Texto: Carolina Schwartz | Revista Pesquisa FAPESP
Calculadoras e outras ferramentas on-line para quantificar a pegada de carbono de indivíduos, empresas ou eventos têm se tornado cada vez mais frequentes no país. A partir da contabilização de dados acessíveis, como consumo de eletricidade e gás, geração de resíduos, utilização de meios de transporte e até movimentações financeiras, esses instrumentos se propõem a estimar o potencial poluente de nossos hábitos cotidianos. O resultado pode facilitar ações concretas para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), responsáveis pelas mudanças climáticas, assim como criar maior consciência ambiental no dia a dia dos brasileiros.
Algumas calculadoras também oferecem a opção de compensar a pegada de carbono por meio de programas de reflorestamento, preservação de matas ou compra de créditos de carbono. Algumas ferramentas informam a pegada por ramo de atividade, como compras, moradia, alimentação; outras trazem uma comparação entre o resultado individual de pegada de carbono e médias mundiais.
Conforme a metodologia, uma calculadora pode se valer de diferentes dados de entrada. Entre eles, consumo de energia, mobilidade e geração de resíduos. Essas informações são transformadas por fatores de conversão, de preferência adaptados à realidade local, em estimativas de quilogramas (kg) ou toneladas (t) anuais de emissões de gás carbônico equivalente (CO₂eq), termo que representa diferentes GEE como uma medida única de equivalência ao dióxido de carbono (CO₂).
Quanto mais detalhados os dados coletados por uma ferramenta e quanto mais específicos os fatores de conversão adotados, mais precisa tende a ser a estimativa de impacto climático. Sair a pé para comprar um bolo na loja da esquina em alguma cidade no Brasil, por exemplo, é diferente em termos de pegada de carbono de pegar o carro movido a gasolina para comprar um bolo no supermercado nos Estados Unidos, considerando o custo ambiental da mobilidade, dos ingredientes e da feitura do bolo e da manutenção de um estabelecimento comercial por país.
Uma calculadora com caráter educativo pode contar com nível de exigência dos dados de entrada mais reduzido
O banco digital C6 Bank lançou recentemente uma calculadora em seu aplicativo. Com ela, todo o gasto do correntista é convertido para um valor que aparece em um “extrato de carbono” como kg de CO₂eq. Com o extrato em mãos, o cliente tem a opção de compensar sua pegada com a compra de créditos de carbono de projetos de preservação da Amazônia. O valor é integralmente destinado a parceiros do programa, segundo o banco.
“O cliente não precisa fazer nada para ter essa informação sobre a pegada individual, porque o cálculo é feito a partir dos gastos dos cartões de débito e crédito, Pix e transferência para pessoa jurídica”, conta Marina Mancini, gerente de ESG (sigla para governança social e ambiental) do C6 Bank. Ela informa que as estimativas da pegada de carbono são feitas com base nos princípios do Greenhouse Gas (GHG) Protocol, padrão de quantificação de emissões de GEE para governos e corporações, setor de atuação da empresa em que a compra foi realizada e valores de referência do mercado brasileiro. “Mais importante que saber o valor exato da pegada é permitir que o cliente tenha consciência sobre os impactos do seu perfil de consumo e possa adotar medidas para reduzir a pegada individual.”
A engenheira eletricista Monica Carvalho, professora do Departamento de Engenharia de Energias Renováveis da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), concorda que, para além de valores numéricos, um aspecto significativo das ferramentas de cálculo da pegada de carbono individual é seu potencial didático.
“A ideia é o usuário olhar o resultado do seu comportamento hoje na calculadora e dizer: ‘amanhã não vou tomar banho tão quente’ ou ‘não vou usar o carro, vou de ônibus’. A partir daí, ele acompanha pela ferramenta o impacto ambiental de suas mudanças de hábito e começa a se questionar: ‘E se todos no bairro fizessem isso também?’”, pondera Carvalho.
Em artigo publicado na revista científica Research Society and Development, em 2021, a pesquisadora discute o conceito e o desenvolvimento de um aplicativo para medir o consumo de eletricidade e a pegada de carbono de usuários como forma de suscitar consciência ambiental. “A utilização de apps contribui para o entendimento do papel que cada indivíduo possui como agente colaborador de mudança num contexto de grande escala e de longo prazo”, apontam os autores do trabalho.
Também com o objetivo de estimular uma participação mais ativa de indivíduos e empresas em prol de soluções ambientais, a startup paulista Eccaplan disponibiliza calculadoras on-line em sua plataforma e meios de compensar as emissões de carbono. Uma das ferramentas, que pode ser customizada para eventos específicos, mede quanto um trajeto por qualquer meio de transporte gera em emissões. Outra, atrelada a um questionário maior, apresenta a pegada anual de uma pessoa, evento ou corporação.
“Resolvemos trabalhar com indivíduos e empresas para mostrar que as atividades deles impactam o ambiente. Foi para fomentar essa educação que começamos a criar nossos diversos sistemas”, diz Fernando Beltrame, CEO da Eccaplan, fundada em 2008 com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Universidade de São Paulo (USP).
“Às vezes, uma pessoa em São Paulo pensa que na cidade não consegue fazer nada, porque o que prejudica o planeta é quem desmata a Amazônia”, diz Beltrame. O empresário observa, porém, que todos, de alguma forma, impactam o ambiente. “É possível calcular esse impacto e buscar formas de reduzi-lo e compensá-lo.”
Outras duas calculadoras de gás carbônico disponíveis on-line são as das organizações não governamentais SOS Mata Atlântica e Iniciativa Verde, mais voltadas aos consumidores e que se valem de dados como consumo de eletricidade, gás e locomoção para calcular emissões e oferecer formas de compensá-las. Já o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) disponibiliza em sua plataforma um curso de 15 minutos para micro e pequenos empreendedores conseguirem calcular as emissões ligadas a seus negócios e visualizar os setores mais poluentes, como eletricidade ou resíduos.
Em tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Viçosa (UFV), a engenheira florestal Eliana Boaventura Bernardes Moura Alves discute os méritos e as limitações das ferramentas de cálculo de pegada de carbono individual – o trabalho resultou em um artigo publicado no periódico Carbon Management, em 2020. Segundo ela, para que as estimativas fossem mais exatas, o ideal seria haver padrões específicos que regulamentem a elaboração dessas ferramentas, além de maior transparência por parte dos desenvolvedores das calculadoras sobre a metodologia usada para gerar os resultados.