Não é comum que pesquisadores descubram o que pode ser uma parte completamente nova do corpo humano. Mas um time na Suécia afirma ter descoberto um rede intricada de células debaixo da pele que ajuda a processar determinados tipos de dor. A novidade pode ampliar as nossas concepções de como sentimos dor, além de como aliviá-la.
Tipicamente, é pensado que aquilo que percebemos como sensações prejudiciais em nossa pele vem por meio de terminações muito sensíveis em determinadas células nervosas. Essas células nervosas não são revestidas por uma camada protetora de mielina, assim como outros tipos de células. As células nervosas são mantidas vivas por e conectadas a outras células chamadas glia – fora do sistema nervoso central, um dos dois principais tipos de células da glia é chamado de células de Schwann.
Os autores do novo estudo, publicado nesta quinta-feira (15) na revista Science, dizem que estavam estudando essas células auxiliadores perto da superfície da pele no laboratório quanto se depararam com algo estranho – algumas das células de Schwann pareciam formar uma extensiva “rede em formato de malha” com suas células nervosas, de uma maneira diferente com a qual elas interagem com células nervosas em outros órgãos.
Quando eles realizaram mais experimentos com ratos, eles encontraram evidências de que essas células Schwann possuem um papel direto e adicional na percepção da dor, ou na nocicepção.
Um experimento, por exemplo, envolvia reproduzir ratos com esses células em suas patas que pudessem ser ativadas quando o rato fosse exposto à luz. Uma vez que a luz surgisse, o rato parecia se comportar como se estivesse com dor, exibindo comportamentos que incluíam lamber a si mesmos ou esconder suas patas.
Experimentos posteriores descobriram que essas células – batizadas de células nociceptivas de Schwann pela equipe – respondem à dor mecânica, como ser picado ou atingido por algo, mas não pelo frio ou calor.
O fato de essas células estarem espalhadas por toda a pele como um sistema intrinsecamente conectado serve como argumento dos autores de que esse sistema deveria ser considerado como um órgão.
“Nosso estudo mostra que a sensibilidade à dor não acontece apenas no nervo [fibras] da pele, mas também nesse órgão recém-descoberto que é sensível à dor”, disse o autor sênior do estudo, Patrik Ernfors, pesquisador de dor na Instituto Karolinska na Suécia, em um comunicado da universidade.
Ernfors e sua equipe não são os primeiros a afirmarem a descoberta de um novo órgão recentemente. No ano passado, pesquisadores nos Estados Unidos argumentaram que uma rede preenchida de fluidos que batizaram de interstício – coincidentemente também encontrada debaixo da pele, além de também estar cerca de outros órgãos internos – deveria ser considerado um órgão.
Porém, leva anos até que fontes mais confiáveis, como os livros médicos didáticos, decidam concordar com a classificação (alguns outros pesquisadores rapidamente argumentaram que o interstício não é distintivo o suficiente para ser consagrado como um órgão e não foi confirmado por outros pesquisadores).
Então, assim como a maioria das coisas na ciência, é preciso realizar muitos outros trabalhos para estudar essas células e como elas funcionam. Os ratos são imprescindíveis para estudarmos as origens da dor nas pessoas, por exemplo, mas não sabemos quase nada sobre como essas células realmente operam no corpo humano. Todos os experimentos detalhados no estudo envolveram apenas ratos, então é possível que o sistema não exista ou funcione da mesma maneira em humanos.
“Ainda não estudamos humanos. No entanto, considerando que todos os órgãos sensoriais conhecidos encontrados em ratos também existe em humanos, é possível e até mesmo provável que o sistema também exista na pele humana”, disse Ernfors ao Gizmodo em um e-mail.
Dado o quão difícil tem sido tratar eficazmente a dor crônica, qualquer nova pista em potencial é animadora.
“A alodinia mecânica (alodinia = sentir dor a partir de estímulos mecânicos não dolorosos como quando se coloca uma camiseta ou outros tipos de toques na pele) é geralmente associada como uma neuropatia”, disse Ernfors, destacando que cerca de 10% das pessoas nos Estados Unidos e Europa possam sofrer desse tipo de dor. “Os mecanismos que causam a alodinia mecânica não são conhecidas. O fato de essas células serem importantes para sentir dor (pressão) mecânica pode significar que elas também estão envolvidas com a alodinia mecânica.”
A equipe planeja estudar profundamente como essas células são ativadas pela dor, o que deve envolver a descoberta de proteínas em sua superfície que respondam à simulação mecânica. Eles também planejam investigar o papel que o sistema pode ter na dor crônica a partir de estudos com animais.