Texto: Camilla Almeida* / Arte: Carolina Borin** / Jornal da USP
Pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) descobriram uma nova espécie de planta na Cadeia do Espinhaço, no município de Monte Azul, em Minas Gerais (MG). Nomeada Chionanthus monteazulensis, a planta pertence à família Oleaceae, a mesma da oliveira, e exibe um fruto com uma estrutura semelhante à da azeitona tradicional. A descoberta, de acordo com os botânicos, reforça a necessidade de estudos sobre a biodiversidade dos campos rupestres, ecossistemas com espécies que não existem em nenhum outro local do mundo, ou seja, com alto endemismo.
“Recebi um convite para integrar uma equipe de expedição na Cadeia do Espinhaço. No primeiro dia em que chegamos ao local, onde fomos recebidos pelo Instituto Florestal de Minas, a primeira planta que eu achei foi justamente essa espécie nova. No momento, desconfiei porque não consegui identificar nem mesmo a família dela”, explica Danilo Zavatin, mestrando do Laboratório de Sistemática, Evolução e Biogeografia de Plantas Vasculares do IB-USP, ao Jornal da USP. O pesquisador relata que o achado foi incomum – já que, no processo de rastreamento de uma nova espécie, normalmente há uma longa coleta de dados e evidências que indiquem sua presença.
Após a coleta da planta, Zavatin a levou para o laboratório, onde iniciou o processo de identificação de família e gênero pela revisão de características da amostra. Ao constatar que não havia mesmo nenhum registro de coleta da espécie, os pesquisadores perceberam que estavam diante de uma descoberta. “A região na qual a espécie foi encontrada é justamente uma das mais negligenciadas com relação à coleta no Espinhaço. Isso chamou nossa atenção, já que muitas vezes pensamos que para encontrar uma espécie nova precisamos visitar lugares inóspitos”, explica Renato Ramos, doutorando do IB e também pesquisador do Laboratório de Sistemática, Evolução e Biogeografia de Plantas Vasculares.
Popularmente conhecida como Serra do Espinhaço, a Cadeia do Espinhaço é na verdade uma cordilheira – a única do Brasil. Ela perpassa os Estados de Minas Gerais e Bahia, tendo mais de 1.000 quilômetros (km) de extensão, além de picos que podem chegar a 2 mil metros (m) de altitude. A Chapada Diamantina, Serra dos Cristais, Serra de Ouro Branco, Serra Geral são alguns de seus trechos mais conhecidos e visitados pelos turistas.
Em 2005, a porção mineira do Espinhaço foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Reserva da Biosfera de Importância Internacional, devido a sua extensa biodiversidade.
A expedição científica realizada por Zavatin faz parte do Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção do Território Espinhaço Mineiro (PAT Espinhaço Mineiro), criado com a finalidade de integrar ações coordenadas de preservação da área. “As expedições buscam por espécies-alvo, aquelas criticamente ameaçadas de extinção e as que não são avistadas há tempo. Quando vamos ao campo, existe um planejamento prévio, com uma lista de plantas de diversas famílias”, relata o pesquisador. Administrado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), o projeto conta com a participação de instituições ambientalistas, da comunidade local e de órgãos governamentais por meio do Pró-espécie – coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Atualmente, o plano abrange 24 espécies que se encontram Criticamente em Perigo (CR) de extinção, sendo 19 da flora, três de peixes e duas de invertebrados. Além disso, estima-se que os impactos positivos do PAT Espinhaço Mineiro se estenderão para, pelo menos, outras 1.787 espécies classificadas em algum nível de ameaça que habitam o território. “Essa ação integrada é muito importante para alcançarmos resultados. Todo esse projeto é realizado desde o início da pandemia e agora os primeiros resultados estão aparecendo: possivelmente vamos ter mais 15 espécies novas ao longo de toda a região”, adianta Ramos, que faz parte da equipe técnica do plano.
Uma nova descoberta
O processo da catalogação de uma nova espécie de planta é extenso e deve estar de acordo com uma série de padronizações internacionais. É necessária a publicação de um artigo científico que contenha as principais informações sobre a descoberta para seu reconhecimento. “É preciso fornecer as coordenadas geográficas específicas de coleta, a altitude do lugar, o tipo de solo, se a área corre algum risco de degradação”, explica Zavatin. Todos esses dados são fundamentais para a inserção da espécie nos herbários, além de garantir futuras pesquisas sobre as propriedades da planta. É nessa fase também que o nome é escolhido, em conformidade com o Código Internacional de Nomenclatura Botânica.
Os pesquisadores já publicaram o artigo. Intitulado Chionanthus monteazulensis (Oleaceae), a new species from the campo rupestre of Espinhaço Range, Brazil, ele está disponível na revista Phytotaxa. “Nós já estamos em contato com o Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), órgão responsável pela avaliação de status de ameaça, para sabermos se a planta está ameaçada de extinção”, conta Ramos. Sobre as perspectivas futuras, os biólogos esperam que os resultados obtidos deem força para a criação de novas Unidades de Conservação (UCs) e estudos sobre a biodiversidade e endemismo da Cadeia do Espinhaço.
Mais informações: e-mail danilozavatin@ib.usp.br, com Danilo Zavatin; e-mail robertobaptistapa@usp.br, com Roberto Almeida; e-mail renatorsilva@usp.br, com Renato Ramos.
*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires e Valéria Dias
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado