Em um esforço para solucionar a falta de doadores de órgãos, pesquisadores dos EUA conseguiram criar com sucesso embriões meio humano meio porco, e implantaram eles em uma porca. Mais para frente, esses animais poderão servir como incubadores para órgãos humanos, o que obviamente levanta alguns questionamentos éticos.
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Como relatado pela BBC, pesquisadores da Universidade da Califórnia injetaram células-tronco humanas em embriões de porcos para criar quimeras (a palavra “quimera” é derivada da mitologia, mas é o termo científico usado para descrever um animal que tem informações genéticas de mais de uma espécie).
Os embriões porco-humanos foram então implantados em uma porca, onde foram desenvolvidos durante 28 dias antes da gravidez ser interrompida (o período de gestação completa de porcos é de 114 dias). Os cientistas vão analisar o tecido fetal para garantir que tudo está funcionando normalmente.
A ética por trás do estudo
Em setembro do ano passado, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH) disse que não financiaria esse tipo de pesquisa até que as consequências dele fossem conhecidas.
Mesmo que os porcos supostamente se desenvolvam como porcos normais – apesar dos órgãos humanos – há um temor de que algo desconhecido venha a acontecer, e que os porcos sejam humanizados de alguma forma.
Há uma preocupação em particular de que o material genético humano possa fazer com que os porcos quiméricos desenvolvam cérebros como o humano, mas especialistas acham que isso é bastante improvável.
Sem compartilhar das preocupações do NIH, diversos laboratórios agora trabalham para transformar isso em realidade. Embriões humano-porco já foram criados antes, mas essa é a primeira vez que os pesquisadores da Universidade da Califórnia fazem tal estudo.
Teoricamente, isso deveria fazer o embrião de porco desenvolver um pâncreas humano. No futuro, esses porcos vão poder se desenvolver e depois ter seus órgãos humanos retirados. Em resumo, servirão como incubadores para órgãos humanos. O trabalho atual está concentrado no pâncreas, mas outros órgãos podem ser usados também, como coração, fígado, rins, pulmões ou córneas.
Outras saídas
Não há dúvidas de que algo precisa ser feito sobre a falta de doadores de órgãos que o mundo enfrenta, mas essa solução já parece ser um pouco anacrônica. Esse conceito, originalmente conhecido como xenotransplante, existe desde os anos 1970.
Nos anos 1990, houve a esperança de que porcos geneticamente modificados pudessem ser usados em massa para fornecer um suprimento quase ilimitado de órgãos para pacientes, mas pesquisadores não avançaram muito em estudos por causa do temor de que humanos pudessem ser infectados por vírus animais. O advento da técnica CRISPR revitalizou essa linha de pesquisa porque biólogos agora podem remover seletivamente esses retrovírus indesejáveis.
Não é necessário dizer que defensores dos direitos dos animais não se empolgam muito com essa abordagem. Como Peter Stevenson do Compassion in World Faming disse ao programa Panorama da BBC: “Estou nervoso em relação a abrir mais uma fonte de sofrimento animal. Vamos primeiro fazer mais pessoas doarem órgãos. Se ainda houver falta depois disso, podemos considerar usar porcos, mas na base de que precisamos comer menos carne e que não haverá um aumento geral no número de porcos sendo usados para fins humanos.”
Ele não está errado. Esta solução quase distópica é meio que um passo para trás. Vários outros estudos buscam maneiras de solucionar a questão sem o uso de animais, como a bioimpressão, avanços no armazenamento refrigerado, e o campo promissor da medicina regenerativa no qual cientistas conseguem literalmente desenvolver órgãos em laboratório.
Então sim, vamos continuar essa linha de pesquisa de quimeras humano-porcos – é provavelmente a melhor solução que temos a curto prazo. As pesquisas na área se desenvolvem rapidamente, e é provável que ela fique pronta mais cedo do que os outros esforços. Mas vamos deixar claro que é apenas uma medida paliativa, e não uma solução a longo prazo.
[BBC]
Imagem: BBC Panorama