De acordo com um novo estudo, o aumento de casos de leucemia infantil entre 2008 e 2019 pode ter ligação com a expansão das plantações de soja no Brasil e, consequentemente, a exposição da população aos pesticidas.
Segundo o estudo, a aplicação de agrotóxicos cresceu nos cultivos brasileiros depois que o uso de variantes transgênicas da soja foi aprovado, em 2004. Hoje, o Brasil é o país que mais produz soja no mundo – e também o que mais utiliza agrotóxicos.
Quando comparado à China, que está em terceiro lugar no ranking, o Brasil usa três vezes mais pesticidas. Já em relação aos Estados Unidos, segundo colocado, o país aplica 2,3 vezes mais por hectare.
O que diz a pesquisa
Para analisar essa possível ligação no Brasil, os pesquisadores cruzaram dados de saúde com informações sobre o avanço da soja no Cerrado e na Amazônia brasileira.
No período entre 2000 e 2019, a área de plantação de soja no Cerrado brasileiro triplicou de 5 milhões para 15 milhões de hectares. Enquanto isso, o plantio na Amazônia cresceu cerca de 20 vezes, indo de 0,25 milhão para 5 milhões de hectares.
Acompanhando essa expansão, o uso de pesticidas nessas regiões subiu entre três e 10 vezes. Somadas a essas informações, os pesquisadores norte-americanos também analisaram dados de saúde relacionados ao câncer infantil, mais especificamente à leucemia, entre 2008 e 2019.
O aumento das áreas de plantação de soja coincidiu com o aumento de casos da doença. Felizmente, o estudo aponta que a presença de hospitais próximos às áreas de contaminação puderam amenizar o número de mortes.
Ainda assim, os dados revelam que a exposição a agrotóxicos pode ter causado mortes adicionais nos dois biomas. Segundo os cálculos do estudo, a cada vez que o cultivo cresceu 10%, quatro crianças com menos de cinco anos morreram em 100 mil habitantes.
Entre aqueles com menos de dez anos, o aumento de 10% da produção de soja estava indiretamente relacionado com 2,1 mortes adicionais a cada 100 mil habitantes.
“Os resultados sugerem que cerca de metade das mortes pediátricas por leucemia no período podem ser ligadas à intensificação agrícola da soja e à exposição aos pesticidas”, concluiu Marin Skidmore, autor do estudo.
Os resultados do estudo foram publicados em um artigo na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences).
Contaminação das águas e do solo
Não é a primeira vez que pesquisas científicas correlacionam a exposição a agrotóxicos e a incidência de câncer. Outros estudos, inclusive, já haviam apontado a ligação entre o contato com pesticidas durante a gravidez e o risco de leucemia infantil.
Para os pesquisadores, o contato com os produtos químicos dos pesticidas não se deu diretamente nas plantações, mas sim na contaminação da água. Isso porque há locais em que o cultivo de soja fica próximo a bacias hidrográficas, que acabam escoando os contaminantes para outras áreas.
Dessa forma, as crianças que tiveram leucemia não necessariamente moravam em regiões muito próximas à produção de soja. Isso revela que os pesticidas podem ter uma ação ainda mais ampla.
De acordo com levantamento da Agência Pública e da Repórter Brasil, 14 mil brasileiros foram contaminados por agrotóxicos durante o período entre 2019 e março de 2022. Além de ser o maior consumidor de pesticidas do mundo, o país enfrenta outros dois problemas: a permissão de agrotóxicos que já foram banidos em outros locais e a venda ilegal de produtos químicos já proibidos no Brasil.