“Hoje, a computação de alto desempenho está presente em quase todas as áreas da pesquisa científica. Até mesmo em humanidades se utiliza a análise avançada de dados no apoio à definição de políticas públicas”, exemplifica Silva, do Imecc-Unicamp, que também é o coordenador do Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho em São Paulo (Cenapad-SP), uma das estruturas HPC que compõem o Sinapad.

O principal equipamento do centro paulista é o supercomputador Lovelace, adquirido em 2021 com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e expandido em 2023 com o apoio da FAPESP. Nomeada em homenagem à matemática inglesa pioneira da computação, a máquina fabricada pela Dell Technologies apresenta em sua configuração atual capacidade de processamento de 388 teraflops. Cada teraflops proporciona 1 trilhão de operações por segundo. O centro também é aparelhado com o Tyr, que utiliza o sistema IBM Power 750, com capacidade de 37 teraflops. No total, os equipamentos do centro disponibilizam 425 teraflops de processamento.

Desde 1994, quando foi constituído o Cenapad-SP, até o final de 2023, as pesquisas feitas no centro geraram em torno de 4,4 mil publicações acadêmicas, 294 teses de doutorado e 331 dissertações de mestrado. Hoje são 221 projetos ativos e 737 usuários de todo o país. “A infraestrutura tem 100% de ocupação e ainda há uma grande demanda represada na fila de espera”, relata o pesquisador da Unicamp.

Léo, do LNCC, e Silva compartilham a visão de que, após a atualização do SDumont, a principal prioridade da computação de alto desempenho no país voltada à pesquisa acadêmica é o upgrade da infraestrutura das demais unidades do Sinapad, uma vez que todas apresentam demanda de uso maior do que a capacidade de processamento.

Em janeiro deste ano, um primeiro reforço tornou-se realidade. O Coaraci, “mãe do dia” em tupi, novo supercomputador do CCES-Unicamp, passou por testes em dezembro de 2023 e foi disponibilizado para a comunidade acadêmica no mês seguinte. É uma máquina Dell de 801 teraflops, adquirida com apoio do Centro de Engenharia e Ciências Computacionais (CECC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP.

“É o computador mais potente dentro de uma universidade brasileira e receberá pesquisas nas mais diversas áreas de interesse científico. Nossa avaliação preliminar é de que o Coaraci terá uma ocupação intensa, 24 horas por dia, sete dias por semana”, diz o engenheiro mecânico William Wolf, assessor técnico do CCES. O equipamento foi instalado no Centro de Computação John David Rogers, abrigado no Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp.

Para Wolf, que é coordenador do Laboratório de Ciências Aeronáuticas da Unicamp, o Coaraci irá viabilizar trabalhos que eram difíceis de ser realizados por equipes brasileiras. As pesquisas aeroespaciais feitas na Unicamp, por exemplo, rodam em supercomputadores nos Estados Unidos e na França, um processo que leva em média seis meses por conta das longas filas e da burocracia com a preparação e a revisão de projetos internacionais. Além disso, esses projetos precisam entrar em uma fila de espera global e muitas vezes os resultados precisam ser compartilhados com grupos estrangeiros antes de ser processados.

Supercomputadores são fundamentais em pesquisas que simulam a formação do Universo (acima), na previsão do tempo e clima (no alto) e no desenvolvimento de projetos aeronáuticos (ao centro). Imagem: The Cosmic Dawn Project | Inpe | Força Aérea Brasileira

“Esses dados são extremamente difíceis de obter, e nosso maior interesse é tratá-los. Em outros casos, os dados são sensíveis mesmo, pois se trata de inovação tecnológica”, explica Wolf. “Com o Coaraci, vamos fazer as pesquisas localmente, de forma rápida e segura, sem a necessidade de compartilhar dados que, em muitos casos, podem ser estratégicos para o desenvolvimento tecnológico no Brasil.”

O Inpe, instituição que também forma o Sinapad, dará início ao processo de licitação que levará à compra de um novo supercomputador capaz de aprimorar a previsão climática no país. O investimento programado é de R$ 200 milhões em recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O valor será empregado em equipamentos e infraestrutura física nas instalações do instituto em Cachoeira Paulista (SP) voltados a dar o adequado suporte à máquina.

“O investimento será executado em etapas, iniciando-se este ano e com conclusão prevista para 2027”, detalha o doutorando em engenharia e tecnologia espaciais Ivan Márcio Barbosa, coordenador de Infraestrutura de Dados e Supercomputação do Inpe.

A primeira fase tem orçamento previsto de R$ 47,5 milhões para a aquisição de equipamentos que vão gerar poder computacional de aproximadamente 2 petaflops. Ao final do processo em 2027, o sistema de alto desempenho do Inpe deverá somar 8 petaflops – capacidade cerca de 15 vezes superior à da supermáquina atual do instituto, o Tupã, adquirido em 2010, que oferece 550 teraflops.

Supercomputadores usam muita energia para alimentação elétrica e refrigeração. O Tupã, informa Barbosa, tem um custo anual de eletricidade de R$ 4,8 milhões. Sua refrigeração, como na maioria dos supercomputadores, conta com um sistema misto que envolve ar condicionado e água – são 40 mil litros circulando em circuito fechado. Para receber o novo supercomputador, o Inpe implantará uma subestação de energia elétrica de 138 quilowatts de pico (kWp) e renovará sua infraestrutura elétrica, de ar condicionado e água tratada. Também implementará uma usina de geração de energia solar fotovoltaica com capacidade inicial de 300 kWp.

A renovação do sistema de previsão climática incluirá ainda uma nova modelagem de previsão numérica de tempo e clima, batizada de Monan (Modelo para Previsão dos Oceanos, Superfícies Terrestres e Atmosfera), ainda em desenvolvimento. Segundo informações preliminares divulgadas pelo Inpe, além dos métodos tradicionais baseados em solução de equações físicas, o Monan usará inteligência artificial e aprendizado de máquina para prever o início e o fim de chuvas e eventos climáticos extremos com antecedência de três dias e a previsão das tendências climáticas com uma antecipação de três meses. “Hoje, nossas previsões são para até 15 dias, mas a precisão só é alta, na casa dos 90%, para as próximas 48 horas. Passados sete dias, fica abaixo de 50%”, diz Barbosa.

O Tupã não será desativado. “Enquanto houver peças de reposição disponíveis, a máquina será dedicada a projetos de pesquisas científicas na área de tempo e clima”, afirma o pesquisador. Atualmente essa tarefa no Inpe é realizada em um cluster de processamento de alto desempenho, um conjunto de máquinas menores que alcançam uma determinada capacidade de processamento. O Egeon, o cluster do Inpe, tem poder computacional de 200 teraflops.

A chegada de Gaia
A infraestrutura de alto desempenho voltada à pesquisa no Brasil também foi reforçada em 2023 com a aquisição por R$ 76 milhões pela Petrobras do supercomputador Gaia, de 7,7 petaflops, montado pela Dell. O Gaia entrou em operação em agosto do ano passado e é utilizado exclusivamente pelo Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação da Petrobras (Cenpes). Seu objetivo é desenvolver e aperfeiçoar tecnologias ligadas à geofísica, entre elas ferramentas de processamento de imagens sísmicas, que usam ondas sonoras refletidas para criar uma espécie de tomografia computadorizada da subsuperfície da Terra.

No final de 2022, a Petrobras somava uma capacidade de processamento de 63 petaflops e anunciou a meta de alcançar 80 petaflops, sem especificar a data em que planeja atingir esse objetivo. Além do Gaia, também entrou em operação em 2023 o Gemini, dotado de 3,9 petaflops. Na área de produção, os supercomputadores da petrolífera são utilizados principalmente nas atividades de processamento sísmico e engenharia de reservatórios. No primeiro caso, o objetivo é determinar a presença de petróleo e a melhor área de perfuração de poços; no segundo, a finalidade é estudar o comportamento do óleo armazenado.

Por dentro de um supercomputador
Dotado de milhares ou até milhões de núcleos de processamento de alto desempenho, o equipamento pode pesar entre 20 e 40 toneladasAlta velocidade de processamento e grande capacidade de memória são as duas principais características dos supercomputadores. Eles são formados por um conjunto de máquinas que atuam de forma integrada e pesam em média entre 20 e 40 toneladas. Os equipamentos são distribuídos em racks enfileirados e ocupam uma sala específica refrigerada. O Frontier, mais potente supercomputador do mundo, conta com 74 racks que ocupam uma sala de 680 metros quadrados.O Santos Dumont, supercomputador do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), fica na cidade serrana de Petrópolis (RJ), que tem clima ameno, e ainda assim demanda três geradores de 750 quilovolts-ampère (kVA) cada um, sendo dois em funcionamento e um para substituição, em caso de necessidade. É necessário 1.500 kVA para manter o sistema funcionando e a refrigeração contínua.A velocidade de processamento de um supercomputador é estipulada conforme a rapidez que ele processa operações (flops). Os aparelhos mais potentes da atualidade processam operações na faixa de dezenas ou centenas de petaflops – cada petaflops equivale a um quatrilhão (1015) de operações matemáticas por segundo – ou, na dimensão de exaflops, 1 quintilhão (1018) de operações matemáticas por segundo.Para realizar essa tarefa, essas supermáquinas somam milhares ou milhões de núcleos de processamento de alto desempenho, entre unidades de processamento central (CPU) e unidades de processamento gráfico (GPU). Com capacidade computacional de 5,1 petaflops, o Santos Dumont tem 36.472 núcleos de CPU e 1.134 nós computacionais.A memória volátil ou RAM (random access memory) de um notebook comum varia entre 2 e 32 gigabytes (GB). Em um supercomputador, ela é medida em terabyte (TB, que equivale a mil GB). O Pégaso, da Petrobras, com 21 petaflops de capacidade de processamento, tem uma memória RAM de 678 TB.
São Paulo terá novo centro de computação de alto desempenho
Consórcio formado por sete universidades contará com supercomputador de 5 petaflopsEm um ano, um novo supercomputador, com capacidade em torno de 5 petaflops, deverá entrar em funcionamento no país. A máquina equipará o recém-criado Centro de Supercomputação Científica do Estado de São Paulo (C3SP), uma das duas unidades contempladas com recursos de uma chamada lançada pela FAPESP e pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e das Comunicações (MCom) para apoio a centros de computação de alto desempenho.“Essa é uma demanda antiga das instituições de pesquisa do estado, responsáveis por cerca de 60% do uso do Santos Dumont, o supercomputador do LNCC”, diz o meteorologista Pedro Leite da Silva Dias, diretor-executivo do C3SP. “Se quisermos ter um impacto maior da pesquisa feita aqui, precisamos de máquinas competitivas.”O C3SP é formado pelas três universidades estaduais de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp), pelas quatro federais (UFABC, UFSCar, Unifesp e ITA) e as privadas FEI e Mauá. “Um edital para a compra do equipamento e a seleção de um centro de processamento de dados empresarial para abrigá-lo será lançado em breve. Optamos por um lugar neutro para não descaracterizar o conceito de consórcio”, explica Dias.A segunda proposta contemplada foi o Centro de Computação de Alto Desempenho do Sinapad, o Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho. “Nosso projeto insere-se em um contexto estratégico para a supercomputação no país, que é a revitalização do Sinapad”, afirma Antônio Tadeu Gomes, coordenador-executivo da proposta e pesquisador do LNCC.Os recursos, da ordem de R$ 50 milhões, mesmo valor destinado ao C3SP, serão usados na atualização de cinco unidades do Sinapad: o Centro Nacional de Supercomputação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Núcleo de Computação de Alto Desempenho, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Instituto Metrópole Digital, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e os Centros Nacionais de Processamento de Alto Desempenho de Minas Gerais e do Ceará.O poder computacional agregado dos cinco centros hoje é próximo de 700 teraflops. Com a revitalização, deverá crescer para algo entre 4 e 8 petaflops. “Essas unidades apoiarão a pesquisa científica em diferentes regiões do país”, destaca Gomes.