gigantes do Vale do Silício, Lee começou no porão da casa da família: testando diferentes variedades de fios de cobre até encontrar um tipo que, pensava ele, melhorava a qualidade de áudio. Então, também à moda do Vale do Silício, ele fez um marketing danado em cima e elevou o preço significativamente: nascia aí a Monster Cable. Antes de ser quase sempre mencionada junto com o nome de Dr. Dre, a Monster estava tentando fazer os amantes da música comprarem um som superior que existia, em grande parte, na imaginação e nas propagandas. “Nós trouxemos a reinvenção do que um cabo de som pode ser”, ostenta Noel Lee. Seu filho, Kevin, descreve isso de maneira diferente: “uma cura criada para uma doença que não existia”.

A Monster expandiu seus negócios para cabos HDMI, estabilizadores e… cinco tipos diferentes de limpadores de tela. Produtos caros e desnecessários deram à Monster uma reputação de artistas da exploração, mas que não faz jus à capacidade da empresa de fazer produtos de áudio realmente muito bons. A verdade é que cabos de áudio são como tênis de basquete caros: algumas pessoas no mundo realmente precisam dos melhores, mas o resto de nós provavelmente nunca saberia dizer a diferença. Enfim, o que importa é que, com uma combinação de persuasão escorregadia e status obtido, Noel Lee construiu um pequeno império.

Mas você só pode vender um certo número de cabos de 200 dólares. O próximo passo eram alto-falantes, mas a empresa estava atrasada: a era do hi-fi tinha acabado. Muitas pessoas estavam satisfeitas com o som de suas TVs ou aparelhos de som. Foi um balde de água fria na Monster.

Mas… e fones de ouvido? Era uma aposta legítima.

Os Lees: Noel (esquerda) e seu filho Kevin (direita) no MTV EMA 2012 Awards

Noel começou a projetar fones de ouvido e enviou seu filho a Los Angeles, para conseguir parcerias para um formato proprietário de áudio de alta definição. Este projeto não saiu do papel, mas os encontros valeram a pena. “Você tem que chamar a atenção do Usher, da Mary J. Blige, do U2”, foram as instruções recebidas pelo jovem Lee. E, daí em diante, o destino se encarregou de dar um jeito: “Às vezes, as coisas acontecem de uma maneira determinada… é o valor da feliz coincidência”, diz Kevin, com um sorriso agradável. Se ele não tivesse sido enviado com um formato de música surround sound que nunca chegaria a existir, “[ele] nunca teria encontrado Jimmy Iovine, da Interscope.” E este encontro foi o responsável pela melhor ideia ruim da história dos gadgets. Foi o início do Beats.

A indústria: Dr. Dre (esquerda) e o presidente da Interscope, Jimmy Iovine (direita)

Jimmy Iovine é um mestre por excelência: um cara que ajudou trabalhos de gênios como Bruce Springsteen e 50 Cent, co-produziu o filme 8 Mile, e hoje é o chefão da Interscope Records. Dr. Dre é Dr. Dre. Quando falam do Beats em coletivas, os dois trabalham como uma dupla: Iovine, falando de maneira rápida e afiada, declama a mesma história brega sobre a origem dos fones. A Interscope queria usar Dre para vender tênis. Ele respondeu: “Fodam-se os tênis, vamos fazer alto-falantes”. O momento quase-apócrifo funciona, principalmente porque, em inglês, sneakersspeakers rimam. A partir daí, eles querem que acreditemos, a marca Beats nasceu.

Mas os Lees dizem que isto é apenas parte da verdade. Depois da procura de Kevin por parceiros no formato de surround sound, Iovine e Dre vieram até a Monster com uma oferta deslumbrante: Vamos fazer eletrônicos. “Eles apareceram e adoraram toda a tecnologia que meu pai fazia para som”, relembra Kevin. Noel diz que ele e Jimmy tiveram um mesmo estalo imediatamente: “Você sabe como a música deve soar, eu sei como a música deve soar, o resto do mundo está maluco.” Foi uma “festança” desde o início, diz Kevin. Depois disso, veio a “educação em som”, com uma demonstração didática das tecnologias da Monster, para impressionar Iovine e Dre, apresentando sua capacidade de reproduzir graves que entram no crânio, incluindo um protótipo de fone intra-auricular. E a dupla da Interscope precisava de umas aulinhas, de acordo com o velho Lee:

Dre e Jimmy precisavam entender por que não estávamos mais num mundo de alto-falantes. Eles não tinham ideia do por quê as pessoas não iriam querer comprá-los. [Eles] tinham alto-falantes grandes, e sempre os tiveram nos estúdios. Por que substituir fones de ouvido por alto-falantes?

A Monster pegou as vagas aspirações da dupla em aparelhos de som e canalizou tudo para uma direção muito lucrativa: fones de ouvido de topo de linha. Bose era uma coisa que só o seu pai compraria. O resto era ou ruim ou obscuro e complexo demais para os consumidores escolherem. “Vamos fazer fones juntos”, decretou Noel.

Festança ou não, isto nunca seria uma parceria feita com base em afinidades geeks, como a de Steve Jobs e Steve Wozniak. Eram negócios desde o começo — e, mesmo que Noel saiba disso agora (Jimmy queria “possuir os dois lados”, ele diz), a Monster não se mostrou muito perspicaz quando precisava. Ela queria apenas estrear no ramo de fones de ouvido. Desesperadamente. Nas transformações do meio dos anos 2000, Dre e Jimmy precisavam encontrar alguma coisa para ganhar dinheiro além de discos. Desesperadamente. Mas o controle do dinheiro estava destinado a ficar nas mãos de Iovine, um homem que competiu de igual para igual com Steve Jobs, e controlava um império da música — não uma pequena fábrica de cabos de luxo. A Monster sabia que, se conseguisse usar os contatos de “entretenimento e esportes” de Dr. Dre, poderia se lançar no mainstream. Eles estavam certos, mas também estavam completamente despreparados para a estrada até o sucesso. No processo, eles erraram quase todas as decisões de negócios possíveis.

Quando Kevin Lee foi para Los Angeles negociar, ele tinha apenas uma graduação e nenhuma experiência em negócios além de trabalhar com o próprio pai. Kevin Lee enfrentou sozinho uma corporação gigante, financeira e juridicamente falando, que o esmagou. E isto ficou claro desde o início — logo que as duas firmas tentaram assinar um acordo, eles colidiram com o poder enorme de negociação da Interscope. A Monster entendia de engenharia de áudio, mas muitas outras empresas também. “[Jimmy Iovine e o presidente de marketing da Interscope, Steve Burman,] queriam um certo conjunto de números, que nós, uma pequena companhia de cabos que tinha acabado de perder 50 milhões de dólares tentando fazer alto-falantes, não podia bancar”, diz o jovem Lee. A Monster recebeu uma oferta de divisão do dinheiro da qual não podia depender. Os titãs da música estavam rebaixando os preços. As discussões pararam. Silêncio. Iovine saiu, levando Dre e a indústria do entretenimento com ele. Eles encerram com uma ligação: “Detestamos fazer isso, mas vamos assinar com outra empresa”.

A Monster estava sozinha.

Seis meses se passaram. Steve Burman ligou. Dre e companhia tentaram assinar com a SLS Audio, uma empresa melhor estabelecida com reputação no mercado de alto-falantes, mas não deu certo. Burman se perguntou, a Monster ainda está interessada em fazer fones de ouvido com um rapper? Mas é claro que sim!

Mas muita coisa rolou em meio ano. O termo “Beats by Dre” já tinha sido cunhado na colaboração que não deu certo, e a SLS já tinha feito um protótipo, que tinha o formato de toda a linha tem até hoje: tamanho gigantesco, arco grosso e simplificado e brilho digno de um carro de Fórmula 1. Mas era grande demais, diz Kevin Lee — parecia gigante mesmo para um grandalhão como Dr. Dre. “Coloque na cabeça. Olhe no espelho. Não fica legal.”

De volta ao trabalho. A Monster fez “40 ou 50 protótipos”, e assumiu um risco extraordinário. Kevin admite que seu pai “não estava tão empolgado quanto ele” com a parceria. Então, ele gastou milhões de dólares da Monster sem permissão, sem mesmo ninguém saber. “Quando anunciamos o produto na coletiva de imprensa [da CES 2008], eu já tinha gastado um milhão e meio de dólares em engenharia e marketing antes mesmo de assinarmos um contrato.”

Kevin estava pensando no futuro da empresa do seu pai sem nenhum tipo de supervisão, e sem nenhuma pista. “Naquele momento, nós realmente não sabíamos o que faríamos, quanto cobraríamos e quanto iria custar.” Kevin Lee estava criando toda uma linha de produtos eletrônicos secretamente antes de ter a parceria de negócios para realmente fazer alguma coisa. Ele estava fazendo Beats By Dre antes de Dre permitir. E estava desesperado: “Era mais do que insubordinação”, disse Kevin. “Eu ia perder a confiança do meu pai. Já tinha milhões de dólares de inventário. Ele ia me matar.”

O jovem Lee encontraria autodestruição financeira e familiar caso não fechasse o acordo. Então ele fechou o que conseguiu – o que ele chamou de “o mais complicado contrato que a Interscope já viu.” E ele fez isso por conta própria em frente a diversos advogados corporativos que acordam diariamente para não fazer nada além de negociar contratos para favorecer a Interscope.

Não podem existir dois vencedores. A Monster solidificou um acordo que manteve a Beats Electronics viva e desenvolvendo fones de ouvido, mas não sem uma multa: Jimmy e o lado de Dre da Beats ficariam com a posse permanente de tudo o que a Monster desenvolveu. Todos os fones de ouvidos, drivers, até controles remotos – se existia um pedaço de metal ou plástico associado à Beats by Dre, Noel e Kevin Lee dariam eles a Jimmy e Dre. A Monster seria responsável por fabricar os produtos – uma parte muito cara do contrato – assim como distribuí-los. A parte pesada. “Eu estava um pouco intimidado pelo Dr. Dre”, admitiu Kevin Lee. Noel sentou-se ao seu lado sem dizer uma palavra.

O que o Team Dre faria? Deixou Dre ser Dre. Após meses de desenvolvimento, Kevin Lee presenteou Dre com a primeira unidade final, vista aqui pela primeira vez.

Dre colocou os fones de ouvido, tocou In Da Club, e disse “É isso”. É tudo o que precisava ser dito. A Beats By Dre recebeu sinal verde.

Kevin Lee queria se unir a vários músicos para promover os produtos – ele queria levar o mundo dos audiófilos de nariz empinado para pessoas comuns. Pense em Nelly Furtado falando da importância de distorções, Robin Thickle falando do valor de sons agudos. Isso nunca aconteceu.

A força-tarefa de Dr. Dre pegou os dispositivos de áudio da Monster e melhorou-os, levando-os a um status de gadget sem rival. Esse era o plano. Marketing, Iovine disse a Kevin, demoraria muito. Educar consumidores levaria muito tempo. Em vez isso, a estratégia era encantar o público: o Beats seria o “produto mais quente para se ter, e o som seria um cavalo de troia. Isso é o que fizemos. O Beats estava em todos os vídeos musicais”, disse Kevin. Iovine quis ter certeza que o Beats teria um lugar proeminente na lista da Interscope, injetando dinheiro e produtos luxuosos em vídeos.

Funcionou. O rendimento disponível foi descartado em centenas e centenas de milhões. “Crianças iam à Best Buy e compravam o Beats não porque ele parecia legal, mas porque fazia eles parecerem legais,” admite Kevin. Os Lees estavam colocando o dispositivo audiófilo deles em algo próximo a uma empresa de moda. O domínio do Beats era claro em qualquer calçada dos Estados Unidos. Jimmy e Dre pegaram fones de ouvidos decentes que podiam isolar você do barulho das ruas e deixar seu crânio relativamente confortável durante grandes caminhadas, e tornaram todas essas qualidades irrelevantes sob um brilho de sedução de rapper. O Beats pode ser caro, mas eles não eram tênis, eram eletrônicos complexos e pequenos. Eram projetos de engenharia que consumiram milhões de dólares, dúzias de protótipos e anos de vai-e-vem.

Mas se vocês perguntarem aos colaboradores da Monster, eles vão diminuir a participação de Kevin e Noel para algo próximo a FedEx e Foxconn – parceiros, mas grupos responsáveis por pouco mais além de construir as coisas ou levá-las para os consumidores. A Beats Electronics nega que a Monster teve qualquer participação no design de áudio ou industrial dos fones de ouvido. “Nós temos nossas próprias fábricas. Controlamos tudo. O som… sempre foi nossa pegada – nós temos nossa própria assinatura de som”, diz a empresa. “Isso é o que somos.” O CEO da Beats Electronics, Luke Wood, meio que repete as mesmas coisas, apesar de insistir que todas as partes ainda são amigas. Mas os amigos do lado da Monster, foram responsáveis apenas por “fornecer” peças e escolher “materiais” para “melhorar” o som do Beats.

Falso, diz a Monster, que nos entregou documentos confidenciais de design que mostram que a empresa trabalhou na engenharia de áudio e em protótipos industriais:

Beats by

Incluindo acordos com estrelas como Lady Gaga:

Beats3 by

A Monster não gosta de ouvir que a Beats tinha feito tudo, nem que ela tinha qualquer coisa relacionada com engenharia. “Não, eles não tinham nenhum engenheiro”, diz Noel. Kevin confirma: “A Beats teve zero participação em engenharia,” uma realidade do acordo que ele diz “sem disputa – a Monster desenvolveu o som nos fones Beats by Dre. Eles nos disseram o que queriam e aprovaram o que fizemos, mas nós tornamos o som possível.” Esse papel de “aprovação” é repetido na história de Kevin e Noel: eles levaram o hardware para Jimmy e Dre, então teve um vai-e-vem, e os fones foram incluídos na conta de alguém junto com vídeos e aspiração rapper. Funcionou muito, mas muito bem.

Até que não funcionou mais. A HTC, uma gigante de eletrônicos de Taiwan que vale bilhões, se interessou pela Beats. Jimmy e Dre viram a oportunidade de ganhar uma cachoeira de dinheiro em vez de apenas muito dinheiro, com uma oferta de US$ 300 milhões na mesa por 51% das ações. Ótimo para os rapazes da Interscope, e terrível para a Monster – o contrato descuidado de Kevin deixou a Beats cair nas mãos da HTC. Um representante da Beats disse aos dois que a separação permitiu que a empresa fosse mais “ágil” e teria menos “relatórios de estrutura”, mas não havia mais incentivo nas palavras agradáveis ditas aos Lees.

A Monster recebeu um dinheiro na separação – mais indenização do que dinheiro – e a Beats saiu com tudo: todos os trabalhos de áudio da Monster, todas as patentes, os registros de marca e design, e, mais do que tudo, o nome. Iovine certa vez brigou para a Monster tirar o nome dela de todas as embalagens de fones de ouvido – ele queria “Beats By Dre” e nada mais. Sem o logo da Monster. Sem menção à Monster ou qualquer outra coisa. Com o acordo com a HTC, a Monster estava fora de tudo, sem poder usar a tecnologia que desenvolveu para competir com um leviatã que ela ajudou a criar. No mesmo ano em que a Beats Electronics largou a Monster, ela vendeu US$ 519 milhões (ante US$ 298 mi no ano anterior), com 64% do mercado de fones de ouvido premium (acima de US$ 100) nos EUA. É uma grande conquista.

É difícil decidir quando Jimmy Iovine se transformou em um tubarão e os garotos Lee se tornaram presas. Também é difícil ter um mínimo de decibéis de simpatia quando todos os envolvidos fizeram muito dinheiro e continuaram ricos. Não há motivo para acreditar que a Beats Electronics vai mudar sua fórmula ou marca, a não ser com algum escândalo envolvendo Dr. Dre. Há menos razão ainda – por mais que neguem isso – que Kevin e Noel Lee vão tentar qualquer coisa menor do que tentar recuperar o que um dia tiveram. Eles juram que adoraram os anos com a Beats, mas não estão atrás de outro gadget para lucrar milhões.

Ontem, a Monster anunciou uma parceria com o rapper, mega-produtor e celebridade Swizz Beatz. A nova linha de fones de ouvido da empresa é chamada “Diamond Tears” (lágrimas de diamante), feito em plástico espelhado com uma grande joia falsa presa em cada um dos lados.

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