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Cloroquina aumenta o risco de morte e arritmia em caso de coronavírus, aponta estudo com 96 mil pacientes

O maior estudo observacional sobre o uso da hidroxicloroquina para o tratamento de COVID-19 mostra que o medicamento causa um aumento nos casos de arritmia cardíaca e nas mortes de pacientes.

Frasco de hidroxicloroquina

Crédito: David J. Phillip/AP

O maior estudo observacional sobre o uso da hidroxicloroquina para o tratamento de COVID-19 mostra que o medicamento causa um aumento nos casos de arritmia cardíaca e nas mortes de pacientes. Publicada nesta sexta-feira (22) na revista Lancet, a pesquisa coletou dados de mais de 96.000 pacientes de 671 hospitais dos seis continentes e analisou a diferença daqueles que receberam algum tratamento com a cloroquina e aqueles que não tomaram o medicamento.

Os cientistas dizem que os resultados apontam que não é possível confirmar benefícios no uso da cloroquina para o tratamento de COVID-19, seja usado sozinho ou em combinação com macrólidos (grupo de antibióticos como a azitromicina e claritromicina). A pesquisa aponta que o uso das drogas está associado com aumento das mortes de pacientes hospitalizados e aumento na frequência de taquicardia ventricular.

A análise foi baseada em dados de retrospectiva desses mais de 96.000 pacientes. Não se trata de um estudo controlado com grupos randomizados, considerado o padrão mais alto na ciência – porém, essa pesquisa corrobora outros estudos que já vêm indicando que o tratamento com hidroxicloroquina/cloroquina não traz benefícios.

A pesquisa foi liderada pelo pesquisador Mandeep R. Mehra, do Brigham and Women’s Hospital Heart and Vascular Center e Harvard Medical School, nos EUA, em conjunto com pesquisadores da Suíça e de outras universidades americanas.

Importe ressaltar que estes resultados dizem respeito ao uso de cloroquina ou hidroxicloroquina para tratamento de COVID-19. Esses medicamentos são seguros quando usados sob orientação médica para outras doenças, como malária ou lúpus.

Método

A pesquisa incluiu registros de pacientes hospitalizados entre 20 de dezembro de 2019 e 14 de abril de 2020, todos que tiveram testes confirmados para a presença do SARS-CoV-2, que causa o COVID-19.

Primeiro, foram selecionados 98.000 pacientes, mas os pesquisadores incluíram no grupo de tratamento apenas aqueles que começaram algum tratamento dentro de 48 horas após o diagnóstico – fosse com somente a hidroxicloroquina, hidroxicloroquina com antibiótico, somente cloroquina ou cloroquina com antibiótico.

Foram excluídos pacientes que estavam tomando remdesivir, outra droga que mostrou indícios promissores para o tratamento, além daqueles que começaram a tomar hidroxicloroquina/cloroquina enquanto estavam em ventilação mecânica ou que começaram o tratamento depois da janela de 48 horas após o diagnóstico de COVID-19.

Depois dessas exclusões, restaram 96.032 pacientes, 14.888 formaram o grupo que tomou a medicação, enquanto 81.144 estavam no grupo de controle. A média de idade dos pacientes era de 54 anos e 53% deles eram homens.

O risco da hidroxicloroquina/cloroquina

Após a coleta dos dados, os pesquisadores constaram que 9,3% dos pacientes do grupo controle havia morrido no hospital. Todos os quadros de tratamento apresentaram risco maior de morte.

Entre aqueles que tomaram somente hidroxicloroquina, 18% morreram. Quando tomaram hidroxicloroquina combinado com macrólido, a porcentagem de mortalidade atingiu 23,8%.

O mesmo aconteceu com a cloroquina: a taxa de mortalidade ficou em 16,4% entre os pacientes que tomaram o medicamento. Entre aqueles que tomaram cloroquina combinado com macrólido, a taxa de mortalidade saltou para 22,2%.

O estudo aponta ainda para um aumento de risco de sérias arritmias cardíacas.

De tratamento promissor a insistência de políticos

O tratamento com hidroxicloroquina e azitromicina ficou em evidência depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmar que o país começaria a testar a droga para tratar pacientes com o novo coronavírus. As afirmações de Trump vieram na esteira da divulgação de um estudo francês que mostravam resultados promissores no uso desse coquetel, que posteriormente foi duramente criticado pela comunidade científica. O autor do estudo já havia se envolvido em diversas polêmicas no passado.

Em abril, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) alteraram o texto em seu website removendo a orientações para o possível uso de hidroxicloroquina e cloroquina pelos médicos.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro também apostou alto na cloroquina – e continua fazendo menções frequentes ao medicamento, como em piadas ou afirmando que seus ministros precisam estar “afinados” com ele. Os dois ex-ministros da saúde alertavam sobre os riscos do uso da cloroquina. Recentemente, o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo disse em seu Twitter que negociava a compra de uma tonelada de hidroxicloroquina da Índia.

Na quarta-feira (20), o Ministério da Saúde divulgou um documento que orienta o uso da hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19. Nesta quinta-feira (21), uma nova versão foi editada com a assinatura de secretários da saúde da pasta. A Sociedade Brasileira de Infectologia não recomenda o uso. O texto do ministério mantém a necessidade de o paciente autorizar o uso da medicação e de o médico decidir sobre a aplicar ou não o remédio.

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