Brasil tem 476 espécies invasoras que dão prejuízo de mais de US$ 77 bilhões
Da tilápia ao lírio-do-brejo, da abelha-de-mel ao pinheiro americano, passando também por alguns cães e gatos, todos esses seres vivos têm algo em comum: são espécies exóticas invasoras (EEI). Ou seja, que foram introduzidas em locais do Brasil que não são seu habitat natural.
No total, há 476 espécies invasoras em território brasileiro, entre plantas, algas e animais. Elas estão espalhadas por todos os ecossistemas do país – inclusive já atingiram 30% das áreas de conservação.
Por competirem com recursos de espécies nativas, se tornam uma ameaça à biodiversidade brasileira. Por isso, na tentativa de conter apenas 16 dessas EEI, mais de US$ 77 bilhões (R$381,6 bilhões, em conversão direta) foram gastos entre 1984 a 2019. É uma média anual de US$ 2 a US$ 3 bilhões (R$ 9,9 bilhões a R$ 14,8 bilhões, em conversão direta).
Todos estes dados fazem parte do levantamento “Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”, da BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), apresentado na sexta-feira (1) com a presença do Giz Brasil.
Feito por 73 autores líderes, 12 colaboradores e 15 revisores de instituições de pesquisa e de órgãos públicos, representantes do terceiro setor e profissionais autônomos de todas as regiões do Brasil o documento reúne o mapeamento das EEI presentes em território brasileiro, destaca os principais impactos pro país e aponta caminhos possíveis para a contenção do problema.
“A ideia não é dar uma receita, mas sim prover informações objetivas pensando em sua aplicação para a construção e a implementação de políticas públicas e privadas, assim como de iniciativas de manejo”, explica Michele de Sá Dechoum, professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina e uma das coordenadoras do relatório.
Sobre espécies exóticas invasoras
Todos os exemplos citados acima se referem a espécies estrangeiras, a maioria da Europa, África e sudeste da Ásia. Mas a invasão também pode ocorrer com plantas e animais brasileiros que são deslocados de sua região original para outra parte do país.
Em geral, a introdução de espécies acontece principalmente no comércio de animais de estimação, no consumo humano – especialmente de peixes – e por meio de plantas ornamentais e hortícolas.
Dessa forma, o total de EEIs mapeadas inclui tanto aquelas que receberam autorização para ser importadas quanto as que chegeram ao Brasil de maneira ilegal. Além disso, em muitos casos as espécies invasoras se estabelecem acidentalmente.
“Então a gente tem a partir de 1.500 as grandes navegações, onde aconteceram grandes mudanças na agricultura e no comércio. Essa época coincidiu também com o início da introdução dessas espécies exóticas no mundo. Mas foi apenas a partir dos últimos 50 anos que houve uma explosão, uma grande intensificação, por aumento da navegação e do transporte aéreo também”, explica Andrea Junqueira, professora do Departamento de Biologia Marinha e da Pós-graduação em Zoologia do Museu Nacional da UFRJ e coordenadora do relatório.
Segundo os pesquisadores, as espécies exóticas invasoras são mais resistentes às mudanças climáticas, por exemplo, o que faz com que sejam menos afetadas pelas alterações ambientais que elas causam. Dessa forma, tendem a prosperar com mais facilidade em alguns locais que as próprias espécies nativas.
De acordo com o relatório da BPBES, as projeções indicam um aumento de 20 a 30% em invasões biológicas no Brasil até o final do século.
1.004 impactos negativos, apenas 33 positivos
Como resultado, a introdução de espécies exóticas oferece riscos à saúde humana, uma vez que pode causar epidemias e pandemias, além de trazer prejuízos a áreas como a agricultura e pecuária, descaracterizar o solo e ameaçar espécies nativas de extinção.
Além disso, há também os custos que esses impactos geram. Eles são atrelados a perdas de produção e horas de trabalho, internações hospitalares e interferência na indústria de turismo.
No total, o relatório contabilizou 30 vezes mais impactos negativos que positivos. E os pesquisadores apontam que faltam estudos sobre o tema, de forma que os prejuízos podem ter uma lista ainda mais extensa.
Para evitá-los, o relatório ressalta a necessidade de ações imediatas de manejo, que vão desde medidas de prevenção até a contenção daquelas espécies que já se estabeleceram. Quando as espécies invasoras ainda não estão estabelecidas, a regra é erradicá-las o quanto antes.
“O que a gente precisa é um sistema de detecção precoce que funcione. Se uma espécie foi detectada, ela tem que ser erradicada o mais rápido possível”, ressalta Dechoum.
Recentemente, uma espécie de árvore asiática foi encontrada em uma região de manguezal no estado de São Paulo. Nesse caso, aponta, a resposta do poder público para erradicação da invasora deveria ser imediata. Mas a falta de preparo dos órgãos tem tornado o processo mais lento.
O que falta para a ação
No Brasil, há um arcabouço legal que dá base para a ação. Contudo, segundo Dechoum, a legislação é pulverizada. “Muitas vezes elas são focadas em algumas espécies, às vezes ligadas à saúde, às vezes ligadas ao meio ambiente”, explica.
A pesquisadora também aponta outros desafios no manejo das EEI, como o conflito de interesse de diferentes setores econômicos, uma vez que algumas espécies invasoras oferecem benefícios pontuais a determinados segmentos.
“E também pela deficiência de conhecimento técnico, tanto na perspectiva conceitual quanto das medidas de gestão e manejo necessárias”, detalha. Como resultado, algumas ações de governança vêm sendo aplicadas de forma equivocada.
Por exemplo, existem incentivos ao uso da tilápia, peixe notoriamente invasor que exerce uma dominância nos ambientes e ameaça a permanência das espécies nativas.
Estratégia unificada
Para Adriana Carvalhal, bióloga e analista ambiental do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), que também trabalhou no relatório, o ideal seria que o Brasil tivesse uma estratégia unificada nacional em todas as hierarquias de governo – federal, estadual e municipal.
Enquanto o país não tem isso, um exemplo de boas práticas no manejo das espécies invasoras é o que o ICMBio tem feito nas unidades de conservação federais.
“Hoje em dia o instituto tem vários instrumentos de gestão para essa temática. Vale destacar os guias de manejo, que avaliam toda essa questão de vias e vetores de introdução, tudo direcionado para essas UCs”, explica.
Segundo a pesquisadora, os guias respaldam a ação dos gestores em casos de espécies invasoras que sabem controlar. Outra medida apontada no relatório é a valorização das espécies nativas, não apenas do ponto de vista ambiental, como também econômico.
“Tá, então se eu não posso usar espécies exóticas invasoras. O que eu posso usar no lugar? A gente tem um país mega biodiverso, a gente tem um potencial imenso. A questão é essa mudança de paradigma”, conclui Dechoum.