Reportagem: Camila Neumam/Instituto Butantan
Ser picado por uma aranha não é algo comum e identificar se ela é peçonhenta ou não requer um olhar de um especialista. De forma geral, a picada acontece acidentalmente porque a aranha reage institivamente ao se sentir ameaçada. Há inúmeras espécies circulando por aí cujas picadas não causam reações graves à saúde, mas espécies de três gêneros de aranhas peçonhentas são considerados de importância médica, diante do risco que suas picadas causam as pessoas.
“São as aranhas do gênero Phoneutria, mais conhecidas como aranha-armadeira; as do gênero Loxosceles ou aranha-marrom; e as do gênero Latrodectus ou viúva-negra, nas quais os venenos têm características e sintomas bem específicos que requerem atendimento médico”, explica a médica Ceila Malaque, do Hospital Vital Brazil (HVB), vinculado ao Instituto Butantan, órgão da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
O termo “importância médica” indica que os venenos dessas espécies de aranha são perigosos para saúde, ao mesmo tempo em que são matéria-prima na produção do soro antiveneno, usado no tratamento.
Identificação é fundamental
Apenas especialistas são capazes de identificar essas espécies. Mas, em caso de suspeita ou confirmação de picada por aranha, não hesite em procurar um serviço de saúde para confirmação. De preferência em posse da aranha ou de uma foto nítida dela.
“Trazer a aranha em um pote, ou conseguir registrá-la em uma foto bem focada, ajuda a encontrar um nexo causal do acidente. É fundamental saber qual aranha que causou a picada. Por isso é importante capturá-la e levá-la para a avaliação médica, para evitar erro na conduta”, explica Ceila.
Não é indicado mostrar fotos retiradas da internet, mesmo que possam parecer com a aranha que foi vista, porque pode não ser da mesma espécie. “Isso pode comprometer o sucesso do tratamento”, reitera a médica.
Apesar de a maioria das aranhas que vivem em ambientes urbanos não serem peçonhentas, o mais indicado é evitar o contato com qualquer espécie.
“Todas as aranhas são venenosas, mas as peçonhentas são aquelas cujo veneno causa uma reação mais grave nas pessoas”, explica o aracnologista e pesquisador científico do Instituto Butantan Antonio Brescovit.
“Não conhecemos em totalidade os efeitos dos venenos das aranhas não peçonhentas nos seres humanos, mas, aparentemente, a maioria não causa grandes problemas. Por ora, já conhecemos as aranhas peçonhentas porque elas vivem em ambiente urbano e são consideradas domésticas”, completa.
As aranhas Phoneutria e Loxosceles, por exemplo, têm como habitat natural as áreas de mata. Mas, com a urbanização, passaram a se fixar nos ambientes urbanos, inclusive dentro de residências, especialmente no interior de armários e em depósitos, aumentando o número de acidentes. Já as do gênero Latrodectus vivem em áreas abertas de ambientes urbanos, dentro das suas teias. Quando perturbadas, tendem a cair no solo e, assim diminuiu a chance de contato e de acidentes.
“As picadas ocorrem com mais frequência quando alguém pega algum objeto dentro de um armário ou em locais com restos de material de construção sem ver a aranha, que apenas reage a uma possível ameaça”, afirma o aracnologista.
Investigação
Quando não se tem a aranha ou a foto dela, os médicos definem sua conduta a partir da investigação do acidente. Eles questionam o que aconteceu na hora da picada, o que aconteceu depois e se houve mudança no ferimento até a chegada ao hospital.
“Com essas características e alguns exames de sangue, conseguimos montar um quadro e avaliar se é mais compatível com a Phoneutria, com a Loxosceles ou com a Latrodectus”, destaca Ceila.
Os sintomas ajudam inclusive a delimitar se, de fato, houve um envenenamento por picada de aranha quando não há certeza. “Quando os sintomas não são compatíveis, podemos descartar a necessidade do uso do soro antiveneno, administrado exclusivamente para neutralizar o envenenamento. Se realmente houver uma lesão cutânea, podemos sugerir um dermatologista”, explica a médica.
Sintomas e tratamento das picadas de aranhas de importância médica
1. Aranha-armadeira (Phoneutria)
As nove espécies de aranhas do gênero Phoneutria, conhecidas como aranha-armadeira ou aranha-das-bananas ocorrem em países da América do Sul e Central. Elas são encontradas em plantações de bananas e, em áreas urbanas, geralmente dentro de roupeiros e armários de residências. O seu tamanho varia entre 1,7 a 4,8 cm de corpo e até 15 cm de pernas. Consideradas extremamente agressivas, elas atacam ao se sentir ameaçadas.
São conhecidas como armadeiras por “se armarem” quando se sentem atacadas. Ou seja, esticam as pernas anteriores para cima e sentam sobre o abdômen e, se preciso, pulam em direção a quem estiver as ameaçando.
Sintomas da picada
Dor imediata, que pode ser leve, moderada ou muito intensa. Pode ocorrer vermelhidão e inchaço no local da picada e, em casos mais graves, porém raros, o envenenamento evolui para um edema pulmonar. Vômitos e sudorese podem surgir, principalmente em crianças. Os sintomas aparecem até uma hora após o acidente.
Tratamento
No hospital, trata-se primeiro a dor com remédios, de acordo com a intensidade. O soro antiaracnídico é indicado quando a dor não passa e surgem outras manifestações no corpo. Em crianças, o soro é sempre indicado em caso de manifestações sistêmicas, pois o envenenamento tende a se agravar com mais rapidez nelas e, apesar de rara, a letalidade é maior neste grupo.
2. Aranha-marrom (Loxosceles)
As 19 espécies de aranhas do gênero Loxosceles que ocorrem no Brasil não são consideradas agressivas, tendendo a picar somente por defesa quando pressionadas junto ao corpo humano. “Chamá-la de marrom não ajuda a identificá-la, já que existem algumas como a Loxosceles intermedia que é avermelhada e ocorre praticamente no sul do Brasil. Mas o nome se popularizou e ela passou a ser identificada assim”, conta Brescovit.
Sintomas da picada
Dor leve a moderada no local da picada. Em até 24 horas, porém, pode surgir uma lesão arroxeada e dolorida, que tende a progredir para uma necrose em até três dias. Essa evolução vai depender da quantidade de veneno que foi injetada.
Em alguns casos, o envenenamento pode causar anemia e icterícia, e os de maior gravidade podem levar à insuficiência renal e à morte. Estes quadros ocorrem devido ao processo de hemólise (quebra de hemácias do sangue), típico deste tipo de envenenamento, que é comprovado por exames de sangue.
A necrose característica do veneno da Loxosceles pode ser confundida com outras infecções cutâneas, por isso outras manifestações também devem ser consideradas. “Não é só o veneno da Loxosceles que causa necrose, infecções fúngicas, bacterianas e algumas virais também. Se um paciente chega com necrose dizendo que foi picado ontem, não pode ser por Loxosceles. Além disso, a picada dela não causa pus”, destaca Ceila.
Tratamento
O soro antiaracnídico tem a função primordial de neutralizar o veneno e, por isso, é indicado mesmo dias depois da picada, se for comprovado o processo de hemólise no organismo. Se aplicado em até 48 horas após o acidente, o soro pode ainda prevenir a necrose cutânea e, por consequência, a perda de tecido no local da picada.
3. Viúva-negra (Latrodectus)
Das mais de 60 espécies de aranhas deste gênero já descobertas no mundo, algumas ocorrem no Brasil, como a peçonhenta Latrodectus curacaviensis, conhecida popularmente como viúva-negra ou flamenguinha. A Latrodectus geometricus ou viúva-negra doméstica é a mais incidente no Brasil, mas sua picada é superficial, ou seja, não apresenta gravidade.
Sintomas
A picada da viúva-negra gera um ponto avermelhado e pode provocar dor intensa, ardência e queimação – síndrome conhecida como latrodectismo. Em algumas pessoas, a dor pode se espalhar pelo corpo, causando tremedeiras, espasmos, náuseas, dor e contratura abdominal e sudorese. À medida que o veneno se instala na corrente sanguínea, pode aumentar a frequência respiratória e a sensação de mal-estar e de ansiedade.
Tratamento
A depender da intensidade da dor, o paciente pode ser tratado com analgésicos por via oral, venosa ou por bloqueio anestésico. O soro antilatrodéctico, fabricado pelo Instituto Vital Brazil, do Rio de Janeiro, é indicado para quadros sistêmicos de envenenamento pela picada