Uma análise química de vasos de cerâmica da Idade do Ferro e do Bronze sugere que bebês e crianças europeias pré-históricas tinham dietas suplementadas e possivelmente substituídas por leite animal. Esta é potencialmente a mais antiga evidência arqueológica do desmame infantil.
Uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (25) na Nature está oferecendo percepções sem precedentes das normas culturais da Idade do Bronze e Idade do Ferro relacionadas a cuidados com as crianças e práticas de desmame. A análise química de resíduos orgânicos encontrados nos antigos vasos de alimentação alemães apontam para o uso de leite animal como alimento suplementar ou substituto para bebês e crianças pequenas. A nova pesquisa foi liderada por uma equipe da Universidade de Bristol.
Os três vasos de cerâmica incluídos no estudo datam de 3.200 a 2.450 anos atrás (1.200 a 450 a.C.) e apresentam um bico através do qual uma criança pode facilmente sugar um líquido. De certa forma, esses vasos são um precursor das mamadeiras modernas e dos copos com canudinho.
Uma seleção de vasos da Idade do Bronze. Crédito: Katharina Rebay
Vasos como este já foram encontrados antes, incluindo artefatos mais antigos, também encontrados na Alemanha, que datam de 7.500 a 6.800 anos atrás. Como alguns desses artefatos neolíticos foram encontrados em túmulos infantis, os arqueólogos poderiam supor que eles eram usados para alimentar bebês. Mas como a bioarqueóloga Siân Halcrow apontou em um artigo relacionado na Nature News & Views, alguns estudiosos acreditam que os vasos de bebida, alguns dos quais criados para se parecer com animais, eram usados para alimentar os idosos e enfermos.
Para entender o objetivo desses vasos, era crucial saber quais substâncias os enchiam, mas os arqueólogos já haviam se esforçado para tentar identificar. A “natureza preciosa e muitas vezes pequenas aberturas desses vasos tornam sua amostragem para análise de resíduos orgânicos extremamente desafiadora”, explicaram os autores do estudo. Felizmente, os pesquisadores da Universidade de Bristol recentemente obtiveram acesso a vasos com uma forma de tigela aberta, permitindo uma análise química.
Dois dos artefatos foram encontrados em um cemitério alemão da Idade do Ferro, datada entre 800 e 450 a.C., e o terceiro artefato foi encontrado em uma necrópole alemã da idade do Bronze, entre 1.200 e 800 a.C. Todos os itens foram encontrados enterrados ao lado de crianças, com idades entre alguns meses e seis anos.
Uma análise isotópica foi usada para identificar os resíduos lipídios orgânicos ainda presentes nesses artefatos antigos. Em dois dos vasos, os ácidos graxos foram atribuídos ao leite de animais ruminantes, um grupo que inclui vacas, ovelhas e cabras. O terceiro exibia ácidos graxos do leito de um animal não ruminante, possivelmente um porco ou um ser humano. Em todos os casos, as espécies exatas dos animais não puderam ser definidas.
“A descoberta desses três vasos combinados com nossas evidências químicas apontam fortemente que eles foram usados para servir leite animal para bebês (em vez de leite humano) e/ou crianças como uma forma de suplementação”, escreveram os autores.
O fato de os humanos beberem leite animal durante este período não é nenhuma surpresa. A evidência mais antiga de humanos bebendo leite de outro animal data de 6.000 anos atrás, de acordo com uma pesquisa publicada no início deste ano.
Este novo estudo é único por apresentar a evidência mais antiga conhecida dessa mudança na dieta de bebês e crianças, além de mostrar que os europeus pré-históricos da Idade do Ferro e da Idade do Bronze complementavam as dietas de seus bebês. Fundamentalmente, é também a evidência mais antiga de possível desmame infantil do seio da mãe, com o leite animal sendo o substituto.
Halcrow, professora associada da Universidade de Otago, na Nova Zelândia e que não participou da pesquisa, disse que esse é um resultado surpreendente, dada a inferioridade do leite animal em comparação ao leite materno. Como ela explicou na Nature News & Views:
O leite materno humano é um alimento perfeito para bebês, contendo carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas, minerais, enzimas digestivas e hormônios. Ele fornece proteção contra infecção porque contém vários tipos de células imunológicas. Alguns dos açúcares que ele contém, embora não sejam digeridos pelos bebês, apoiam certas comunidades de organismos intestinais, que impedem que os micróbios causadores de doenças estabeleçam uma presença no corpo. Por outro lado, os produtos de leite animal não fornecem uma fonte nutricional completa para os bebês. E o uso de recipientes difíceis de se limpar para o leite animal representa um risco de exposição a infecções potencialmente fatais, como gastroenterite. A introdução de leite em mamadeiras (…) portanto, pode ter levado a uma deterioração da saúde de algumas crianças.
Halcrow disse que mais pesquisas devem ser realizadas para explorar ainda mais essa dramática mudança na dieta e a maneira como ela impactou a saúde e o bem-estar de bebês europeus antigos, o que poderia ser feito estudando seus restos mortais.
Quanto ao motivo pelo qual o leite animal foi introduzido como suplemente dietético ou substituto do leito materno, ainda não há uma definição. No entanto, os pesquisadores da Universidade de Bristol acreditam que isso tem algo a ver com a mudança do estilo de vida dos caçadores-coletores para a agricultura e, possivelmente, o crescimento populacional. Desse modo, o consumo de leite animal ocorreu em função da modernidade, conforme os autores descritos no estudo:
O uso generalizado de leite animal, para alimentar bebês ou como fonte alimentar complementar ao desmame, tornou-se possível com a domesticação de animais leiteiros durante o Neolítico Euorpeu, período durante o qual a nutrição geralmente melhorada contribuía para um aumento da taxa de natalidade, com intervalos mais curtos entre partos, que resultou em um crescimento considerável da população humana: a chamada transição demográfica neolítica. As tendências gerais identificadas desde o Neolítico à Idade do Ferro na Europa Central sugerem que os alimentos suplementares foram dados a bebês por volta dos seis meses de idade, e o desmame foi completado aos dois ou três anos de idade.
Antes do período neolítico, portanto, não era possível que humanos desmamassem bebês em idade precoce, devido à falta de alimentos suplementares viáveis. Isso mudou quando a agricultura e o gado foram introduzidos. Além do mais, e como Halcrow observou, “esse desmame precoce poderia ter ajudado a neutralizar o período de infertilidade que pode ocorrer enquanto a mãe está amamentado e, portanto, pode ter levado ao aumento da fertilidade e do tamanho da população durante a transição demográfica neolítica”.
Curiosamente, o aumento das taxas de natalidade é “evidenciado, de maneira um tanto contraintuitiva, por um aumento no número de bebês encontrados em locais de sepultamento”, disse Halcrow. “Se mais bebês nascerem em uma população, mais bebês também morrerão e serão enterrados.”
Apesar dos riscos à saúde de substituir o leite animal pelo materno — independente se os europeus pré-históricos soubessem disso ou não —, essa descoberta oferece uma visão fascinante dos detalhes íntimos da vida familiar antiga. Como toda boa arqueologia, é outro ponto de contato relacionável que nos conecta ao nosso passado antigo.