Camarões, terceiro e último adversário do Brasil na primeira fase da Copa do Mundo do Catar nesta sexta (2/12), às 16h, já entrou em nosso caminho por duas vezes em Mundiais — e uma bem ardida nos Jogos Olímpicos.
Fora os confrontos com a Seleção, a equipe africana já está na história das Copas por outras duas campanhas surpreendentes, e por um craque chamado Roger Milla.
Além disso, é a nação africana que mais participou de Copas: oito. E é a segunda maior campeã da Copa Africana de Nações, com cinco títulos – atrás apenas do Egito, com sete.
País colonizado por França e Reino Unido em parceria não muito amigável, Camarões absorveu de seus invasores o gosto pelo futebol na década de 1920.
Em 1953, já antecipando a independência que viria, constituiu uma seleção nacional (com a denominação Camarões Francês) que disputou seu primeiro jogo oficial contra o Congo Belga – futuro Congo, depois Zaire e atualmente República Democrática do Congo – em Léopoldville, atual Kinshasa. Derrota camaronesa por 3 a 2.
A revanche veio em 1956, também em Léopoldville. Desta vez, os camaroneses venceram por 4 a 2.
O país se tornaria independente da França em 1960 e do Reino Unido em 1961. E se filiaria à Fifa em 1962.
Roger Milla
Já nessa época, muitos jogadores de Camarões se transferiram para clubes da França. Essa corrente migratória arrastou para o Valenciennes em 1977 um atacante de 25 anos que já era profissional em Camarões desde os 15, e jogador da seleção desde os 21: Albert Roger Miller.
Esse Miller se tornou mais conhecido pelo “nome artístico” que adotou por causa da pronúncia francesa de seu sobrenome britânico na certidão de nascimento.
Na geração de caracteres da TV espanhola na Copa de 1982, ele era creditado como “Miller”. Mas a história sacramentou “Milla”, principalmente pelo que ele fez oito anos depois, na Copa da Itália.
Milla é o maior craque da história e Camarões. Alguns mais jovens dirão “mas e o Eto’o?”. Eto’o foi um ótimo atacante, mas Milla é muito mais simbólico por tudo que fez.
Bom, antecipamos um pouco o assunto, mas Camarões se classificou pela primeira vez para uma Copa em 1982. E foi uma campanha surpreendente para o mundo, que limpou o nome do futebol da África negra subsaariana que apagou a má impressão causada pelo vexame do Zaire em 1974.
Na estreia, 0 a 0 com o Peru, com um gol anulado de Roger Milla por impedimento. Depois, outro 0 a 0 com a Polônia, que acabaria em 3º. No terceiro jogo do grupo, 1 a 1 com a Itália, que seria a campeã. Camarões foi eliminado no saldo de gols e saiu invicto da Copa.
Dois anos depois, Camarões ganharia a primeira de suas cinco Copa Africana de Nações, ainda no embalo do mundial.
Em 1988, Roger Milla declarou sua aposentadoria do futebol aos 36 anos. Mas a história dele não acaba aí.
A Copa de 1990
Camarões não foi ao México em 1986, mas retornou à Copa em 1990 na Itália. Com direito a fazer o jogo inaugural contra a Argentina de Maradona, então campeã, em Milão.
Se você achava que 1982 tinha sido uma surpresa isolada, Camarões provou que o podia realizar algo improvável.
Com um esquema meio estabanado e descuidado de atacar e defender, conseguiu um gol para vencer por 1 a 0 e teve dois jogadores expulsos por faltas acrobáticas (e plasticamente violentas) em jogadores argentinos.
No 2º tempo, entrou em campo com a camisa 9 um senhor de 38 anos chamado Roger Milla.
Mas ele não tinha se aposentado? Tinha. Só que Paul Biya, presidente de Camarões desde 1982 até hoje (40 anos de mandato, tá?) telefonou para MIlla implorando que ele retornasse para jogar a Copa. O craque topou, independentemente do que o treinador da seleção pudesse pensar.
No esquema de entrar no 2º tempo de cada jogo por causa da idade, Milla cativou o mundo na segunda partida. Fez os dois gols da vitória de 2 a 1 sobre a Romênia e instituiu sua comemoração típica, dançando diante da bandeirinha de escanteio. Até hoje, é uma das imagens mais simbólicas de todas as Copas.
Classificado por antecipação, Camarões relaxou na 3ª rodada e tomou 4 a 0 da União Soviética. Nas oitavas, Colômbia pela frente, com Higuita, Valderrama e Rincón. Milla entrou aos 9 do 2º tempo. Em 90 minutos, 0 a 0.
Na prorrogação, Milla saiu driblando a 1 minuto do 2º tempo e abriu o placar. Dois minutos depois, ele ficou vigiando o goleiro Higuita, que adorava sair da área e distribuir jogo com os pés. Milla deu o bote, roubou a bola e fez o segundo. A Colômbia ainda descontou, mas Camarões passou.
Nas quartas, Camarões fez o jogo mais espetacular de uma Copa sonsa contra a Inglaterra. Os ingleses abriram 1 a 0, Camarões reagiu no 2º tempo e virou para 2 a 1. Milla participou das jogadas.
Acreditando estar com o jogo dominado, os camaroneses começaram a abusar dos toques de efeito e a descuidar da defesa. E fez um pênalti, que o artilheiro inglês Lineker converteu. No placar, 2 a 2 e prorrogação.
No tempo extra, mais um gol de pênalti de Lineker deu a vitória aos ingleses. Mas Camarões até festejou em sua despedida. Nenhuma seleção africana tinha chegado tão longe até então.
De 1994 em diante
Nos EUA em 1994, Camarões compareceu de novo. Começou com um promissor empate de 2 a 2 com a Suécia. Então, encarou o Brasil e quebrou a cara com uma derrota de 3 a 0, gols de Romário, Márcio Santos e Bebeto.
No último jogo do grupo, levou uma sacolada de 6 a 1 da Rússia, com cinco gols de um rapaz chamado Salenko. Mas o eterno Milla marcou o gol de honra. E se tornou o mais velho artilheiro de todas as Copas, aos 41 anos.
Em 1998, não havia mais Milla. Mas Samuel Eto’o fez sua estreia aos 17 anos. Com uma derrota e dois empates, Camarões nem passou de fase.
Em 2000, Camarões conseguiu a proeza de ser campeão olímpico de futebol. Nas quartas-de-final, bateu o Brasil com Ronaldinho na prorrogação. Na semifinal, bateu o Chile. Na final, ganhou da Espanha nos pênaltis.
Dois anos depois, Camarões causou polêmica por causa do uniforme. No começo de 2002, disputou a Copa Africana de Nações com camisas sem mangas. E a ideia era manter esse uniforme na Copa do Mundo.
Só que a Fifa proibiu e o fornecedor teve de providenciar mangas pretas para o design original da camisa. Na campanha, eliminação na primeira fase.
Em 2003, na Copa das Confederações, Camarões viveu uma tragédia. Chegou à semifinal mas, na vitória de 1 a 0 sobre a Colômbia, teve seu craque Marc-Vivien Foé desabando sozinho no campo aos 27 do 2º tempo, fulminado por um ataque cardíaco. Morreu aos 28 anos. O time ainda disputou a final contra a França, mas perdeu por 1 a 0 na prorrogação.
Ausente da Copa em 2006, Camarões voltou em 2010 para ser eliminado na 1ª fase com três derrotas.
Em 2014, Camarões novamente caiu no grupo do Brasil. Depois de perder de México e Croácia, tomou 4 a 1 da nossa a trajet´poriaseleção em Brasília.
Camarões não compareceu em 2018 na Rússia. Mas está de volta no Catar. Uma vez mais no grupo do Brasil. E antes do jogo contra a Suíça, o hoje sessentão Roger Milla foi homenageado pela Fifa com uma placa comemorativa.