Como a Arábia Saudita quer reunir 9 milhões de pessoas em prédio linear de 170 km

Com 500 metros de altura e 170 km de comprimento, The Line, na Arábia Saudita, promete ser a cidade mais avançada e sustentável do mundo
The Line, na Arábia Saudita
Imagem: NEOM/Divulgação

A ideia de uma cidade futurista totalmente linear, com nove milhões de habitantes, muros espelhados e livre de qualquer emissão de poluentes parece, no mínimo, utópica. Porém, os árabes estão trabalhando há três anos para trazer esse conceito à realidade com um projeto ousado — e bastante caro –, a The Line (A Linha, em português).

Imagine um edifício gigante de 500 metros de altura que se estende por mais de 170 quilômetros em uma linha horizontal, desde os desertos na província de Tabuk, na Arábia Saudita, até o norte do Mar Vermelho. Essa é a The Line.

Para efeito de comparação, a The Line será pouco maior que o edifício Empire State, em Nova York, que tem 450 metros de altura. Vale mencionar que o atual prédio mais alto do mundo, o Burj Khalifa, em Dubai, mede 828 metros.

The Line já custa mais de US$ 1 trilhão

Projetada para funcionar como uma cidade completa, a The Line deve abrigar cerca de nove milhões de pessoas. Tudo isso, enquanto preserva 95% do território natural e utiliza somente energia renovável, sem a presença de carros, estradas e emissões de gases poluentes.

Quando a ideia surgiu, em janeiro de 2021, estimou-se um custo de aproximadamente US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1,02 trilhão) para tornar a The Line realidade. Porém, relatórios mais recentes apontam investimentos acima de US$ 1 trilhão (R$ 5,13 trilhões).

The Line faz parte de um projeto maior da Arábia Saudita, o NEOM

The Line faz parte de um projeto maior da Arábia Saudita, o NEOM (Imagem: NEOM/Divulgação)

A The Line é apenas uma das etapas de um plano em escala muito maior: o NEOM. Até 2030, os árabes têm a meta de construir o complexo futurista NEOM, no noroeste da Arábia Saudita. Nesse espaço, existirá não só a The Line, como também:

  • o porto flutuante Oxagon;
  • o destino turístico montanhoso Trojena;
  • a ilha de luxo Sindalah.

No caso da The Line, especificamente, o investimento virá direto do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF, na sigla em inglês). Não é segredo que o PIF guarda quantias exorbitantes de dinheiro. Se há um fundo público que tem capacidade, dinheiro e poder para construir um megaprojeto deste tamanho, é o PIF.

O projeto ainda tem aprovação de Mohammed bin Salman bin Abdulaziz, príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita. É válido explicar que todas as decisões referentes à The Line e ao NEOM não consideram os interesses da população do país, já que a Arábia Saudita é uma monarquia absoluta, na qual o rei é chefe tanto do estado quanto do governo.

The Line promete ser 100% sustentável e carbono zero

Na cidade futurista, não haverá carros. Para locomoção, os habitantes vão utilizar um trem operado por inteligência artificial, capaz de cruzar a cidade em 20 minutos. Apesar de longa, a estrutura será estreita, com cerca de 100 metros separando as construções dos muros espelhados.

Residir em uma estrutura tão gigantesca implica um estilo de vida claustrofóbico. Mas, na teoria, cada morador terá cerca de 1.000 m³ de volume urbano disponíveis para uso pessoal.

The Line vai cruzar os desertos da Arábia Saudita, até o Mar Vermelho

The Line vai cruzar os desertos da Arábia Saudita, até o Mar Vermelho (Imagem: NEOM/YouTube/Reprodução)

Em comparação, um apartamento em São Paulo tem, em média, 96 m² de acordo com um estudo promovido pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em 2023. Ao considerar um pé direito de três metros, dá encontrar um volume aproximado de 290 m³.

Com promessa de emissão zero de carbono, a The Line irá utilizar energia de fontes renováveis, reciclar águas residuais e aplicar as mais recentes tecnologias de cidades inteligentes no cotidiano dos moradores.

O que pouco se fala sobre o projeto da The Line

Apesar de tudo parecer muito bonito, na teoria, existem questões importantes que a Arábia Saudita evita comentar, como possíveis problemas sociais e ambientais.

Por exemplo, como as paredes externas espelhadas vão afetar o ecossistema do deserto em volta da cidade? Como será a organização interna das construções? Como vai funcionar o transporte vertical, já que a estrutura terá 500 metros de altura? Nenhuma dessas perguntas têm resposta até o momento.

A Arábia Saudita espera construir a The Line até 2030, mas o projeto faz pouca menção a fatores fundamentais no funcionamento de uma cidade, como:

  • estrutura das comunidades;
  • diversidade de composições familiares;
  • dados de projeções demográficas;
  • plano de governança;
  • direitos individuais (igualdade de direitos, propriedade, acesso a serviços sociais, envolvimento cívico e cidadania);
  • tolerância de diversas crenças religiosas e espirituais. No texto do projeto, os governantes citam apenas que a cidade terá a “experiência humana” no centro, com “leis progressistas” e “empoderamento individual”.

Por enquanto, em vez de olhar para o bem-estar da sociedade, o marketing da The Line prioriza sustentabilidade ambiental, tecnologia, luxo, estilos de vida profissionais, inovação e localização estratégica.

O projeto impressiona, mas existe a dúvida se fica pronto em menos de seis anos. Até o momento, as obras não começaram, nem há previsão para isso acontecer. De qualquer forma, o dinheiro e a vontade de colocar a ideia em prática existem. Resta saber se a The Line vai conseguir atrair os moradores que necessita para ser um sucesso.

Murilo Tunholi

Murilo Tunholi

Jornalista especializado em tecnologia, jogos, entretenimento e ciência. Já passou por grandes redações do Brasil (TechTudo, Tecnoblog, Terra e Olhar Digital) e trabalhou com relações públicas e assessoria de imprensa na Theogames, atendendo à Blizzard Entertainment e mais clientes do mercado de videogames. É apaixonado pela cultura geek, música e produção de conteúdo. Nas horas vagas, é aspirante a artista marcial e cozinheiro.

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