Cápsulas fitoterápicas e calmantes naturais que prometem lidar com a insônia e ansiedade já não são novidade no mercado. Esses remédios são facilmente encontrados nas prateleiras e mais baratos que as opções prescritas por médicos.
Mas é preciso olhar com mais atenção. Apesar da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizar sua venda nas farmácias, calmantes naturais não são iguais aos medicamentos. Servem, no máximo, como um complemento – e dificilmente serão capazes de tratar uma doença de verdade. Acompanhe a apuração do Giz Brasil.
Na maioria das vezes, calmantes naturais são chamados de suplementos, aditivos alimentares ou chás – mas nunca de medicamentos. O motivo: medicamentos passaram por anos de testes e estudos, enquanto não há validação científica para os calmantes naturais.
“O que vendem como substância natural muitas vezes é um agregado de ervas e outros elementos, e nunca uma substância pura”, explicou Rafael Zanin, farmacêutico doutor em bioquímica e professor da PUC-RS, ao Giz Brasil.
Muitos medicamentos têm origem “natural”. A morfina, por exemplo, deriva do ópio retirado do leite da papoula, enquanto a aspirina tem o princípio ativo extraído da árvore salgueiro. A diferença está na ciência por trás de cada remédio.
Cápsulas tidas como naturais não chegam nem perto do mesmo efeito que têm medicamentos como o zolpidem ou clonazepam (popular rivotril) – ambos para insônia. Os dois passaram por estudos clínicos com humanos e precisam de prescrição médica para ir à venda.
Onde estão as diferenças
O que distingue um medicamento comprovadamente eficaz de um calmante natural ou fitoterápico são os anos de pesquisa sobre cada composto, seja ele natural ou sintético, e seus efeitos sobre o corpo humano.
“Calmantes naturais, ervas, chás, tudo isso carece de comprovação científica. Então nunca saberemos a condição em que é melhor tomar, qual a medida ideal”, explica Zanin. “Já o medicamento se conhece a fórmula, já foi testado em humanos, e é possível ver como vai se comportar lá na frente e como reage quando se depara com outras substâncias. Há como prever seus movimentos”.
Em termos simples, não é o leite da papoula que faz a morfina somente, mas um extrato de sua composição que, após anos de estudo, comprovou ser útil para aliviar a dor. Além disso, a medicina usa esse recurso em doses regradas que atendem cada caso individualmente.
Por isso, apesar da papoula ser eficaz, ela não age sozinha: existem laboratórios e pesquisas que atestam a eficácia de cada extrato da planta. É isso que faz com que o remédio não vire um tóxico, por exemplo.
No caso dos calmantes naturais, o mais correto não é classificá-los como um medicamento, mas entender que seu enquadramento é fitoterápico ou dinamizado – duas concepções da Anvisa para classificar os diferentes tipos de remédios.
O nome diz tudo
Na dúvida, se atente às nomenclaturas. Medicamento é diferente de remédio, e fitoterápicos não são plantas medicinais nem necessariamente calmantes naturais. Veja o que muda entre cada um deles:
- Medicamento: segundo a Anvisa, são produtos farmacêuticos tecnicamente obtidos ou elaborados, com finalidade profilática, curativa ou paliativa. Além disso, devem seguir determinações legais de segurança, eficácia e qualidade. Em outras palavras, é aquilo que passou por um estudo científico que comprovou sua eficácia.
- Remédio: a classificação é mais abrangente. Pode ser tudo que “remediar” uma situação, seja ela comprovada cientificamente ou não.
- Planta medicinal: são usadas para aliviar sintomas como parte de um conhecimento tradicional ou de uma comunidade. Não há adição de produtos químicos e nem foram testados em laboratórios. Exemplo: usar alho e gengibre como anti-inflamatórios.
- Fitoterápicos: são obtidos a partir de plantas medicinais, mas passam por um processo de industrialização. Ou seja, têm como base o conhecimento tradicional, mas precisam da autorização da Anvisa para serem comercializados, mesmo que não tenham estudos clínicos avançados. Cada fitoterápico pode ter uma função e costuma ter adição de sintéticos. No Brasil existem 313 medicamentos fitoterápicos registrados.
- Dinamizados: remédios preparados a partir de substâncias submetidas a triturações ou diluições sucessivas que têm como objetivo prevenir, curar ou aliviar dores. Inclui os homeopáticos, antroposóficos (sem nenhum componente sintético) e anti-homotóxicos (que não têm contra indicação nem efeitos colaterais). Há 67 medicamentos dinamizados no Brasil.
- Calmante natural: são agregados de elementos naturais e sintéticos que têm o objetivo de causar efeitos calmantes – e, por isso, se enquadram como fitoterápicos. Não são medicamentos feitos especialmente para tratar a ansiedade, por exemplo, mas complementos.
Atenção aos detalhes
Ao lermos as bulas de produtos como “Seakalm” e “Nervocalm”, vendidos como calmantes naturais, veremos que os dois são indicados como “medicamentos auxiliares” para tratar “sintomas de ansiedade leve e insônia”.
A bula do Nervocalm, por exemplo, deixa claro que trata-se de um medicamento “homeopático” – ou seja, se parece com os fitoterápicos, mas é baseado em elementos de origem animal e mineral. Na Anvisa, os homeopáticos entram na categoria de “dinamizados”.
Um caso bem conhecido é o da Maracugina. No site, o remédio também diz tratar “ansiedade leve”, como estados de irritabilidade e agitação nervosa. É um fitoterápico formulado a partir do extrato do maracujá.
“Se fala muito em Maracugina como indutor de sono, mas existem mais de 500 espécies da flor de maracujá, então não há um padrão de dose ou de tempo ideal para ingestão”, explicou Zanin.
Há relatos de que o fitoterápico pode aumentar a produção de neurotransmissores e, assim, acalmar o sistema nervoso. Mas isso é uma sugestão com base nas substâncias químicas que estão no remédio, e não no medicamento como um todo. “Eles isolaram algumas substâncias que podem manifestar estes estímulos”, apontou o pesquisador.
Mesmo que esses remédios possam funcionar em alguns casos, ainda não foi possível comprovar que foram eles os responsáveis por acalmar o usuário. É diferente de tomar um remédio tarja preta, que com certeza induzirá ao sono.
“Neste caso é previsível porque temos conhecimento do composto químico, de qual receptor está afetando e toda uma documentação científica que atesta o funcionamento daquele remédio”, pontuou.
Sem automedicação
Tanto fitoterápicos quanto homeopáticos só passaram por testes pré-clínicos, ou seja, nunca foram testados em humanos. “Temos alguns estudos que mostram um bom funcionamento em animais. Além disso, tem efeito no senso comum, caso contrário ninguém compraria”, disse Zanin.
Por isso, o mais indicado é usar calmantes naturais como auxiliares, e não como a opção central do tratamento. “Se você conversou com o seu médico e ele concordou que é possível tomar um chá de camomila antes de dormir, isso é ok”, afirmou.
De um ponto de vista pode ter certo efeito, mas não há nenhum estudo científico que comprove efetividade. Uma recomendação é se atentar ao marketing por trás dos produtos tidos como naturais.
“Não é porque um medicamento é sintético que ele não é natural, afinal, se ele existe é porque alguém precisa”, esclareceu o pesquisador. O problema, segundo Zanin, é quando as pessoas se medicam mesmo quando não têm necessidade.
“Na dúvida, procure um médico. Mas lembre-se: nem tudo precisa de remédio. Vivemos em um cenário de banalização dos medicamentos”, terminou.