Bettie Page, 100 anos: a influência da pin-up nº1 na música

Mergulharam em Bettie Page desde uma banda de rock alternativa até estrelas pop como Madonna, Katy Perry e Anitta. Veja como sua estética influenciou a arte

Este 22 de abril marca o centenário de nascimento da americana Bettie Page (1923-2008), a maior modelo pin-up do século 20. Desde a década de 1980, as fotos de Bettie feitas nos anos 1950 antes de ela se aposentar da profissão foram redescobertas e redescobertas pelo mundo fashion, os produtores de material erótico, retrô ou pornô mesmo, e pela música pop.

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Mergulharam em Bettie Page desde uma banda de rock maldita e alternativa como The Cramps até estrelas pop como Madonna, Katy Perry e Anitta. E muitos que estamparam imagens clássicas dela, como vemos na montagem abaixo.

Ok, a última no canto esquerdo inferior não é a verdadeira Bettie. É a atriz Gretchen Mol, que a interpretou no filme “The Notorious Bettie Page” (2006), posando na capa da trilha sonora do longa-metragem. Mas isso não faz diferença.

As várias facetas da modelo foram utilizadas nas embalagens de LPs, EPs, compactos e CDs (e, sim, streaming): a graciosa da praia, a selvagem de maiô de oncinha e a fetichista de lingerie, roupas de couro e dominação.

Colocar uma foto ou uma ilustração da senhorita Page na capa começou ainda nos anos 1950, quando ela ainda estava na ativa como pin-up. O mais bizarro é que a “estreia” dela no universo musical foi num LP de música clássica: “Bizet: Carmen for Orchestra”, da London Concert Orchestra, em 1955.

Bettie trabalhava como modelo desde o fim dos anos 1940 em Nova York. Suas poses iam parar em revistas de pin-ups, cartuns e piadas. Ela também posou nua com um gorro de Papai Noel para a edição natalina de 1954 da Playboy (mês de capa era janeiro de 1955 porque nos EUA as edições chegam antecipadas até hoje).

E havia o material “alternativo” do produtor Irving Klaw, vendido às escondidas em bancas e pelo correio, cheios de fetiches e sadomasoquismo leve, sem sexo explícito nem nudez.

Essas fotos e revistas de Klaw foram alvo de uma comissão do Senado americano (ou seja, uma CPI) contra a delinquência juvenil em 1957. Por alguma razão, os senadores achavam que imagens de Bettie Page estimulavam a violência em adolescentes.

A venda pelo correio encrencava Klaw e ele fechou acordo para se livrar da investigação. Queimou todos os seus negativos de fotos de modelos e se retirou de cena até morrer precocemente aos 55 anos em 1966, por causa de uma banal apendicite.

Traumatizada pela investigação, Bettie se retirou completamente da profissão de modelo. Perambulou pelos EUA, tornou-se evangélica, abominava contato com quem a reconhecia dos velhos tempos e, diz a lenda, virou uma ermitã.

Antigos fãs começaram o trabalho de resgate de Bettie ainda no fim dos anos 1970. O guitarrista inglês Chris Spedding (que participou de gravações dos Sex Pistols pouco antes) lançou em 1978 um misto de rock’n’roll raiz com punk em tributo à musa sumida: “Hey, Miss Betty”.

O revival prosseguiu em seguida em outras áreas. O artista plástico Robert Blue (1946-1998) fez várias pinturas que reproduzem fotos de Bettie em 1979. E o quadrinista Dave Stevens (1955-2008) lançou em 1982 seu personagem “The Rocketeer”, cuja namorada Betty era uma réplica fiel da pin-up.

Mais para o final dos anos 1980, o culto a Bettie Page só crescia. Sempre atenta aos movimentos da cultura retrô e ao que fosse visualmente interessante para sua carreira, a cantora Madonna abandonou sua fixação em Marilyn Monroe e tornou-se “bettiepageista”.

Começou sutilmente com sutiãs pontudos e lingerie negra. Não demorou muito e Madonna exacerbou a influência no livro de arte “Sex”, em parceria com os fotógrafos Steven Meisel e Fabien Baron. As fotos gritavam “Bettie Page!” e a cantora nem precisava usar peruca negra de franjinha para demonstrar quem a inspirou.

As páginas de “Sex” evoluíram para o videoclipe da música “Human Nature” em 1994.

Outras cantoras pop de massa (Christina Aguilera, Lady Gaga, Ariana Grande…) seguiram Madonna desde então e arriscaram seus momentos Bettie, explícitos ou camuflados. Mas a principal herdeira desse culto foi Katy Perry, até porque o penteado que ela mais usa é o de franja Page.

Katy promoveu seu segundo álbum “Teenage Dream”, de 2010, dizendo que deixou de ser a Betty Boop para virar a Bettie Page. Lembremos que Betty Boop era a graciosa e inocente (afinal, era para crianças) personagem pin-up de desenhos animados dos anos 1930.

No videoclipe de “Roar”, Katy Perry optou pela Bettie das selvas.

Mas não foi sua única incursão. A maior de todas foi um ensaio fetichista junto a Madonna para a revista americana “V” em 2014.

E, com sua ambição de ser sucesso mundial de primeira grandeza, a brasileira Anitta não podia deixar de cometer um bettiepageismo, como requer a liturgia do estrelato pop para cantoras.

No ano passado, Anitta foi uma Bettie de filme de horror no videoclipe de “Boys Don’t Cry”.

O gozado é que parece que Anitta e sua equipe chegaram a Bettie Page através da banda The Cramps – afinal, os nomes da cantora e da música aparecem no clipe em tipografia igual à do logotipo dos mestres do psychobilly.

Adoradores de rockabilly pioneiro e rock de garagem dos 60s, cultura trash, filmes B e Z e tudo mais que o mundo limpinho abomina, os Cramps – liderados pelo casal Lux Interior (cantor) e Poison Ivy (guitarrista e musa das capas dos álbuns) – tinham Bettie Page como uma referência fundamental.

Em certa fase da banda, na virada dos 80s para os 90s, até arranjaram uma sósia de Page para tocar contrabaixo – a senhorita Candy Del Mar. Mas os visuais de Poison Ivy sempre tiveram um pé ou dois no guarda-roupa de Bettie.

O rock alternativo é o subgênero que mais abriga fãs de Bettie Page. O trio japonês de garage rock The 5.6.7.8’s até conseguiu uma participação marcante no filme “Kill Bill Vol. 1” (2003), do diretor Quentin Tarantino, graças a seu estilo retrô.

Atualmente, o grande clone de Bettie Page é a russa Svetlana Zombierella Nagaeva, baixista do trio The Messer Chups. A comparação abaixo não deixa qualquer dúvida.

O estilo de Zombierella e sua banda fica bem claro neste clipe do surf rock “Rock It”, de 2020.

E encerramos com a música singelamente chamada “Bettie Page”, lançada pelo PiL (Public Image Limited), grupo-conceito do vocalista John Lydon.

Lydon, o ex-Johnny Rotten dos pioneiros do punk Sex Pistols, lançou “Bettie Page” em single de vinil em 2015.

Nos anos 1990, a senhora Page ficou mais confortável com a nova adoração e relaxou. Saiu da toca e voltou a ser acessível. E assim foi até morrer aos 85 anos em 2008.

Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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