Como humanos, gostamos de pensar que somos a única espécie capaz de usar os outros para termos o que queremos. Uma nova pesquisa mostra que chimpanzés, nas circunstâncias certas, também são capazes de manipulação social, destacando uma capacidade cognitiva antes desconhecida em nossos parentes primatas.
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Animais sociais possuem um leque de truques cognitivos que os ajudam a lidar com os outros. Alguns são bons, outros nem tanto. Lobos e golfinhos, por exemplo, participam de caças em grupo, em que trabalham em grupo para cercar a presa. Diversas espécies de macacos, pássaros e roedores enviam sinais de alerta, para avisar outros membros do grupo sobre uma ameaça próxima. Algumas dessas habilidades sociais podem ser utilizadas para fins nefastos ou enganosos, como os galos que fazem falsos chamados por comida para atrair galinhas para o acasalamento.
Mas existem poucos exemplos em que animais sociais utilizam fisicamente seus correligionários como um meio para um determinado fim. Isto é, quando um indivíduo usa outro membro de seu grupo como uma ferramenta para atingir determinado objetivo.
É claro, os humanos são mestres no “uso da ferramenta social” – como esse comportamento é conhecido. Nossos grandes cérebros e capacidades cognitivas únicas, de acordo com os geneticistas Sergey Gavrilets e Aaron Vose, “evoluíram por meio de uma intensa competição social em que os competidores sociais desenvolveram estratégias ‘maquiavélicas’ cada vez mais sofisticadas como meios para atingir maiores sucessos sociais e reprodutivos”. De acordo com esse teoria, são os nossos cérebros coniventes e manipuladores que contribuem para a natureza humana e explica parcialmente nosso sucesso evolutivo.
Mas como mostra esse novo artigo publicado no periódico Journal of Comparative Psychology neste mês, os humanos não possuem o monopólio do uso da ferramenta social. Um time de pesquisadores da Universidade de St. Andrews, Universidade de Leipzig e do Instituto Max Planck de Psicolinguística, descobriram alguns indícios de inteligência maquiavélica nos cérebros dos chimpanzés.
Os pesquisadores, liderados por Manon Schweinfurth da Escola de Psicologia e Neurociência da Universidade de St. Andrews, estudaram um grupo de chimpanzés semi-selvagens no campo de Chimfunshi, na Zâmbia. Esse é um dos maiores santuários de chimpanzés no mundo.
Ao começar o projeto, no entanto, os cientistas esperavam inicialmente observar instâncias da cooperação da espécie. De forma inesperada, o comportamento de um único chimpanzé macho mudou a direção e complexidade do experimento e, por consequência, a natureza do estudo.
Para o experimento, Schweinfurth e sua equipe apresentaram a um grupo de chimpanzés a um aparato desafiador consistindo de uma fonte de suco de frutas e um par de botões que liberavam o suco. Para o azar dos chimpanzés, a fonte e os botões estavam localizados a 3 metros de distância um do outro, o que significava que um indivíduo sozinho não conseguiria apertar os botões e saciar a sede ao mesmo tempo. Ou seja, para obter o suco desejado, era preciso um outro indivíduo.
O cenário provou-se uma situação frustrante para os primatas – exceto por um chimpanzé adulto de 24 anos chamado Bobby. Ele compreendeu rapidamente o conceito do uso da ferramenta social, empregando outros membros de seu grupo – três chimpanzés mais jovens – para apertar os botões enquanto ele aproveitada as benesses da fonte. Mas não tratava-se de um acordo benéfico para todos; Bobby nunca retribuía o favor.
Os pesquisadores, então, apontaram no estudo que esse era um exemplo de manipulação e não de cooperação:
Bobby demonstrou diversos comportamentos visando a sedução dos mais jovens a pressionar o par de botões que ativava a fonte de suco localizadas a três metros deles. Seu comportamento variava de acordo com o nível de controle sobre os mais jovens. Primeiro, ele os recrutou ativamente ao rolá-los ou arrastá-los até os botões. Nestas situações, os jovens raramente tinham a chance de escapar e estavam sob o controle quase total de Bobby e em contato constante.
Depois, Bobby empurrava os jovens em direção dos botões. Pelo fato dos botões e a fonte estarem separadas por três metros de distância, ele precisava libertar os companheiros para ir beber na fonte. Portanto, seu controle era limitado e os jovens podiam decidir se apertariam os botões ou se escapariam. Caso eles escapassem, no entanto, Bobby se utilizava de sua ferramenta social os recuperava com sucesso em quase metade dos casos, sugerindo alguma forma de controle.
Quando essas estratégias falhavam, Bobby recorria ao comportamento de mendicância estereotipado dos chimpanzés, incluindo cuspir framboesas e abrir e balançar os braços. Incrivelmente, esse único macho usou outros chimpanzés mais de cem vezes para conseguir beber suco.
Para Schweinfurth, o aspecto mais surpreendente do estudo, além da observação sem precedentes do uso de ferramentas sociais entre os chimpanzés, foi que os chimpanzés manipulados não tentaram escapar ou evitar Bobby.
“Eles vivem em recintos realmente grandes e poderiam facilmente se esconder lá”, disse Schweinfurth ao Gizmodo. “Além disso, eles poderiam ter buscado a ajuda de outros adultos, o que eles geralmente fazem em outras situações. Então, por que eles deixaram outro indivíduo usá-los? Achamos que isso pode ser explicado pelo aumento do comportamento de brincar dele [Bobby] com suas ferramentas sociais [os chimpanzés juvenis], o que é altamente gratificante para os jovens. Provavelmente, os jovens passaram por uma espécie de acordo de troca entre a brincadeira e seu uso como uma ferramenta de tempos em tempos”.
Os pesquisadores afirmam que esse é o “maior conjunto de dados” sobre o uso de ferramentas sociais registrado entre animais não humanos. O uso repetido que Bobby fez de outros indivíduos como ferramentas sociais é um comportamento complexo e potencialmente indicativo de inteligência maquiavélica.
“É muito interessante que animais não humanos usem os outros para obter algum benefício”, disse Schweinfurth. “É uma estratégia bem conhecida dos seres humanos, mas não temos certeza se outros animais são capazes de fazer isso. Manipular ou usar os outros repetidamente requer que o ator tenha certeza de que as ferramentas não o evitam, de forma que o ator possa repetidamente usá-las ou manipulá-las. Essa habilidade é importante, por exemplo, em muitas situações políticas”.
Em termos de limitações, é importante ressaltar que apenas um indivíduo, Bobby, demonstrou esse comportamento. É possível que Bobby seja um caso discrepante em termos de inteligência ou tenha tido alguma experiência anterior com humanos que de alguma forma influenciou seu comportamento.
Observações futuras do uso de ferramentas sociais em outros macacos em diferentes contextos seriam boas para corroborar essas descobertas. Ainda assim, é surpreendente que Bobby tenha usado uma estratégia que, para ele, mostrou-se um sucesso espetacular.
“Isso sugere que os chimpanzés podem usar outros, mas provavelmente não é a estratégia padrão para lidar com os companheiros”, explicou Schweinfurth.
Então, sim, alguns chimpanzés, como alguns humanos, são idiotas manipuladores.