A entrega de ovos de chocolate e a alusão aos coelhos na Páscoa não têm nada a ver com a ressurreição de Jesus Cristo — o motivo para a celebração nas religiões cristãs. Na verdade, trata-se de uma tradição com origem pagã, costume que crê em múltiplos deuses.
Segundo pesquisadores da Universidade de Sidney, na Austrália, os humanos sempre celebraram os equinócios e solstícios como tempos sagrados. Por isso, a Páscoa parece ter começado como uma comemoração à chegada da Primavera pelos povos nórdicos muito antes do advento do cristianismo.
“O equinócio da primavera é um dia em que a quantidade de escuridão e a quantidade de luz do dia são exatamente idênticas, então você pode dizer que está saindo do inverno porque a luz do dia e a escuridão voltaram ao equilíbrio”, disse Carole Cusack, da Universidade de Sydney, à emissora ABC. “As pessoas mapearam toda a sua vida de acordo com os padrões da natureza”.
Foi só depois de Jesus que a Páscoa passou a ser associada à ressurreição de Cristo. “Nos primeiros séculos após a vida de Jesus, os dias de festa na nova igreja cristã foram anexados aos antigos festivais pagãos”, afirmou.
Segundo ela, os festivais de primavera trazem como tema a “nova vida”. Somado a isso, o alívio do frio do inverno acabou se ligando ao fato de Jesus ter conquistado a morte ao ser ressuscitado após a crucificação.
Essa perspectiva faz pouco sentido para quem está no hemisfério sul, uma vez que a Páscoa marca o começo do outono e inverno. Mas, como a região foi majoritariamente colonizada por povos nórdicos, faz sentido que a tradição também tenha vingado por aqui.
A verdade é que muitos dos costumes pagãos associados à celebração da primavera no hemisfério norte acabaram sendo absorvidos pelo cristianismo como símbolos da ressurreição de Jesus. Os coelhos e os ovos estão entre eles. A seguir, confira mais cinco curiosidades sobre a Páscoa.
Por que coelhos e ovos?
Na tradição pagã, coelhos e lebres são símbolos de Ostara, deusa do amor, da fertilidade e do renascimento na mitologia anglo-saxã, nórdica e germânica. Segura a coincidência: na primavera, os povos da antiguidade coloriam ovos e usavam lebres para celebrar a fertilidade e a renovação associados à divindade.
Assim que o cristianismo começou a se popularizar pelo mundo, a Igreja passou a usar esses mesmos símbolos para sinalizar a nova vida após a ressurreição de Jesus, disse Cusack.
Na Idade Média, a população – em especial do leste europeu – começou a decorar ovos e comê-los como guloseimas depois da missa de domingo de Páscoa, quando enfim terminava o jejum da quaresma.
Mas o primeiro registro escrito que associa os coelhos com a Páscoa só veio no século 18, no livro do professor de medicina alemão Georg Franck von Franckenau, publicado em 1722. No trecho, Von Franckenau faz menção às “lebres da Páscoa”.
Omelete gigante para Napoleão
A França costuma comemorar a Páscoa de uma maneira diferente. Os coelhos até podem não ser tão populares por lá, mas os ovos são – e muito. Na segunda-feira de Páscoa, é tradição comer uma omelete com ovos frescos, ervas e ingredientes locais, como trufas e queijo de cabra.
A tradição teria começado depois que Napoleão Bonaparte e seu exército pararam em uma cidade francesa e pediram uma omelete gigante para celebrar a data. Agora vem a parte mais interessante: essa cidade supostamente seria Bessières, no sudoeste da França, e a população faz a omelete gigante até hoje.
A receita leva nada menos que 15 mil ovos quebrados em uma panela de quatro metros de diâmetro. Pelo menos 40 cozinheiros passam um bom tempo cozinhando o alimento com colheres gigantes. Depois, a omelete é dividida entre 10 mil pessoas.
Por que a Páscoa muda de data a cada ano
É possível que você já tenha percebido que a Páscoa não tem um dia fixo no calendário anual. Tem um motivo para isso – e a responsável é a Igreja Católica.
Na primeira grande reunião da Igreja, em 325 d.C., o Concílio de Nicéia determinou que a Páscoa deveria cair no domingo seguinte à primeira lua cheia depois do início da primavera no hemisfério norte – ou seja, em 20 de março.
É por isso que a data muda de ano para ano. Mas uma coisa é certa: a Páscoa sempre acontecerá em um domingo entre 25 de março e 25 de abril. “Isso é determinado pelo movimento dos planetas e do Sol”, explicou Cusack.
Tradição alemã?
Na maioria dos países europeus, o termo “Páscoa” deriva da festa judaica de mesmo nome. Por isso, em grego a festividade fica “Pascha”, em italiano “Pasqua”, em dinamarquês “Paaske” e em francês “Paques”.
Mas, nas línguas anglo-saxãs, o feriado leva o nome de Easter (inglês) e Ostern (alemão). Tem uma explicação: eles fazem alusão a Ostara, a deusa pagã que, como já vimos, representa a renovação da primavera.
Essa relação impulsionou uma teoria que sustenta que todo o costume da Páscoa começou na Alemanha e só depois se espalhou pelo mundo. Além da associação com a deusa nórdica, historiadores defendem que a ligação entre coelhos e ovos tem como pano de fundo a Alemanha agrária.
Isso porque, na Idade Média, a quinta-feira ou sexta-feira antes da Páscoa eram tipicamente o fim do ano comercial. Dessa forma, os agricultores deveriam pagar suas dívidas aos proprietários de terras.
Por causa do jejum da quaresma, esses produtores tinham muitos ovos sobrando, o que fazia com que pagassem as dívidas com ovos cozidos e lebres que matavam em seus campos. Segundo eles, foi assim que a combinação entre coelhos e ovos se consagrou no imaginário popular.
A tradição de pintar ovos também teria começado por lá. O ovo decorado mais antigo já encontrado, do século 4 a.C., foi descoberto em um sarcófago romano-germânico na cidade alemã de Worms, ao sudoeste do país.
Quebrando ovos vermelhos na Grécia
Enquanto os franceses cozinham uma omelete gigante, os gregos quebram ovos vermelhos de Páscoa por diversão. A tradição teria começado com os primeiros cristão da Mesopotâmia, que passaram a pintar ovos de vermelho em memória ao sangue derramado por Jesus em sua crucificação.
Primeiro, os ovos vermelhos são ofertados como presente para amigos e familiares. Depois, começa a quebra dos ovos – evento conhecido como tsougrisma. É bem parecido com um brinde: as pessoas batem um ovo contra o outro enquanto trocam a tradicional saudação de Páscoa: “Christos anesti!” (“Cristo ressuscitou!”).
Na saudação, há uma brincadeira: o objetivo é quebrar o ovo do adversário sem quebrar o seu. Outras regiões, como em partes da Itália, Áustria e Suíça também repetem a tradição grega.