Copa do Mundo: as seleções mais inusitadas que fizeram história

Participantes de um torneio só, equipes goleadas, delegações tumultuadas, países extintos… Os mundiais já foram palco de vários esquadrões incomuns que deixaram sua marca mesmo sem nem chegar perto de disputar a taça

Desde 1930, a Copa do Mundo contou com participantes eventuais que fizeram história mesmo sem apresentar um futebol de alto nível. São os inusitados dos mundiais. Muitos deles só tiveram o gostinho de disputar o torneio uma única vez. Alguns passaram vexame. Outros viraram cult. Vejamos quais são essas equipes incomuns.

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1- Bolívia

Nosso vizinho sul-americano disputou três Copas e em todas aprontou alguma. Na pioneira de todas em 1930, quando todos os países eram convidados sem eliminatórias, a Bolívia caprichou.

Em seu jogo de estreia contra a Iugoslávia, em Montevidéu, a empolgada Bolívia preparou algo para conquistar a torcida local. Seus onze jogadores entraram ostentando camisetas com letras grandes no peito que, juntas, soletravam “VIVA URUGUAY”. E jogaram a partida com essas camisetas. 

Gesto bonitinho, um pouco estragado por uma foto posada em que algum jogador com a letra “U” não se juntou aos companheiros e os jogadores em pé formam a palavra “URUGAY”.

Os iugoslavos não se comoveram com as letras no peito e venceram por 4 a 0. No jogo seguinte, a Bolívia entrou em campo para enfrentar o Brasil. Ambos usavam camisas brancas naquela época. Os bolivianos se viram forçados a pegar emprestadas camisas azuis do Uruguai para poder jogar.

Em 1950, a Bolívia chegou ao Brasil de novo como convidada. E só entrou em campo uma vez, sendo esmagada pelo Uruguai por 8 a 0 no Estádio Independência, em Belo Horizonte.

A Copa de 1994 foi a única em que a Bolívia chegou como classificada nas eliminatórias. E o sorteio lhe deu a honra de fazer o jogo inaugural contra a então campeã Alemanha em Chicago. 

Os alemães ganharam por um magro 1 a 0, mas o que entrou para a história foi a expulsão-relâmpago de Marco Antonio “El Diablo” Etcheverry, maior craque boliviano da época. Como não estava 100% fisicamente, começou no banco. 

“El Diablo” entrou aos 34 do 2º tempo. E viu o cartão vermelho aos 38. Quatro minutos em campo. E dois jogos de suspensão automática. Nos quais a Bolívia teve mais uma derrota e um 0 a 0 com a Coreia do Sul – um dos piores jogos de todas as Copas.

2- Índias Orientais Holandesas

As Índias Orientais Holandesas não existem mais. A nação declarou sua independência em 1945 e desde então atende pelo nome de Indonésia. Mas foi nos tempos de colônia a única vez em que o país asiático participou de uma Copa, na França em 1938.

Apenas dois países se inscreveram para as eliminatórias na Ásia. O outro era o Japão, que desistiu por causa da guerra que mantinha contra a China. Seria classificação por W.O.

A Fifa não queria que as Índias Holandesas fossem para o mundial sem jogar e marcou um mata-mata contra os Estados Unidos a ser disputado na Holanda. Só que os americanos não apareceram e a Fifa finalmente admitiu a classificação da colônia asiática.

Em 1938, a Copa foi toda de jogos mata-mata. Assim, as Índias Holandesas só entraram em campo uma vez e foram atropeladas por 6 a 0 pela Hungria. Mas deixou suas marcas visuais. 

O goleiro Tan Mo Heng entrou em campo com um boneco que ficou segurando durante a execução do hino holandês. E o capitão Achmad Nawir disputou a partida usando óculos – e um par comum, não o adaptado para esportes que o holandês Edgar Davids usaria nos anos 1990.

3- Cuba

Muito antes de Fidel Castro impor um regime comunista na ilha caribenha em 1959, uma Cuba capitalista conseguiu a única participação do país em Copas em 1938. Surpreendeu na primeira fase, ao empatar com a Romênia por 3 a 3 e vencer por 2 a 1 no jogo-desempate. O sonho desmoronou nas quartas-de-final ao sofrer um massacre de 8 a 0 diante da Suécia.

4- Índia

Você pode dizer: “Mas a Índia nunca disputou uma Copa”. O motivo por que não disputou é que é inusitado. A Índia praticamente ganhou de presente uma vaga para o mundial de 1950 no Brasil. Todos os adversários na Ásia desistiram de jogar as eliminatórias.

No sorteio da Fifa, a Índia foi incluída no Grupo 3 junto a Itália, Suécia e Paraguai. 

Dois anos antes, a Índia se tornou independente do Reino Unido e, logo em seguida, participou do torneio de futebol das Olimpíadas de Londres. Fez apenas um jogo e perdeu por 2 a 1 da França, um placar honroso. Curiosamente, os indianos jogaram descalços – uns totalmente, outros apenas com meias – como estavam acostumados.

Na Copa de 1950, a Índia queria jogar descalça novamente, mas foi proibida pela Fifa. Isso motivou a desistência do país de vir ao Brasil. A justificativa oficial da federação foi de que os custos da viagem e estadia eram muito grandes para seus cofres. 

Com isso, a Índia é até hoje o maior país em população que nunca jogou uma Copa.

5- Alemanha Oriental

A Copa de 1974 na então Alemanha Ocidental foi pródiga em seleções incomuns. A que se saiu melhor foi a deste país que só existiu de 1949 a 1990. Após a Segunda Guerra Mundial, os Aliados dividiram a Alemanha derrotada em quatro setores. A parte leste ficou sob jurisdição da União Soviética e se tornou país sob regime comunista.

Mais fraca que a parte ocidental em futebol, a Alemanha Oriental (célebre pela sigla DDR em sua camisa) só se classificou para uma Copa uma vez. Justamente a disputada em seus ex-compatriotas (que voltariam a ser compatriotas de uma Alemanha unificada em 1990).

E as duas Alemanhas caíram no mesmo grupo da 1ª fase. Surpreendentemente, a Oriental venceu a Ocidental por 1 a 0 e acabou campeã do grupo.

Só que, na fase semifinal, a Alemanha Oriental caiu num grupo mais difícil. Perdeu do Brasil por 1 a 0 (gol de falta de Rivelino), da revolucionária Holanda de Cruyff por 2 a 0 e empatou por 1 a 1 com a Argentina num jogo que nada mais valia para os dois.

6- Zaire

O país só teve este nome de 1971 a 1997, sob a ditadura de Mobutu Seko, que adorava usar roupas de pele de leopardo. Antes e depois desse período, o nome é Congo (ou República Democrática do Congo, para diferenciar do vizinho Congo-Brazzaville). A nação só se classificou para uma Copa quando se chamava Zaire.

A participação do Zaire foi tão catastrófica que criou um mito de que o futebol africano era inocente, não conhecia regras e era fácil de golear. Também criou uma das seleções mais cult de todas, com sua camisa com uma cabeça de leopardo enorme no peito.

Na estreia, contra a Escócia, a derrota de 2 a 0 até foi um resultado razoável. Apesar do frango escandaloso sofrido pelo goleiro Kazadi num dos gols.

Logo em seguida, os jogadores se revoltaram ao descobrir que os representantes estavam embolsando dinheiro que seria destinado aos atletas.

A equipe chegou a cogitar uma greve ou até abandonar a Copa. Foram “gentilmente” convencidos do contrário pelo ditador Mobutu e seus capangas – ou melhor, homens de confiança.

Assim o Zaire foi a campo enfrentar a Iugoslávia. E foi esmagado por 9 a 0. O vexame já estava consumado com apenas 21 minutos de jogo, com 4 a 0 para os iugoslavos. 

Naquele momento, Kazadi foi o primeiro goleiro substituído por motivos técnicos e não contusão em uma Copa. Tubilandou entrou e se encarregou de tomar os outros cinco gols.

Enfurecido, o ditador Mobutu confrontou os jogadores e determinou que eles não poderiam perder para o Brasil por mais de três gols de diferença, senão coisas terríveis aconteceriam na volta ao Zaire. 

Foi a conta justa. Brasil 3 a 0. Com direito a mais um frango de Kazadi num chute sem ângulo do ponta-direita Valdomiro. 

Com o tempo, a determinação do limite de três gols por Mobutu se tornou uma explicação para a reação do zagueiro Mwepu Ilunga antes de uma cobrança de falta por Rivelino. Mwepu saiu correndo da barreira e deu um bico na bola para longe antes que o brasileiro chegasse nela.

Na época, disseram que os africanos não sabiam as regras. Mas o gesto seria de desespero em evitar mais gols do Brasil. Porém, o próprio Mwepu Ilunga afirmou que fez aquilo para ser expulso em protesto ao desvio de dinheiro dos dirigentes da federação.

7- Haiti

A única participação do Haiti numa Copa já foi tumultuada antes mesmo de sua chegada à Alemanha Ocidental em 1974. A história começou torta já nas eliminatórias.

O país caribenho era governado pela ditadura da família Duvalier. Baby Doc era o presidente desde a morte do pai Papa Doc. De alguma forma, o Haiti convenceu a Concacaf (a confederação das Américas Central e do Norte) a realizar o hexagonal final das eliminatórias com todos os jogos em seu território em vez de lá e cá.

O Haiti se valeu do fator casa e chegou à decisão direta da vaga contra Trinidad e Tobago. O time de Trinidad teve inacreditáveis quatro gols anulados e dois pênaltis claros não assinalados a seu favor. E os haitianos venceram por 2 a 1.

Na Copa, a estreia até foi surpreendente. O atacante Sanon abriu o placar contra a Itália, que depois virou para 3 a 1. Mas o teste de doping do jogador Jean-Joseph deu positivo. Ele disse que apenas tomou remédios contra asma, mas não colou com a Fifa.

Já suspenso do resto do torneio, Jean-Joseph foi trancado num quarto por “representantes” da federação por dois dias. Saiu para tomar uma surra, provavelmente de membros dos Tonton Macoute (a aterrorizante guarda miliciana dos ditadores Doc) e ser enviado de volta para o Haiti.

Um ambiente propício para tomar goleada. E assim foi contra a Polônia. Um vareio de 7 a 0. O Haiti ainda se arrastou para se despedir com uma derrota de 4 a 1 para a Argentina.

8- Kuwait

O país do Oriente Médio teve seus minutos no maior palco do futebol apenas em 1982, graças ao técnico brasileiro Carlos Alberto Parreira. Pelo futebol apresentado, nem seria muito lembrado. Mas fez história com um gol anulado por um sheik!

Contra a França, na segunda rodada da 1ª fase, o Kuwait já perdia por 3 a 1 quando Alain Giresse marcou mais um gol a menos de dez minutos do fim do jogo. O juiz soviético Miroslav Stupar já que nada parecia irregular. 

Só que os jogadores kuwaitianos tinham parado no meio da jogada alegando que ouviram um apito que julgaram vir do árbitro marcando impedimento do francês.

Entra em cena o sheik Fahad Al-Ahmed Al-Jaber Al-Sabah, presidente da federação de futebol do Kuwait e irmão do então emir (equivalente a rei) do país. 

Revoltado pelo que considerou uma injustiça, invadiu o gramado para defender o engano de seus jogadores e exigiu que o juiz nascido na Ucrânia anulasse o gol perfeitamente válido. Senão, o Kuwait sairia de campo, talvez até da Copa.

Absurdamente, o árbitro cedeu à pressão e anulou o gol. Com prêmio, foi proibido pela Fifa de apitar fora de seu país pelo resto da carreira. O sheik e o Kuwait receberam apenas uma multa bem modesta.

O sheik Fahad morreria em 1990 num bombardeio do Iraque ao Kuwait que provocou a Guerra do Golfo entre os Estados Unidos e os iraquianos em 1991.

9- Catar

Desde o Kuwait e seu sheik-VAR, houve outras seleções “diferentonas”, como Emirados Árabes Unidos (1990), Jamaica (1998), China (2002), Trinidad e Tobago (2006), Togo (2006), Angola (2006), Bósnia e Herzegovina (2014) e Panamá (2018). Mas nenhuma fez estripulias marcantes.

Mas que dizer do Catar, o país-sede da Copa que começa neste domingo (20/11)?

Um país que nunca nem chegou perto de disputar uma Copa antes e chega à primeira vez porque a Fifa topou lhe dar o direito de sediar o torneio apenas por causa de dinheiro. 

Uma nação minúscula com regime ditatorial no meio do deserto do Oriente Médio, que causou uma mudança radical do calendário, forçando a Copa a ser disputada no fim do ano em vez de junho/julho como sempre havia sido desde 1930.

Há outras razões não-futebolísticas e humanitárias até mais graves, mas o que o Catar já aprontou antes mesmo de a bola começar a rolar já garante sua presença entre os inusitados com muita coisa a contar.

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Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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