Nossa Lua apresenta características geológicas drasticamente diferentes no lado mais próximo e mais distante. Essa anomalia intrigou os cientistas por anos, mas novas simulações computadorizadas sugerem que a disposição assimétrica da Lua pode ter sido causada por uma antiga colisão com outro objeto – possivelmente um planeta anão.
Por milhares e milhares de anos, a humanidade não tinha ideia de como era o lado oculto da Lua. Nosso satélite natural está preso à Terra, forçando-nos a olhar perpetuamente para um de seus dois hemisférios. Com as missões Apollo, no entanto, finalmente adquirimos a capacidade de investigar essa face não visível. Para surpresa dos astrônomos, observou-se que os dois lóbulos da Lua exibiam diferenças marcantes na topografia, na espessura da crosta e na composição química. Os cientistas descobriram que essa assimetria era resultado de processos físicos antigos, mas desconhecidos.
Uma nova pesquisa publicada no Journal of Geophysical Research: Planets sugere que essa assimetria inesperada foi causada por uma antiga colisão com um objeto bastante grande, provavelmente um planeta anão.
“Este é um artigo que será muito provocativo”, disse Steve Hauck, professor de geodinâmica planetária da Case Western Reserve University, que não participou do estudo, em um comunicado à imprensa. “Entender a origem das diferenças entre os extremos da Lua é uma questão fundamental na ciência lunar”, acrescentou Hauck, editor-chefe da JGR: Planets.
O principal autor do novo estudo, Zhu Meng-Hua, do Instituto de Ciências Espaciais da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, acredita que as assimetrias foram resultado de uma colisão celestial ao analisar os dados recolhidos em 2012 pelo Gravity Recovery and Interior Laboratory (GRAIL). Esses dados mostraram que a crosta do lado oculto era de cerca de 10 quilômetros mais espessa do que a crosta no lado mais próximo. Além disso, ele também exibiu uma camada extra de crosta consistindo em materiais ricos em magnésio e ferro.
Usando os dados do GRAIL, Zhu fez uma série de simulações em computador para testar a hipótese de que uma colisão gigante tenha causado essa desproporção na Lua. Ao todo, 360 modelos computadorizados diferentes foram conduzidos para determinar se um impacto poderia produzir o mesmo tipo de características físicas observadas na Lua atualmente.
O impacto modelado de um objeto de 780 quilômetros de diâmetro, contendo um núcleo de ferro de 200 quilômetros de diâmetro, atinge a Lua a 22.500 km/h. As metades da direita representam as variações de temperatura durante o processo de impacto, e as setas pretas em (C) e (D) mostram o movimento de detritos ao redor da Lua. Imagem: JGR: Planetas/Zhu et al. 2019/AGU.
Das simulações realizadas, duas estavam em sintonia com os dados do GRAIL. Especificamente, a assimetria do lado lateral mais distante (o lado oculto) foi mostrada como sendo causada por um objeto grande, medindo 780 quilômetros de diâmetro, atingindo o lado mais próximo da Lua a 22.550 km/h, ou um objeto ligeiramente menor em 720 quilômetros de diâmetro a uma velocidade mais alta de 24.500 km/h. Em termos de comparação, o planeta anão Ceres tem 945 quilômetros de diâmetro.
Em ambos os cenários, a colisão levantou grandes quantidades de detritos que choveram de volta para a superfície lunar, particularmente no lado oposto à colisão. O material em queda enterrou a crosta primordial no lado mais distante com uma camada de 5 a 10 quilômetros de espessura, o que corresponde às observações feitas pelo GRAIL. Os autores do novo estudo disseram que o objeto que causou a colisão provavelmente era um planeta anão em órbita ao redor do Sol e não uma segunda lua da Terra.
É importante ressaltar que o novo estudo tem o potencial de resolver um mistério antigo sobre as diferenças observadas nos isótopos de potássio, fósforo e vários elementos de terras raras entre a Terra e a Lua. Essa nova teoria explica essa discrepância, sugerindo que os elementos chegaram mais tarde à Lua através do impacto.
O estudo também poderia explicar características assimétricas semelhantes vistas em outros planetas do sistema solar, incluindo Marte.
“De fato, vários planetas têm dicotomias hemisféricas, mas no caso da Lua temos muitos dados para testar modelos e hipóteses, então as implicações do trabalho provavelmente seriam mais amplas do que apenas a Lua”, disse Hauck.
É uma conclusão intrigante, mas muito dependente de modelos computadorizados. Outros pesquisadores devem executar suas próprias simulações, de preferência com dados coletados do GRAIL e de outras fontes. Seria interessante ver, por exemplo, se os padrões de precipitação observados no novo estudo podem ser comparados por outros. Pesquisas futuras também devem se concentrar na presença de material “estrangeiro” na Lua (ou seja, os remanescentes do planeta anão) que poderiam complementar as descobertas do novo artigo. Até lá, a nova teoria permanecerá apenas isso – uma teoria.