No início deste mês, descobriu-se que o MEC (Ministério da Educação) vai investir quase R$ 250 milhões para realizar um projeto do neurocientista Miguel Nicolelis. Trata-se do novo Campus do Cérebro, em Macaíba (RN), que fará pesquisa de ponta e dará educação científica para alunos da rede pública.
O acordo foi assinado de forma discreta no final de julho – não houve qualquer anúncio oficial – e só virou notícia há poucas semanas, quando o Estadão reuniu os detalhes. Agora, cientistas se juntaram para enviar um abaixo-assinado ao MEC, questionando o volume de recursos para o projeto.
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O financiamento
O MEC financiará o Campus do Cérebro em R$ 247,6 milhões ao longo dos próximos três anos, pagos em parcelas semestrais até 2017. O IEPASD (Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont), organização social ligada a Nicolelis, já recebeu R$ 29,7 milhões em setembro.
O acordo foi publicado no Diário Oficial da União em 28 de julho, em apenas um parágrafo, sem mencionar valores – que constam apenas no contrato completo, obtido pelo Estadão. O projeto é realizado em uma parceria entre o IEPASD e a UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
No entanto, nem o IEPASD, nem a UFRN, nem o MEC fizeram qualquer anúncio oficial. Miguel Nicolelis, sempre presente nas redes sociais, não mencionou o financiamento no Twitter nem no Facebook. Por isso, segundo o Estadão, o acordo “passou despercebido da comunidade científica e da sociedade”.
As críticas
Segundo a Folha de S. Paulo, um grupo de pesquisadores – representados pelos professores Paulo Saldiva (USP) e José Antonio Rocha Gontijo (Unicamp) – enviará ao MEC cerca de 100 assinaturas contra o financiamento do projeto. O documento diz:
A destinação de recursos dessa monta a uma iniciativa pontual é extremamente grave e merecedora de esclarecimentos… Tal precedente é visto como mais grave ainda por viver-se um momento em que há problemas de financiamento de projetos de pesquisa importantes no país.
Saldiva e Gontijo são coordenadores de dois grupos de ciências médicas da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão subordinado ao MEC. O abaixo-assinado foi organizado na semana passada, no Encontro Nacional de Pós-Graduação em Medicina.
Eles questionam o alto valor do financiamento. Para comparar: segundo o Estadão, “o CNPq e a Capes, do MEC, gastaram R$ 162 milhões em bolsas para 90,8 mil pesquisadores em 2012”.
Por lei, o governo não precisa fazer licitação ou concorrência para transferir recursos a organizações sociais – caso do IEPASD – que realizem serviços públicos.
Em nota, o IEPASD afirma que “o valor destinado pelo Ministério da Educação (MEC) à entidade… não faz parte do orçamento federal brasileiro para ciência e tecnologia… esses fundos se originaram de outra fonte orçamentária”. Assim, segundo eles, isso “não resultará em nenhum tipo de prejuízo a qualquer cientista brasileiro”.
Nicolelis também se defendeu:
Que cientista de verdade pode ser contra campus q promove educação científica e programa de pré-natal p/ milhares de crianças e gestantes?
— Miguel Nicolelis (@MiguelNicolelis) November 26, 2014
@PlinioCorregio pq eles ñ discutem privilégios de classe auferidos por Pesquisadores 1A do CNPQ e como esse sistema de casta afeta academia?
— Miguel Nicolelis (@MiguelNicolelis) November 26, 2014
@lvolterrini Valor ñ é astronômico. É o que é necessário para custear um campus com mais de 500 cientistas, professores, médicos, etc.
— Miguel Nicolelis (@MiguelNicolelis) November 26, 2014
O IEPASD prevê que empregará 552 profissionais até 2017 em projetos de educação, saúde e pesquisa. Ele é ligado o IINN-ELS (Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra), cujo conselho de administração é presidido por Nicolelis, que é professor e pesquisador da Universidade Duke (EUA).
O projeto
O Campus do Cérebro quer ser um polo científico e tecnológico em neurociências e neuroengenharia, localizado em uma cidade pobre do Rio Grande do Norte. Ele abrigará o IINN-ELS, que funcionava desde 2007 num prédio em Natal, desativado no início deste mês – a equipe agora está em Macaíba.
Este não se trata apenas de um centro de pesquisa: o Campus do Cérebro também cuida de três Centros de Educação Científica – em Macaíba, Natal e Serrinha (BA) – que atendem 1.400 jovens por ano. Nestes centros, o objetivo é “promover ações que facilitem o acesso de alunos da rede pública de ensino ao conhecimento e práticas científicas”.
O Campus do Cérebro também é responsável pelo Centro de Educação e Pesquisa em Saúde, um serviço ambulatorial para mães e crianças em Macaíba. Ele funciona desde 2008 e pode realizar até 12 mil consultas por ano. A partir de 2015, eles esperam ampliar o atendimento para mais de 20 mil consultas por ano. O local também servirá para atividades acadêmicas para alunos da UFRN nas áreas de saúde, neurociência e reabilitação motora.
O projeto também prevê para 2015 uma escola integral de ensino básico “que utiliza o método científico na sua proposta educacional”, e que promete atender 700 crianças em Macaíba; mais o programa Educação para Toda Vida, “que começa no pré-natal da gestante, passando pelo ensino básico e indo até a pós graduação”.
O Campus do Cérebro já recebeu R$ 42 milhões do MEC e estava inicialmente previsto para ser concluído em 2012, mas passou por uma série de contratempos. Ele começará a funcionar no segundo semestre de 2015, com cerca de 200 pessoas na equipe, entre pesquisadores, professores, assistentes, entre outros. [Folha e Estadão]
Fotos: nova sede do IINN-ELS, no Campus do Cérebro, em Macaíba (RN), sendo construída em outubro de 2013/Facebook