Como mudar o mundo com a ajuda de todo mundo
Se você vive em alguma grande cidade brasileira, você passa cada vez mais tempo preso no trânsito, não acha espaço para passear em calçadas mal-cuidadas e sabe que andar de bicicleta no meio dos carros é uma solução um pouco arriscada. Nós nos resignamos, achamos que não há alternativas, mas ao mesmo tempo costumamos falar que “no primeiro mundo” é diferente. Mas como exatamente? Sempre foi assim? O que foi feito para mudar a mentalidade, quais os melhores projetos?
Para melhorar as coisas por aqui, precisamos estudar os bons exemplos das chamadas “Cidades para pessoas” em outros países. E é exatamente isso que a ótima jornalista Natália Garcia vai fazer, em um projeto que só é possível em tempos de internet: ela tem uma boa ideia, quer mudar o mundo, mas só vai conseguir fazer isso se gente o suficiente puder ajudar. O projeto dela é um bom exemplo do chamado Crowdfunding, e pode te inspirar.
Natália criou o projeto Cidades para Pessoas em pouquíssimo tempo. A motivação é clara e urgente: achar soluções aplicáveis para acabar com o caos de grandes cidades brasileiras, especialmente para São Paulo, onde ela vive. A inspiração está no trabalho do gênio urbanista dinamarquês Jan Gehl, que irá recebê-la no início da empreitada, e vai ajudar a explicar como os habitantes da capital dinamarquesa hoje usam transporte público, bicicleta e carro em igual proporção (graças às suas ideias nos anos 60).
Para viabilizar a coisa que entra o tal do crowdfunding. Natália só levará adiante o projeto, que envolve produzir dezenas de reportagens, vídeos e todo tipo de informação sobre essas cidades modelo, se gente o suficiente investir na ideia. O investimento não é exatamente “dar dinheiro para ganhar dinheiro.” Pessoas familiarizadas com o “financiamento colaborativo” já conhecem o mecanismo: quanto mais você investe, mais retorno você tem em formas que o autor do projeto definir. No caso do Cidades para Pessoas, quem doar R$ 20 recebe por e-mail um update semanal sobre todos os posts e reportagens. Quem paga R$ 130, recebe um livro com tudo compilado. Quem abrir a mão e doar R$ 1.000 (normalmente raros políticos bem-intencionados, ONGs e empresas), receberá uma consultoria informal do próprio Jan Gehl sobre soluções para o problema do seu bairro ou cidade. Se o projeto não atingir o investimento mínimo, você recebe a grana de volta. Se o resultado ficar aquém do esperado, também dá para pedir o estorno do investimento.
O crowdfunding existe há algum tempinho, e grande inspirador gringo é o Kickstarter, que já conseguiu coletar milhões de dólares para financiar projetos fantásticos, especialmente produtos artísticos como curtas-metragens, sites e documentários. O fato de ele ter vários casos de sucesso para contar mostra como o modelo funciona bem – o que significa que há gente honesta e bem intencionada tanto entre os financiadores e os autores dos projetos. A ideia é sempre a mesma: além de ajudar a pessoa por trás do projeto a levar o sonho adiante, o investidor ganhar algum benefício, como acesso a obra que ajudou a financiar. Um bom exemplo de um projeto bem formulado é este aqui:
Qualquer semelhança com a página do Cidades para Pessoas (compare esta com a imagem lá de cima) não é mera coincidência. O Catarse, site que hospeda o Cidades para Pessoas e dá todo o suporte legal e diretrizes para um bom projeto – é fortemente inspirado no Kickstarter. Até agora, o crowdfunding no Brasil parecia restrito a sites como o Vakinha, que permite a você ajudar ONGs ou dar uma força para um amigo a comprar um videogame. Mas o modelo está amadurecendo, com o Catarse ou o Multidão, exclusivo para projetos culturais, que começou agora. Talvez sejam bons lugares para conseguir a ajuda necessária para realizar um projeto seu. Conversei com a Natália para saber como ela fez:
Como você teve a ideia de contar com a ajuda das pessoas para financiar o projeto?
Foi bem por acaso que caí na história. Não sabia que o crowdfunding existia, aí fiz uma matéria sobre isso para a Galileu. Achei a ideia interessante aplicada ao jornalismo: o leitor está comprando por uma reportagem que quer ler, sem precisar pagar a um veículo de comunicação. Durante a matéria entrevistei o pessoal da Catarse. E eu tinha um projeto, formatei no padrão em 10 dias. Fiquei pensando nas recompensas, quais seriam interessantes, as empresas que se interessariam, estabeleci tudo e fiz o vídeo.
Quem está ajudando?
Hoje 85 pessoas já contribuíram com R$ 6.500 no total. Dessas, eu devo conhecer menos de 30. Os meus amigos mesmo ainda não compraram, ficam naquela de “deixa o meu salário cair que eu apoio”. Mas já consegui que três empresas comprassem a cota maior. A lógica do negócio é que quando você mostra que tem relevância para os pequenos, os grandes vêem. E há ONGs querendo apoiar como, o Nossa São Paulo, Cidades Sustentáveis. Tudo que eu encontrar de bacana que pode ser uma “proposta para as cidades brasileiras” eu vou postar no Cidades Sustentáveis. O que eu produzir vai ter licença Creative Commons – quero que ele possa ser usado no banco de dados de universidades, livrarias, e outros sites.
O que você tem a dizer aos desconfiados que acham que você só vai viajar par cidades bacanas às custas dos outros?
Já ouvi isso algumas vezes. Mas basta ver o projeto. As pautas que eu vou fazer estão especificadas lá e não é pouca coisa. São 4 grandes temas, dois posts semanais. Vou sempre fotografar faixas de pedestres, semáforos, ciclofaixas. Vou produzir bastante material e na verdade é um cronograma até um pouco apertado. Mas qualquer pessoa que tiver pagado e disser que eu não contemplei o que prometi, o cara pode ir lá e pedir o dinheiro de volta – o Catarse tem um termo de segurança.
Mas as cidades pelas quais você vai passar não são “bons exemplos” simplesmente por serem cidades ricas?
Talvez seja mais fácil fazer as coisas pelas cidades ricas. Mas há um critério muito bem definido da escolha das cidades para o projeto (serão 12, uma por mês), baseado no trabalho do Jan Gehl, que já até sugeriu um projeto para São Paulo que foi ignorado. Aliás, é interessante a reação dos dinamarqueses quando ele disse que queria uma cidade para pessoas, nos anos 60, e fechou uma rua para que só passassem pedestres. Os jornais da época reclamaram, diziam “A gente não é italiano, é dinamarquês”. Mas hoje é a cidade com mais pessoas proporcionalmente usando bicicletas como forma de transporte no mundo. Ele começou um processo cultural, de não privilegiar o carro. As outras cidades também tiveram esse processo e nós ainda não chegamos a ele, é bom lembrar as pessoas.
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Como os leitores do Giz sabem, nós aqui adoramos bons exemplos de soluções para os problemas das grandes cidades, e gostamos de investigar e divulgar o assunto. Porque isso é importante: o simples fato de alguém ler sobre a solução urbanística de uma cidade pode ser o impulso inicial para as mudanças por aqui acontecerem. Meu post de um ano atrás sobre o sistema de aluguel de bicicletas de Barcelona foi retuitado até por deputados – quem sabe a receita não é aproveitada em alguma cidade brasileira?
É o que eu espero que aconteça com as ideias apresentadas no Cidades para Pessoas. E se você souber de outro projeto bacana como o da Natália, avise nos comentários. E divulgue (e ajude, se achar bacana) a ideia.
[Cidades para Pessoas. Foto de ciclista em Copenhague por Greg McMullen]