Cientistas estudam papel dos micróbios que vivem dentro de tumores

Segundo a BBC Future, descobertas científicas dos últimos anos sobre micróbios que moram dentro dos tumores podem ajudar a desenvolver novos tratamentos
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Imagem: National Cancer Institute/Unsplash/Reprodução

Diversos estudos conduzidos atualmente podem oferecer pistas importantes sobre o que acontece dentro dos tumores e contribuir para tratar e prevenir vários tipos de câncer. É comum pensar nos tumores como simplesmente alterações celulares que cresceram demais.

Mas, segundo reportagem da BBC Future, eles são comunidades de muitos tipos celulares diferentes, o que explica, em parte, a dificuldade de eliminá-los sem danificar tecidos saudáveis. Nossos corpos são habitats para diversas formas de vida. Nos últimos anos, cientistas encontraram indícios da existência de micróbios dentro dos tumores.

Eles também abrigam uma coleção de células de outras estruturas: bactérias e fungos. Alguns prosperam no ambiente ao redor do tumor, enquanto outros vivem dentro das próprias células cancerígenas. Até recentemente, não se sabia exatamente qual o papel que os micróbios desempenhavam nos tumores.

Agora, os cientistas estão começando a desvendar se esses microrganismos são vilões que ajudam as células cancerígenas a se desenvolverem ou apenas espectadores presos no tumor.

Apesar do ritmo acelerado das descobertas, muitas questões permanecem sobre a relação entre os tumores e os micróbios que vivem neles. Esse pode ser um tema cada vez mais importante no campo de pesquisa sobre a doença, levando a diagnósticos mais precoces e até a novos tratamentos.

Bactérias que protegem os tumores

Em um estudo de 2017, pesquisadores do Instituto de Ciência Weizmann (Israel) provaram que algumas bactérias que vivem dentro de tumores no pâncreas podem protegê-los de medicamentos quimioterápicos comuns. Os responsáveis foram Ravid Straussman, biólogo especializado em câncer, e sua equipe.

Eles descobriram que uma classe particular de bactéria, conhecida como Gammaproteobacteria, poderia interromper o efeito da gencitabina, um medicamento usado para tratar vários tipos de câncer, incluindo aqueles encontrados na bexiga, mama e pâncreas. Ou seja, ela ajuda os tumores a se tornarem resistentes ao medicamento.

Quando a equipe injetou a bactéria em camundongos com câncer de cólon, os tumores também se tornaram resistentes à droga. Mas quando os cientistas deram aos camundongos um antibiótico junto com a droga quimioterápica, a resistência desapareceu.

Straussman e seu time agora devem realizar um ensaio clínico envolvendo pacientes com câncer pancreático que não obtiveram sucesso, mesmo com tratamentos de primeira linha, para verificar se o antibiótico melhora os resultados.

Uma pesquisa de 2019, da Universidade de Tohoku (Japão), também indica avanços. Os cientistas analisaram retrospectivamente pacientes com tumores avançados tratados apenas com quimioterápicos e outros que receberam antibióticos além da quimioterapia, na tentativa de prevenir ou tratar uma infecção existente.

Eles descobriram que os pacientes que receberam antibióticos responderam melhor ao tratamento. O grupo acredita que os antibióticos podem ter matado as bactérias associadas ao tumor e interferido no tratamento do câncer.

Bactérias que favorecem o câncer

A bactéria também pode ter outros efeitos em pacientes com câncer, além de proteger os tumores do tratamento medicamentoso. Em 2020, a equipe de Straussman analisou mais de 1.500 tumores humanos em sete tipos diferentes de câncer: mama, pulmão, ovário, pâncreas, melanoma, osso e cérebro.

Eles revelaram que todos os tipos de tumores eram invadidos por bactérias, que viviam dentro das células cancerígenas e em algumas das células do sistema imunológico. Diferentes tipos de tumores tinham diferentes comunidades de bactérias.

“Cada uma dessas bactérias se adaptou ao microambiente tumoral único em que vivem. No câncer de pulmão, mostramos como as pessoas que fumam têm mais bactérias que podem quebrar a nicotina, que é um metabólito relacionado à fumaça”, disse o principal autor da pesquisa à BBC.

Em muitos casos, ainda não está claro se a bactéria ajuda o paciente a manter as células cancerígenas sob controle. Bactérias encontradas em alguns tipos de câncer de mama, por exemplo, podem desintoxicar o arseniato, um tipo de carcinógeno conhecido por aumentar o risco de câncer de mama.

No entanto, ainda não há evidências suficientes de que algumas bactérias que vivem nos tumores possam piorar o câncer. Straussman diz que muito mais precisa ser feito para estudar os efeitos das bactérias dentro dos tumores.

Bactérias que migram

Outros estudos analisaram uma bactéria oral chamada Fusobacterium nucleatum, que está associada a doenças da gengiva, mas também pode estar ligada a vários tipos de câncer.

Ao que parece, essas bactérias podem migrar da boca para as células de câncer colorretal através da corrente sanguínea. Cada bactéria carrega partículas específicas em sua superfície que se ligam à superfície das células cancerígenas, permitindo que ela as colonize.

Uma vez estabelecida, a bactéria pode acelerar o crescimento e a disseminação de tumores, dificultando a capacidade do sistema imunológico de matar células cancerígenas. A bactéria também implanta um arsenal molecular que torna as células cancerígenas mais resistentes à quimioterapia.

Além disso, o DNA da Fusobacterium nucleatum foi encontrado em amostras de câncer de mama humano. Isso sugere que ela também afeta tumores em outras partes do corpo.

Em um estudo, quando a bactéria foi introduzida em camundongos com câncer de mama, ela acelerou a progressão e a propagação da doença. Dar antibióticos aos camundongos impediu esse processo.

O risco dos antibióticos

Pode parecer tentador incluir antibióticos nas terapias contra o câncer, mas não é tão simples assim. Muitos dos micróbios em nossos corpos são benignos ou mesmo benéficos. Então, um tratamento com antibióticos pode causar mais mal do que bem, segundo Douglas Hanahan, médico do Instituto Suíço Experimental para o Câncer em Lausanne (Suíça).

Em vez disso, os pesquisadores devem tentar desvendar toda a complexidade do microbioma associado ao tumor. Comunidades inteiras de micróbios podem ser encontradas dentro de tumores, apoiando-se mutuamente de maneiras inesperadas.

A presença de fungos

Os pesquisadores revelaram que outro tipo de micróbio, os fungos, também vive em tumores. A equipe de Straussman encontrou fungos em 35 tipos de câncer, muitos dos quais abrigam diferentes combinações de espécies.

“Descobrimos que os tumores que têm mais bactérias também têm mais fungos, e aqueles com menos bactérias têm menos fungos”, explicou o cientista à BBC.

Assim como as bactérias, alguns desses fungos parecem estar manipulando o sistema imunológico a favor do tumor. Verificou-se que o fungo Malassezia globosa acelera o desenvolvimento de uma forma de câncer pancreático.

Os mesmos fungos também foram encontrados em pacientes com câncer de mama que tendem a ter uma sobrevida geral mais curta, de acordo com o trabalho de Straussman e colegas da Universidade da Califórnia em San Diego.

Outra pesquisa descobriu que alguns fungos presentes em tumores pancreáticos sequestram partes do sistema imunológico para promover o crescimento do tumor.

Pesquisadores da Universidade Cornell (EUA) indicaram em um estudo de 2022 que tumores estomacais ricos em fungos Candida mostram expressão aumentada de genes tumorais que promovem inflamação. E que tumores de cólon ricos em DNA de Candida têm maior probabilidade de serem metastáticos.

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