Texto: André Julião | Agência FAPESP*
Um grupo de pesquisadores apoiado pela FAPESP acaba de confirmar a existência de um hábitat até então desconhecido no litoral paulista. A cerca de seis metros de profundidade, o banco de rodolitos, como é chamada a estrutura composta por nódulos de algas calcárias, ocupa uma área de mais de 5 mil metros quadrados e abriga centenas de espécies marinhas. O hábitat fica na Ilha das Couves, a apenas quatro quilômetros da praia de Pincinguaba, município de Ubatuba.
A descoberta foi publicada na última terça-feira (21/03), em forma de nota técnica assinada ainda por servidores da Fundação Florestal.
Os técnicos chamaram a atenção para a existência do hábitat durante a análise de relatórios apresentados pela Petrobras, relativos às atividades requeridas para o licenciamento ambiental da exploração do pré-sal no litoral paulista. Em seguida, a Fundação Florestal contatou pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que confirmaram o achado durante visita técnica ocorrida em 2 de março.
Esta é a segunda ocorrência conhecida de um banco de rodolitos no litoral paulista. O primeiro foi descoberto e descrito na Ilha da Queimada Grande, em 2019, pelos mesmos pesquisadores da Unifesp. Naquele hábitat, porém, o banco abriga um recife de corais, o que não se constatou na estrutura descrita agora (leia mais em: agencia.fapesp.br/36416/).
“Perceber esse hábitat recobrindo mais de 5 mil metros quadrados, em uma profundidade de apenas seis metros, evidencia ainda mais a nossa carência de informações acuradas sobre a diversidade marinha”, comenta Guilherme Henrique Pereira-Filho, professor do Instituto do Mar (IMar-Unifesp), em Santos, e primeiro autor da nota.
Pereira-Filho coordenou o projeto “Avaliação de processos que determinam a formação e a biodiversidade associada a bancos de rodolitos em diferentes escalas espaciais”, que contribuiu para ampliar o conhecimento sobre esse tipo de hábitat.
Fonte de biodiversidade
Na nota, os pesquisadores explicam que os bancos de rodolitos aumentam a heterogeneidade ambiental e, consequentemente, a diversidade de organismos associados, em comparação a outros tipos de fundo marinho. Os nódulos que formam o banco apresentam uma estrutura tridimensional com formatos irregulares que funcionam como micro-habitats para invertebrados, algas e peixes, incluindo muitas espécies endêmicas e de interesse comercial.
“Os bancos formados pelo acúmulo de nódulos de algas calcárias em grandes áreas do fundo marinho fornecem uma grande variedade de nichos e recursos ecológicos, atuando como engenheiros de ecossistemas. O formato tridimensional dos rodolitos oferece proteção contra predação e ameniza condições ambientais estressantes para a fauna”, escrevem os autores.
Segundo o documento, os bancos de rodolitos também permitem o acúmulo de matéria orgânica nas suas estruturas e o estabelecimento de algas epífitas, aquelas que crescem sobre outras algas. Essas características fazem com que esses bancos também sejam locais de alimentação de diversos grupos de animais, facilitando o estabelecimento da diversidade local.
A Ilha das Couves já chegou a receber cerca de 5 mil turistas em um único fim de semana, o que levou o Ministério Público Federal a delinear responsabilidades e definir cenários alternativos para a gestão do local, resultando em uma portaria que define regras para a atividade turística na região.
“A descoberta do banco de rodolitos, além de valorizar atributos ecológicos do nosso litoral norte, também revela mais um atrativo turístico para o local. A riqueza e a biodiversidade desse banco abrem uma perspectiva para atividades de sensibilização ambiental, divulgação e educação científica, bem como ciência cidadã, possibilitando a reflexão sobre a importância ecológica dos bancos de rodolitos eenvolvendo prioritariamente a comunidade local e operadores de turismo que atuam na região, promovendo a capacitação de monitores e pequenos empreendedores, convergindo com as ações de turismo de base comunitária atualmente em desenvolvimento”, explica Márcio José dos Santos, biólogo e gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha do Litoral Norte da Fundação Florestal..
Pereira-Filho acrescenta ainda que “o Estado de São Paulo, no contexto das suas unidades de conservação marinhas, tem a oportunidade ímpar de sair na frente e promover iniciativas de conservação desse que é um dos mais proeminentes hábitats da plataforma continental brasileira justamente quando estamos na Década dos Oceanos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU)”.
A descoberta levanta ainda uma série de perguntas científicas que serão tema dos próximos trabalhos do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LabecMar), coordenado por Pereira-Filho e pelo professor Fábio Motta na Unifesp.
Motta, que também assina o documento, coordenou o projeto “Ciência aplicada à gestão do uso público e fronteiras do conhecimento de Áreas Marinhas Protegidas: da experiência dos visitantes à biodiversidade de recifes mesofóticos subtropicais”, apoiado pela FAPESP, além de ser coautor da descrição do recife da Ilha da Queimada Grande em 2019.
A nota técnica está disponível em: https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/67268.
* Com informações da Unifesp.