Biólogos marinhos ficaram surpresos depois que uma baleia-bicuda-de-cuvier prendeu a respiração por quase quatro horas durante um mergulho profundo. A observação inesperada mostra que há muito a aprender sobre essas baleias de tamanho médio, uma vez que a espécie não mostrava ter a resistência necessária para aguentar tanto tempo embaixo d’água.
Cientistas da Universidade Duke e do Coletivo de Pesquisa Cascadia, nos Estados Unidos, registraram o mergulho inacreditável durante observações de campo na costa de Cape Hatteras, na Carolina do Norte, em 2017. No primeiro de dois mergulhos épicos, a baleia, usando a etiqueta ZcTag066, ficou debaixo d’água por quase três horas. Uma semana depois, a baleia se superou, prendendo a respiração por surpreendentes três horas e 42 minutos.
“No início não acreditamos, porque, afinal, se tratam de mamíferos. E parecia incrível um mamífero conseguir passar tanto tempo debaixo d’água”, disse Nicola Quick, principal autora do estudo e bióloga da Universidade Duke.
As observações com o novo recorde ocorreram no meio de uma pesquisa de cinco anos, na qual Quick e seus colegas estavam medindo o tempo que as baleias-bicudas-de-cuvier (Ziphius cavirostris) levam para realizar seus mergulhos profundos de forrageamento (em busca de alimento). Durante esses mergulhos, as baleias se aventuram a profundidades superiores a 3 mil metros e caçam lulas e peixes de alto mar.
Infelizmente, as duas gravações de ZcTag066 tiveram que ser excluídas do conjunto de dados primários dos pesquisadores “porque foram registradas 17 e 24 dias após uma exposição conhecida [de uma hora] a um sinal de sonar ativo de média frequência da Marinha”. Segundo o pesquisadores, esses dois mergulhos extremos podem ser “mais indicativos dos verdadeiros limites do comportamento de mergulho desta espécie”. É possível que a exposição ao sonar tenha alterado os hábitos normais de mergulho da baleia, mas os pesquisadores não sabem.
Voltando para o estudo, os cientistas estimaram uma duração máxima de 33 minutos para os mergulhos profundos, após os quais as baleias precisam emergir à superfície e engolir um pouco de oxigênio atmosférico, ou retomar a “respiração anaeróbica”, na linguagem dos pesquisadores. A equipe conduziu observações de campo para testar essa suposição e medir o tempo que leva para essas baleias se recuperarem logo após chegarem na superfície. Os detalhes da pesquisa foram publicados no Journal of Experimental Biology, na última quarta-feira (23).
As baleias-bicudas-de-cuvier são evasivas e ariscas, tendo desenvolvido estratégias fascinantes para evitar predadores, principalmente as orcas. Portanto, foi um desafio para a equipe de Nicola grudar nas baleia suas etiquetas conectadas por satélite.
“Como os animais passam tão pouco tempo na superfície, precisávamos de mar calmo e observadores experientes para procurá-los. O período médio que passam na superfície é de cerca de dois minutos. Portanto, colar uma etiqueta requer uma tripulação dedicada e uma embarcação manobrável”, acrescentou Nicola.
Os pesquisadores conseguiram marcar 23 baleias, com observações de campo feitas entre 2014 e 2018. No total, os cientistas registraram mais de 3,6 mil mergulhos de forrageamento, cuja duração média foi de 59 minutos. Os mergulhos mais curtos duraram apenas 33 minutos, mas o mergulho mais longo (excluindo a baleia com a etiqueta ZcTag066’s) foi registrado em 2 horas e 13 minutos.
Com esses dados em mãos, os pesquisadores tiveram que revisar seus modelos. Eles revisitaram os padrões de prender a respiração e as habilidades de outros mamíferos aquáticos, o que levou a uma nova estimativa de 77,7 minutos. Obviamente, isso ainda ficava bem distante das observações de campo, pois 5% dos mergulhos excediam esse limite aparente.
Claramente, os cientistas estão perdendo algo sobre essas baleias e as habilidades únicas que permitem sua estada prolongada sob a água. Este triste fato foi enfatizado ainda mais quando a equipe analisou o tempo de recuperação das baleias – ou seja, o tempo gasto na superfície após um longo mergulho de forrageamento em preparação para um mergulho subsequente.
É lógico que, após um mergulho super longo, uma baleia-bicuda-de-cuvier pode querer relaxar um pouco na superfície para reabastecer seu suprimento de oxigênio e descansar seus músculos cansados. Essa suposição não estava de acordo com as observações de campo dos pesquisadores, pois os dados coletados não mostravam nenhum padrão específico. Por exemplo, uma baleia que mergulhou por 2 horas precisou de apenas 20 minutos de descanso antes de voltar para buscar mais oxigênio, enquanto outra baleia, após mergulhar por 78 minutos, permaneceu na superfície por 4 horas antes de submergir novamente.
Perguntamos para Nicola como é possível para esses mamíferos permanecerem debaixo d’água por tanto tempo:
Esses animais estão realmente adaptados ao mergulho, então eles têm muita mioglobina em seus músculos, o que os ajuda a reter mais oxigênio em seus corpos. Eles também são capazes de reduzir seu gasto de energia, conseguindo otimizá-la para mergulhar, e pensamos em reduzir sua taxa metabólica. É provável que eles tenham muitas outras adaptações que ainda não entendemos totalmente, como a capacidade de reduzir seus batimentos cardíacos e restringir o movimento do fluxo sanguíneo para os tecidos.
Quanto ao motivo de alguns dos mergulhos durarem tanto, os autores disseram que as baleias podem gostar de aproveitar o tempo em áreas ricas em alimentos ou são obrigadas a reagir a uma ameaça, como um distúrbio de ruído.
Um aspecto encorajador deste estudo é o quanto ainda há para aprender sobre esses mamíferos aquáticos. Com certeza, é um caso de biologia excedendo nossas expectativas, o que só pode ser descrito como emocionante.