Como o iPad 2 virou meu videogame favorito

De muitas madrugadas jogando Counter-Strike a 15 temporadas de Fifa sem simular um jogo, passando por um quase troféu de platina no infernal Demon’s Souls, eu tenho o currículo do que as pessoas podem chamar de “gamer hardcore”. E, mesmo assim, quando o primeiro iPad chegou em maio do ano passado à minha casa, os […]

De muitas madrugadas jogando Counter-Strike a 15 temporadas de Fifa sem simular um jogo, passando por um quase troféu de platina no infernal Demon’s Souls, eu tenho o currículo do que as pessoas podem chamar de “gamer hardcore”. E, mesmo assim, quando o primeiro iPad chegou em maio do ano passado à minha casa, os videogames foram perdendo atenção. Primeiro, o Nintendo DS e o PSP entraram indefinidamente na gaveta. Depois foi a vez do Wii, que foi parar no MercadoLivre. Com a chegada do iPad 2, o meu PlayStation 3 recolheu Killzone 3 e GT5 para o rack e o Xbox 360 ficou restrito a partidas aleatórias de FIFA 11 e Rock Band 3 quando rola alguma festa por aqui. O iPad 2, conhecido pela maioria como iPod gigante rei de jogos bobinhos, é o meu principal videogame. Eu certamente não sou o único a passar por isso e acho que a minha experiência mostra uma importante mudança na indústria de games, nos jogos e, por que não, nos jogadores.

 

Aviso

Isso não é um review do iPad 2 completo, propriamente dito, mas do tablet como videogame. Como é comum em nossos reviews, gosto de avisar sobre a minha experiência e preferências – que de certa forma irão guiar o texto. Eu entendo um bocadinho de videogames, desde o primeiro Atari. E, de uns anos pra cá, além de jogador virei um estudioso do assunto. Imediatamente antes de vir para cá, eu escrevia sobre games para Superinteressante (tinha um blog lá), VIP, Playboy ou Rolling Stone, além de entrar em esporádicas brigas no Fórum UOL Jogos para defender o joystick do primeiro Xbox. Amo videogames desde sempre e não tenho muita paciência com Angry Birds, mas odeio os rótulos de “gamer hardcore” ou casual. E no campo de tablets, já usei alguns com Honeycomb e uso o iPad desde a primeira geração, além de o iPhone 4 há um ano. Gastei centenas de dólares testando os ditos “joguinhos” para poder opinar alguma coisa sobre. E para me divertir, é claro. No caso de jogos especificamente, eu gostaria muito de ter mais tempo para investir nos jogos “grandes” – este post não é para diminuir os Modern Warfares da vida, que fique claro. Como o título deixa claro, essa é a minha opinião baseada nas minhas preferências e experiências, que obviamente podem ser diferentes das suas.

 

O hardware

O que você precisa saber é que em termos de capacidade computacional, com o A5 e a GPU PowerVR SGX543MP2, o tablet da Apple é bastante, bastante potente, capaz de coisas belíssimas como Infinity Blade ou Real Racing 2. “O iPad 2 tem metade do processamento de um Xbox 360 ou PS3”, diz John Carmack, o cara que saberia do assunto. Poderíamos perder bastante tempo falando dos teraflops e aceleração gráfica, mas como a Nintendo pode te dizer, isso é só um pedaço da história. Fora aqueles 14 caras que ainda falam “Roda Crysis” nos comentários, há tempos deixamos de nos apegar ao gráfico exclusivamente. Qualquer lista de melhores jogos da geração atual de videogames deve incluir títulos como Limbo, Braid e Super Mario Galaxy – coisas que eu não duvidaria que o iPad 2 seja capaz de rodar. Boa parte do que escrevo aqui se aplica ao primeiro iPad, mas em relação ao tablet do ano passado, a velocidade para abrir os apps (ou alternar entre eles) e as texturas extras realmente deram aquele empurrãozinho extra para tornar o iPad 2 o meu atual videogame favorito.

http://www.youtube.com/watch?v=p5ktSe5wkuk

Para fins de jogo, além da velocidade, o que importa é que o toque é preciso, como é marca da Apple, e a tela tem o tanto certo de brilho e vividez de cores – fora que deixando a 50% ele sobrevive bem a pelo menos umas 8 horas de jogatina. Obviamente ele não é tão ergonômico quanto um controle ou console portátil, mas com 600g ele é relativamente leve. Mas em longas sessões de jogatina, ele invariavelmente ficará no seu colo. Cuidado com a postura pra não estragar o pescoço, menino.

O calcanhar de aquiles do iPad, as pessoas obcecadas por specs vão dizer, são os 512 MB de RAM. Tecnicamente é pouco – os tablets com Honeycomb costumam ter o dobro. Mas o que importa é que se você sair de um joguinho ele normalmente vai voltar onde você tinha parado (com raras exceções) e vai rodar sem soluços. Mesmo se você abrir dezenas de jogos, é raro o iPad 2 ficar lento, como é comum em tablets concorrentes na mesma situação. Para games, especificamente, a multitarefa “de mentira” – que não deixa o programa rodando de fundo – é uma vantagem.

Ainda sobre a concorrência, a solução da Apple é melhor que o Tegra 2, chipset presente em 99% dos tablets com Android. Isso é claramente verificável em qualquer benchmark que você rodar, como estes feitos pelo pessoal do Anandtech:

A resolução do iPad é um pouco menor, (1024×768 contra 1280×800), mas a tela e “área de trabalho” acabam sendo maiores, por causa do formato (mais ou menos 4:3 do iPad, contra 16:10 dos tablets com Android) e a barra de tarefas sempre aparente nos tablets com Honeycomb, que comem espaço. Quando eu mostrei a um engenheiro da nVidia a diferença de performance entre um iPad 2 e um tablet com Honeycomb na minha mão (os dois rodando o mesmo jogo), ele me disse que era injusto comparar o chip gráfico do iPad 2 com o Tegra 2, já que falávamos de um produto de segunda geração (o iPad 2) com um de primeira – apesar do nome, o Tegra só chegou aos tablets em sua segunda versão. A nVidia se concentra em falar no Kal-El, que deve chegar ainda no fim do ano aos tablets com Android e, pelas demos, é realmente impressionante. Resta saber se os desenvolvedores estarão interessados.

Mas por ora, se você cogita jogar mais seriamente em um tablet, não há a menor concorrência. Há mais de 18 mil jogos desenvolvidos ou adaptados para o tamanho de tela para o iPad e um número desconhecido – na casa ou inferior a uma cententa – pensados para Honeycomb. É por causa deles que eu virei um gamer de iPad.

 

Os jogos

Da mesma forma que é fácil desgostar do iPad como notebook (experimente escrever um artigo longo alternando entre pesquisas na Web e processador de texto), é incrivelmente fácil desistir dele como videogame. Basta se concentrar nas fraquezas, desdenhar os “jogos bobinhos” ou ver como ele falha em emular uma experiência familiar de jogos.

O que as pessoas estão mais ou menos acostumadas no videogame, como jogos de tiro, luta ou ação em 3D, por exemplo, não se dão tão bem na tela touch se não forem pesadamente adaptadas. Jogadores sérios vão xingar quando o passe não for preciso em Fifa do iPad ou o seu dedo errar o botão de tiro e jogar uma granada em qualquer genérico de Modern Warfare. Se você pensar estritamente como um jogador de DualShock na mão, encontrará no tablet um prato cheio para críticas. Não dá pra jogar sério! Os controles são imprecisos! Joystick virtual foi criado pelo demônio!

Dead Space HD: Gráficos maravilhosos, falta um controle

Bater no iPad é sempre mais legal, e mais fácil. Mas dar uma chance para ele é certamente mais recompensador.

A jornada de um gamer de iPad tem normalmente três caminhos. Com o risco de generalizar demais, posso dizer que por observação de pessoas que têm o aparelho e o ranking de mais vendidos, o mais comum é o dono da tábua baixar Angry Birds HD e ficar por ali nas adjacências de jogos bacanas, engenhosos, mas bobos e que dependem de sorte, com sessões que duram cinco minutos – basicamente a reprodução de muitas coisas do iPhone/iPod com um pouco mais de tela. Não é que não existam boas coisas aqui (Flight Control HD! Cut the Rope!), muito pelo contrário, mas eles não são exatamente o que distinguem o iPad 2 e que fazem um TRU GAMER como eu se apaixonar pela máquina.

Há uma segunda vertente, que entra de cabeça nos jogos bonitos e ambiciosos de grandes softwarehouses, como Real Racing HD 2 ou Dead Space HD, títulos que têm bastante conteúdo, demostram toda a capacidade de hardware do iPad 2 – e sua incapacidade de prover controles precisos em situações análogas aos videogames comuns. Esse caminho, onde os jogos são mais caros (entre 3 e 10 dólares), serve para quem não tem videogame e quer se mostrar para os amigos, na maior parte do tempo. É possível se divertir com eles, mas a cada “uau, olha o que o iPad 2 consegue fazer” em um título como Dead Space HD, eu não conseguia tirar a minha cabeça de por que eu não estava tirando o plástico do Dead Space 2 de verdade que eu tenho na gaveta.

Ainda há uma terceira via, que é muito grande para criar uma regra, mas que vai do gamer de nicho (que curte adventures visuais, jogos de estratégia e puzzlers), passando pelos que gastam tempo com adaptações de jogos de cartas e tabuleiro. Ou, de maneira mais ampla, quem reconhece o iPad como plataforma única, diferente, que não tenta imitar as outras. É possível ser uma mistura e se divertir em qualquer uma das três experiências, mas eu me sinto mais à vontade aqui.

http://www.youtube.com/watch?v=_VWpkhQkg0Q
Em Hunters HD: Episode One, o clássico estilo top down de estratégia por turnos, que fez minha adolescência em X-Com, acha uma nova casa.

Curioso com a plataforma e disposto a gastar muitos gift cards em nome da ciência, passei por todos estágios, obviamente. Um bocado como Tom Bissell, o autor do melhor livro sobre videogames dos últimos anos, Extra Lives: Why Video Games Matter. Ele descreve por que ficou tão entusiasmado com alguns jogos:

“Eu nunca fui muito de jogar em portáteis, celulares, ou jogos pequenos em geral, mas depois de gastar várias semanas jogando coisas no iPad, eu posso dizer que os melhores jogos dele garantem o mesmo tanto, se não mais, de atenção e comprometimento consistente do jogador que os seus parentes dos consoles. Na verdade, um bom jogo de iPad oferece uma experiência em que as impurezas dos jogos de console são removidas. Muitos desses jogos puros tem muito pouco da ambição narrativa (ou, para colocar de maneira menos gentil, gordura) típica dos jogos de console, e, como consequência, não se importam em puxar as mesmas cordas de ativação emo-cognitiva. Eles ficam na sua cabeça, pode ter certeza, mas por diferentes caminhos. Outra maneira de dizer isso é que os jogos tradicionais fazem tudo ao alcance deles para formar um relacionamento com você, o que pode ser bem legal e recompensador, com igual frequência, bastante tedioso. Jogos de iPad, por outro lado, são como pessoas bonitas que você encontra em um bar e se vê transando em um banheiro dez minutos depois. Isto não é uma crítica.”

Eu sei que há gente que defende que as histórias e diálogos de jogos como Metal Gear são realmente bons e que os personagens de Heavy Rain são densos – tendo a crer que são pessoas que não tem muito contato com outras formas de arte como literatura ou cinema de alto nível. Mas o que Bissel quer dizer e eu entendo completamente é que os jogos tradicionais estão cheios de gordura. Mesmo nos jogos onde a história e os diálogos realmente são muito bons, como Red Dead Redemption, você passa um bocado de tempo simplesmente empurrando a narrativa com a barriga, completando quests ridiculamente simples que apenas inserem novas funcionalidades do jogo (quem se divertiu em tocar o gado?) e não representam um real desafio, já que sempre há um save próximo. Às vezes somos simples agentes para avançar a campanha e, para Bissell, essa divisão de “jogos-joguinhos” (representados pelo iPad) e “grandes jogos” pode ser interessante porque os LA Noires da vida passarão a ser avaliados mais pela questão narrativa e integração de mecânicas, enquanto os jogos de iPad, pela diversidade, diversão e desafio.

É claro que para ser divertido e prazeirosamente desafiante ao mesmo tempo, o jogo de iPad tem de entender que ele é um jogo de iPad. E que ele não tem botões ou alavancas.

 

Entendendo a função do toque

Por mais que tenha gastado boas horas nos ótimos God of War e Monster Hunter do meu PSP, eles eram versões diminutas de um estilo que funciona melhor em uma TV de 40” com um controle de verdade na mão. Na verdade, por coincidência, os meus títulos favoritos, únicos e interessantes dos portátees eram coisas como The World Ends with You, Elite Beat Agent e Picross, que faziam mais sentido com a touchscreen do DS e ofereciam uma experiência única. Em outras palavras, Picross é melhor no DS que no Xbox, assim como o Carcassonne de iPad é melhor que o Carcassonne da Live. E eu sempre sou a favor de usar o aparelho mais eficiente para a tarefa  — quando alguém que pensa em comprar um tablet pergunta se o iPad “abre arquivos do Word” eu já mando esquecer da ideia. Abre, mas qual o propósito de se torturar?

Então o melhor é usar o tablet para o que ele faz melhor. No caso de jogos, jogar aqueles pensados para o toque e para o tamanho de tela. Para explicar o que funciona melhor e por que o iPad é uma plataforma única, escolhi quatro exemplos.

 

http://www.youtube.com/watch?v=W6SHUpY3UQY

Anomaly  Warzone Earth HD: Este é o jogo que me fez ter vontade de escrever este artigo. Anomaly: Warzone Earth não nasceu no iPad – há versões para PC e Mac, mas quem o traduziu para o tablet fez um trabalho brilhante. O jogo tem um roteiro de ficção científica qualquer do tipo “aliens invadiram uma cidade, mate todos eles” e funciona como um Tower Defense ao contrário: use o dinheiro para comprar tropinhas e andar pelas ruas das cidades matando as torres de defesa do inimigo. Dinheiro dá direito a mais tropas e upgrades, e de tempos em tempos aparecem alguns power-ups para ajudar na tarefa. O vídeo acima dá uma ideia de como é a coisa.

Por que Anomaly funciona lindamente no iPad? Os botões são gigantes e posicionados nos cantos da tela. Eles estão sempre ao seu alcance e é impossível se confundir. Não há submenus, direcionais virtuais, não é preciso ficar tocando na tela para movimentar a câmera ou mudar a rota (a ação para quando se faz isso). Ao longo de suas 15 fases e do posterior viciante modo sobrevivência, Anomaly é um exercício de clareza e de pureza do gênero. Porque o mais importante é que ele é um jogo bastante limitado.

Nos primórdios dos jogos de estratégia em tempo real (falo de Dune 2 e coisas parecidas), esse gênero primava pela estratégia acima de basicamente qualquer coisa. A ideia é que, ao ver o mapa, você crie um plano de quais prédios construir primeiro, quais áreas guardar, qual o tamanho da tropa e quais unidades você vai construir até atacar, quanto você vai desviar do caminho principal para ganhar recursos (e arriscar unidades), quando usar os recursos extras, etc etc. Boa parte dessas decisões pode ser tomada no início da fase, na fase de elaboração do plano, do grego estrategia.

Acontece que os últimos RTSs tem tantas unidades, árvores tecnológicas complexas e mapas gigantescos em 3D que a parte “real-time” acaba tomando precedência: uma das medidas mais famosas de excelência dos coreanos-robôs de Starcraft é a de “ações por minutos” (veja este cara fazendo 300). No iPad não há atalhos de teclado e mouses com 5000 dpi, então recriar algo assim tende a não dar exatamente certo (apesar de algumas pessoas gostarem de Starfront, bem-feito clone da Gameloft). Anomaly equilibra o “estratégia” e o “tempo real”, com os reflexos sendo necessários para usar os power-ups na hora certa, salvar uma unidade e fazer uma mudança de curso no último instante. Na última missão (que deve durar uma boa meia hora, sem morrer) a coisa é um bocado frenética, mas nunca exigindo mais do que dois dedos. O jogo existe no iPhone também e as fases são as mesmas, mas a tela grande faz um bocado de diferença, e em jogos de estratégia mais complexos, ver a ação completamente faz toda a diferença.

Por ter “purificado” o RTS aos seus conceitos e qualidades primordiais, criado uma interface incrível e gráficos/performance primorosos, Warzone virou queridinho da crítica, e tem a incrível média de 99 no Metacritic.

 

http://www.youtube.com/watch?v=1UkgTGfuay0

DrawRace2HD: O conceito é simples, explicado neste vídeo aí em cima: você desenha o traçado, passando o dedo mais lentamente em momentos que quer o seu carrinho mais devagar, e soltando pinceladas rápidas no retão. Depois, nas duas voltas você assiste a sua criação (e eventuais derrapadas), podendo dar um turbo de quando em vez.

DrawRace 2 HD é uma experiência de corrida extremamente compactada e amplificada. Da mesma forma que Warzone é a essência de um jogo de estratégia em tempo real, basicamente tudo que faz um bom Gran Turismo está aqui: jogar várias vezes até “decorar” os circuitos, saber até onde dá para atrasar a freada, adaptar a direção ao carro que derrapa mais às curvas, tirar centésimos de segundo para entrar nos melhores do mundo na pista favorita, assistir o “replay” de forma interativa. A progressão de dificuldade é bacana e há uma boa variedade de circuitos (cerca de 30) no single-player que dura umas 8 horas.

Toma essa, Bracht!

Mas a graça maior está provavelmente no multiplayer, tanto online quanto no mesmo iPad. O modo de 2 a 4 jogadores locais é engenhoso. O player 1 vai lá, faz o traçado das suas duas voltas, passa o iPad para o outro que faz o seu, e durante a corrida propriamente dita há dois (ou até quatro) botões para ativar o turbo nos cantos da tela. São dois minutos (ou menos) extremamente divertidos, que levam inevitavelmente a um replay. A velocidade do iPad 2 e os gráficos bem bonitos permitem mudar e experimentar um novo circuito e carros em pouquíssimos segundos. Apesar de ser “casual”, Drawrace 2 depende única e exclusivamente de habilidade, sem sorte como em títulos como Angry Birds.

Online a experiência também é bacana. Como há bastante gente jogando sempre, não é difícil achar uma partida, com ligas, desafios a amigos e níveis de habilidade baseado em corridas vencidas. Na prática o multiplayer é uma “comparação de ghosts” mais interativa, que não depende de boa internet (lag é das coisas mais tenebrosas em jogos de corrida) – você faz o seu tempo e os amigos tem 24 horas pra “entrar na pista” e tentar batê-lo. O interessante é que todo o processo de procurar uma partida online, escolher o circuito e carro, jogar e comparar os scores leva segundos, algo impossível em jogos clássicos de corrida nos videogames.

De novo, é uma experiência divertida, que só faz sentido no iPad (ou se alguém usasse uma mesa digitalizadora pra jogar). Há uma versão deste jogo também para iPod/iPhone. A diferença aqui – como em uma enorme parte dos jogos de iPhone que têm versão para iPad, é que você pode ver o circuito inteiro e ter mais precisão nos controles, além de, no modo multiplayer, ter até 4 pessoas tocando os cantos da tela. Como já dissemos outras vezes, o iPad não é muito mais que um iPod gigante, mas considerando a quantidade de coisas que realizamos no iPod (ou num smartphone) hoje, a tela maior faz bastante diferença.

 

Sword & Sorcery: Há um enorme debate sobre se videogames podem ser considerados “arte”. Eu tenho algumas teorias sobre o assunto, mas basicamente acho que para ser algo mais “artístico” ou autoral, o jogo tem de ter uma experiência bastante controlada em termos de história, trilha sonora e interações possíveis. Nada mais natural que o gênero point&click adventure seja tão propenso a isso. Vários sites importantes de games, como o Destructoid, consideram Superbrothers: Sword & Sorcery EP como um dos melhores do ano em qualquer plataforma, apesar de o aspecto “jogo” dele ser bem discutível, como coloca Levi Buchanan da IGN.com (nota 9.5):

Eu não vou começar um debate com Roger Ebert sobre isso, mas Superbrothers: Sword & Sorcery EP é arte. Este adventure point-and-click é um casamento quase perfeito de visuais 8-bit brilhantes, puzzles inteligentes e uma trilha-sonora inesquecível. Eu quase não o chamo de video game – apesar de que certamente há um jogo para ser jogado aqui.

Você pode estar achando que estou sendo contraditório por exaltar o minimalismo gamer dos jogos de iPad para logo depois celebrar um jogo-que-não-é-um-jogo. Mas acompanhe o raciocínio. Sejamos honestos: nenhum adventure é exatamente um jogo. Uma vez que você descobre onde clicar e qual resposta dar em determinado diálogo de múltipla escolha, um clássico como Full Throttle vira uma sequência de animações interativas. A graça está no cenário, nos personagens, na trilha, no script, nos momentos “Ah! Já sei como fazer isso funcionar”.

Sword & Sorcery é isso. E boa parte do charme dele está basicamente em ser curto. Pensando bem, é assim que jogos-não-jogos basicamente centrados em narrativas funcionam melhor. Os jogos do gênero em plataformas mais adultas muitas vezes têm um excesso de gorduras, personagens esquecíveis, diálogos pouco inspirados, telas/cenários sem interação, mecânicas extras apenas para justificar o preço cheio de um jogo de 60 dólares – os tais gamers hardcore ficam bravos quando vêem em um review “o modo história pode ser completado em menos de 15 horas”. Acontece que um jogo como, digamos, Heavy Rain, é mais uma experiência do que interação. E pagar muito por uma experiência cinematográfica sem muita rejogabilidade não faz muito sentido. Daí minha crença no iPad como plataforma preferencial para esse tipo de arte interativa, digamos. Você paga o preço do aluguel de um filme e tem uma experiência parecida, condensada, descompromissada e acima de tudo divertida.

Os diálogos de S&S são ótimos, todas as falas cabem em um tweet (há um botão para tuitar frases geniais, o que é inevitável) e fazem auto-referência o tempo inteiro, zombando de coisas comuns de RPGs, por exemplo. A trilha é integrada às mecânicas (suas ações mudam a música) e, sem querer estragar demais a experiência, coisas do mundo real como as fases da lua alteram algumas coisas dentro do jogo. É sério.

Acima de tudo, o jogo é uma coisa bastante autoral, e por isso ele deve ser tratado como um filme, ou um disco, e por isso mesmo ele divide opiniões. Quando eu jogo S&S eu tenho a sensação de estar segurando um LP, um livro – você segurar um jogo assim parece mais, digamos, adequado. O pai da criança, Craig Adams, explica que isso só é possível no iPad:

Como um criador que tenta criar jogos relaxantes, interessantes, com um estilo visual e ênfase na música, as máquinas da Apple são uma escolha clara. Há um público em potencial vasto, letrado, um custo de entrada baixo, um sistema de distribuição que funciona perfeitamente com um ecossistema saudável de pessoas interessadas nessas plataformas.

Há um certo consenso que a Apple é a marca favorita de grande parte dos artistas digitais, então é até natural que eles escolham o iPad para despejar suas criações – não apenas jogos, mas experiências musicais interativas, como o último disco-app da Björk, por exemplo. Além da preferência, há a questão econômica: há um número substancialmente maior de pessoas que têm o iPad, gente que está acostumada a pagar por conteúdo cultural, por exemplo (não é preconceito, é estatística). Então é difícil acreditar que jogos-experiência curtos, bons e baratos como este estarão em videogames – o que dizer de tablets com Honeycomb – em um futuro próximo. A expectativa de ver mais jogos-arte vindo no iPad é certamente um dos motivos mais legais e únicos de tratar seriamente o tablet da Apple como plataforma única.

 

Ticket to Ride: Quando eu digo que gosto muito de jogos de tabuleiro, que tenho uns 100 deles, as pessoas pensam o que diabos alguém com 30 anos continua fazendo jogando War e Banco Imobiliário. Aí eu tenho que explicar que a cena dos jogos de tabuleiro evoluiu um bocado desde a metade dos anos 1990 pra cá, especialmente em países como Alemanha, França e Estados Unidos. Os jogos de hoje dependem muito menos de sorte, são poucos os que têm dados e a maioria tem a duração drasticamente reduzida, com vários gatilhos para o fim do jogo (nada de ficar 4 horas esperando alguém falir em Monopoly).

Assim que o iPad foi anunciado, vi um enorme potencial ali. Afinal, a tela poderia ser basicamente um tabuleiro, com espaço o suficiente para mover pecinhas virtuais em tamanho quase real. Pense em xadrez ou gamão, mas mais complexo. E logo na primeira semana do primeiro iPad, com Small World entre os apps mais vendidos, ficou claro que o potencial seria realizado. Depois, vieram clássicos (da nova geração) como Carcassonne e Settlers of Catan e queridinhos da crítica especializada, como Neuroshima Hex, Samurai, Tikal, Puerto Rico, Tichu, Through the Desert, entre vários outros. Eu tenho duas pastas do iOS no iPad 2 com o nome “Board games”. Há muita coisa mesmo.

E se você não conhece a maioria desses títulos, eis a beleza do iPad: ele virou plataforma para que estes jogos de tabuleiro se popularizassem ainda mais. Li várias resenhas de pessoas que ficaram impressionadas em descobrir que havia jogos de tabuleiro novos assim, interessantes, e não-enfadonhos – muitos decidiram comprar a versão física de Carcassonne, por exemplo, depois de jogar no iPhone. Ticket to Ride (TtR), lançado há poucos meses, é provavelmente o melhor exemplo de por que os board games funcionam tão bem no iPod Touch gigante (não há versão para iPhone, aliás).

Em TtR, a mecânica é fácil e apresentada de maneira impecável no tutorial – hoje eu sugiro que a pessoa jogue a versão do iPad para aprender a dinâmica, melhor que ler qualquer manual. Você basicamente têm de usar as cartas que vai comprando durante o jogo para colocar seus trenzinhos ligando duas cidades, e monopolizando a rota. Há objetivos secretos (basicamente “ligue Los Angeles a Nova York com trens próprios”) e algumas manobras para fechar o outro jogador. Na sua vez (o jogo comporta de 2 a 5 pessoas), você pode comprar cartas, colocar trens ou pegar novos objetivos (que se não forem completados ao fim fazem você perder pontos). O timing é essencial e há um bocado de tensão e jogadas ofensivas em um curto espaço de tempo.

Eu uso o Ticket to Ride de verdade para educar as pessoas sobre o potencial dos board games (o Bracht, que ficou meses com o meu, que o diga), mas prefiro jogar coisas mais complexas com os amigos que cultivam o hobby. Quando ele apareceu na App Store, voltei a jogá-lo. A “cópia física” precisa de espaço e um tempo de preparação – embaralhar as cartas, separar os trenzinhos, achar uma mesa grande o suficiente… No iPad, de iniciar o app a terminar uma partida em dois jogadores pela internet devem se passar uns 15 minutos, até menos. O problema é que por causa dessa aparente rapidez eu dificilmente jogo só uma partida. Às vezes dou uma pausa no trabalho e vou ali no Starbucks, começo o TtR para uma partidinha só e de repente lá se foi uma hora.

Nota do Bracht: "Eu não devia ter devolvido."

Eu joguei um bocado de Ticket to Ride antes em PC (no site da fabricante) e depois, no Xbox Live. Mas no último era difícil achar oponentes, além da coisa não fazer muito sentido com um controle. A versão do iPad, por outro lado, é cross-platform, e você pode jogar contra pessoas que estão no PC, por exemplo. O resultado é que a qualquer hora que você quiser há alguém para você medir forças para tentar subir um pouco no ranking mundial. Em relação aos jogos tradicionais, Ticket to Ride tem vantagens no multiplayer. Primeiro porque, como em centenas de exemplos, ele não necessita de uma conexão boa e não há lag. Além disso, se um dos jogadores abandonar (ou a conexão cair), um bot assume o lugar, mantendo a ação e não penalizando quem joga contra maus perdedores. Boa parte dos jogos de tabuleiro no iPad tem multiplayer assíncrono (tipo eu faço a minha jogada e você recebe uma mensagem avisando que é a sua vez), então você não precisa reservar um tempo e marcar na agenda pra jogar com os amigos – e há pause.

E, por último, Ticket to Ride mostra outra grande vantagem dos jogos de iPad – na verdade uma vantagem dos jogos mobile sobre os tradicionais. As atualizações e a interação com os desenvolvedores por reviews ou fóruns faz com que a comunidade consiga acelerar modificações no jogo – até porque as avaliações com 5 estrelas movem as vendas, e os vendedores precisam dar alguma satisfação. Cinco dias depois do lançamento de TtR, apareceu uma atualização para que fosse possível jogar com várias pessoas no mesmo iPad (esquema hotseat). Na segunda atualização, tiraram animações desnecessárias e um narrador onipresente e irritante – tudo porque o feedback é grande e as atualizações muito ágeis. Em card games como Shadow Era, poderes são balanceados depois do playtest e feedback da comunidade – algo impossível em jogos físicos, por exemplo, e muito mais raro em jogos grandes de videogame.

 

Mas espere, não é só isso!

Eu escolhi estes 4 jogos representativos, alguns dos meus favoritos, mas certamente a lista poderia ser feita com outros títulos. O iPad 2 também agrada quem gosta de outros gêneros:

Os remakes

Uma coisa boa do iPad é que ele é casa de vários remakes, jogos que saíram em outras plataformas e costumam ser bem traduzidos para a telona de toque. Eu gastei umas boas 10 horas com Pirates!, a jóia de Sid Meier (Civilization) que é até melhor que no PC, estou finalmente tentando terminar puzzles premiados como World of Goo e Machinarium, que também ficam melhores com o toque do dedo.

Adventures do tipo point & click, como Monkey Island (na foto) ou 7th Guest funcionam perfeitamente no tablet – acho que a Sierra poderia reeditar todo o seu catálogo, aliás. Mesmo jogos de console como Final Fantasy III ganharam uma versão caprichadíssima no iPad. Fora que não param de aparecer anúncios de remakes do tipo, do incrível Out of This World a Final Fantasy Tactics: Lions, que ganhou uma versão de iPhone mas obviamente ficará melhor com mais tela.

Os jogos casuais, maiores

Parece que eu estou defendendo o iPad 2 como casa de jogos “complexos”, negando a tradição casual. Nada disso! Sou contra o preconceito a jogos com passarinhos ou outros bichos fofos, na verdade. Para quem gosta dos já clássicos Angry Birds, Cut the Rope, Peggle, Fruit Ninja ou Zombie Gunship, a maior área de toque ajuda um bocado a experiência e dá mais vida aos personagens simpáticos. Nos jogos de ação mais frenéticos, o seu dedo não atrapalha a visão da ação, como costuma acontecer na telinha do smartphone, especialmente em títulos viciantes como Jetpack Joyride. Na verdade hoje eu só uso o iPhone 4 para jogar quando estou, sei lá, no ônibus – literalmente quando não há espaço para sacar o iPad 2. Partidas rápidas casuais de banheiro também são com o tablet. Desculpe a qualquer um que tentou imaginar.

Um detalhe importante que ajuda em basicamente todos os jogos é o Gamecenter, a rede social para jogadores de iOS. Os jogos casuais têm uma vida potencialmente curta, mas quando você joga achievements e, especialmente leaderboards, há sempre aquele estímulo de jogar mais uminha para tentar bater o seu amigo. E depois ficar provocando no Twitter. Como há muita gente com iCoisas e não há incompatibilidade de títulos, sempre há alguém com quem jogar.

 

Os blockbusters

Quando você começa a ver grandes estúdios investindo em exclusivos para iOS, você vê que a coisa está andando mesmo. A Bungie (Halo!) é a produtora por trás do ótimo Crimson: Steam Pirates; a Square-Enix criou uma série de RPGs para a plataforma (Chaos Rings), a Namco fez o insano Groove Coaster; há Rage, da Epic, ou o bonitão Infinity Blade, da Chair Games. Konami, Sega, EA, 2K e basicamente qualquer grande estúdio desenvolveu ou está desenvolvendo um jogo para o iPad, mesmo que sejam ports de consoles. Há ainda as superproduções de produtoras que fizeram sua carreira no mobile, como Chilingo (com o mencionado Anomaly), Firemint (Real Racing 2) e Gameloft. Mesmo que os jogos deste último sejam pesadamente inspirados em outras franquias, eles não deixam de ser bons. Gastei pelo menos 40 horas em Order & Chaos completando quests com o elfo Leo Martins na minha guilda.

Crimson: Steam Pirates, primeiro jogo do iPad produzido pela criadora de Halo, das minhas séries favoritas

Muitos destes jogos-superproduções tentam imitar a experiência de videogame, e você poderia argumentar (com razão) que é melhor jogá-los em uma TV grande. Mas outros (Infinity Blade, Groove Coaster e Crimson, por exemplo) entendem bem o toque, e funcionam melhor do que as versões diminutas de iPhone. Pelo tanto que esses games estão arrecadando, espere ver mais grandes estúdios aproveitando o potencial do iPad 2.

Jogos de nicho

Uma das experiências mais divertidas de jogo no iPad foi quando eu e alguns amigos assistimos a Cora, gatinha filhote, brincando com o Game for Cats. Há alguns jogos para gatos, e uma centena para crianças – algo que salvou minha vida em uma pequena viagem de carro. Há outras coisas que eu gosto e que são bem restritas, como o genial MovieCat HD, trívia de filmes (como Scene it, download de mais de 1 GB cheio de clipes legais), que eu e minha namorada jogamos até esgotar as perguntas. Também já perdi horas com jogos de cartas pouco comuns, como Tichu e Mü. Qualquer que seja seu micro-estilo de preferência, você achará algo na App Store.

Uma das provas de Moviecat HD é descobrir o filme de acordo com o figurino dos gatinhos. Esse é fácil. =)

Jogos para relaxar

Às vezes eu jogo para não pensar em mais nada ou, mais comum, para ouvir música. Como eu preciso de estímulos visuais, eu abro jogos lentos, relaxantes, ou de raciocínio puro, e começo um ritual contemplativo. Meu favorito da vez é Mahjong Towers, com suas formas de puzzles relaxantes. Outros da lista são iPACROSS (clone de Picross do DS), as variações de Sudoku, Puzzle Quest 2 e Zen Bound 2. Jogos de videogame tendem a exigir mais atenção, e quando você quer esvaziar a mente, o iPad pode ser mais adequado.

Jogos-arte

Além de Sword & Sorcery, há vários jogos que valem o preço pelo visual. Há dezenas de exemplos, mas é bom quando além de pinturas eles acabam sendo apps divertidos. Nessa categoria dá para colocar Contre Jour, Bumpy Road, Gesundheit! HD e Osmos HD, entre vários outros que impressionam qualquer designer – e rendem vários sorrisos pelo estilo único (além do desafio do jogo em si).

Contre Jour HD e seu visual soturno P&B

 

 

A experiência de compra

Eu poderia resumir os próximos parágrafos dizendo que eu gosto muito do iPad 2 porque eu posso jogar uma infinidade de coisas gastando muito pouco, e eu recebo a minha diversão quase que instantaneamente. Mas isso é simplificar demais as coisas. A experiência de comprar jogos na App Store é quase um metajogo, e é algo que a Apple está indiscutivelmente na frente de todos os players da indústria.

Sim, eu sei que para nós brasileiros, teoricamente é um pé no saco comprar jogos, já que existem muito poucos na versão brasileira da nossa lojinha. É preciso fazer algo como a mutreta do ZIP code, comprar gift cards de fora ou fazer uma conta na loja argentina – já  ensinamos tudo isso. Na prática, eu entro no PCGamesupply, pago com o PayPal e em 5 minutos o número do gift card está lá no meu iTunes, com um crédito de normalmente 50 dólares – o que dá pra bastante coisa e me permite controlar bem. Há uma desvantagem: eu pago uma taxa de cerca de 20% por isso (então um jogo de 1 dólar sai 1,20), o que não acontece, por exemplo, no Steam. Mas, considerando todas as vantagens envolvidas, é uma gambiarra mínima, que quem passou anos comprando Microsoft Points para usar a Live ou carregando o Entropay para usufruir da PSN tira de letra. Mesmo com a sobretaxa, eu prefiro a loja americana à argentina porque há sempre absolutamente todos os jogos e muitas promoções.

Tirando a chateação da frente, como é comprar? É basicamente passear pela melhor faceta do odiado iTunes, aquele conhecido por muitos como “o programa pesado de desktop” – com a diferença que ela é tão funcional quanto (e mais leve) na telona do iPad 2. É uma loja bonita, atraente, que toda quinta-feira é reformada com novidades. Lá aparece o “jogo da semana”, apps escolhidos pela equipe, mais vendidos, jogos específicos para iPad, ou os otimizados para o iPad 2, tudo apresentado lindamente, em bom inglês e sem Google Translator forçado. Há uma sensação de que sempre há coisas novas e, quando não há, a equipe se esforça para fazer listinhas. Hoje há um “Great Racing Games”, por exemplo, há “jogos para crianças”, “jogos de tabuleiro” e uma infinidade de opções bem organizadas e apresentadas para você gastar seu dinheiro.

Ao clicar no jogo propriamente dito, há um formato padronizado de descrição, cinco ou seis screenshots e, mais importante, as estrelinhas. A comunidade da App Store americana é extremamente ativa e volta e meia há mini-resenhas embaixo do jogo, algo muito além do que vemos nas lojas online brasileiras, tipo “loco meu vlw”. Se você tiver dúvidas, provavelmente basta digitar o nome do jogo no YouTube que certamente alguém já fez um hands-on. É difícil errar, já que sobram as informações. A quantidade de gente que tem iPad ajuda, é claro.

Hoje a coisa é levada mais a sério. Todos os grandes sites de games já tem a sua seção destinada a jogos de iOS ou iPad especificamente, assim como o Metacritic tem uma lista com a média dos últimos jogos. Há bons blogs especializados como o Toucharcade ou Slidetoplay, com resenhas diárias, e até coisas estupidamente especializadas como o blog de jogos de tabuleiro para iPad, que é a maior fonte de novidades e entrevistas do gênero.

Parece bobagem ou vício da nossa sociedade consumista, mas o comprar em si, todo aquele ritual de ver a primeira notícia sobre o jogo, acompanhar preview, ler review e comprar no dia do lançamento é algo animal. Os primeiros minutos, onde você descobre o visual do jogo, a sacada genial do controle, um personagem carismático, tudo isso é recompensador. E vejo hoje muitos jogos “grandes” perderem o encanto depois das primeiras fases, depois que a novidade passa. A vantagem é que no iPad você aprecia tudo isso sem pagar muito, e curte a sensação de descoberta várias vezes por mês. Toda quarta à noite eu fico atualizando o TouchArcade para ver quando entra a seção de “lançamentos da madrugada”. Há dias que a lista é insana e eu fico acordado até a hora que entram os jogos na loja (há gente que cria conta no iTunes da Nova Zelândia, onde graças ao fuso horário a quinta-feira chega antes, para diminuir a angústia) e perco a noite experimentando as novidades. Eu sou viciado nisso, acho. Mas completo vários jogos também, ok?

Para além da descoberta, o acesso rápido e barato é muito importante pra mim. Aqui no Brasil você fica dependendo de um dia por ano que as lojas usem a ação de marketing chamada Jogo Justo para colocar um título velho a R$ 99. E na App Store todo dia há bons jogos caindo de 6 dólares para 99 cents, ou ficando de graça.  Neste final de semana mesmo, basicamente todos os títulos da Gameloft estão a 99 cents. Há até programas específicos para isso, como o App Shopper, que te avisa quando um jogo que você quer cai de preço. Ou seja: jogar no iPad, além de legal, é barato.

 

Mas Pedro, 2 mil Reais por um videogame bobo? Você tá de sacanagem, né?

Viu, amiguinho, eu sabia que seria a primeira coisa que você, odiador do iPad, escreveria nos comentários. Eu demorei a atacar o assunto, mas coloquei em negrito e fonte maior, para você se sentir respondido e poupar algumas discussões nos comentários. Bem, como vocês devem saber, o iPad 2 não é só um videogame. De acordo com os usuários médios, essa é tipo a terceira ou quarta função, que não é usada com regularidade por nem um quinto dos donos do iPad, como mostra uma pesquisa realizada em maio pela Business Insider:

A maioria das pessoas ainda usa o iPad para algo que elas fariam em um notebook tradicional sem muita perda: acessar páginas da internet (no iPad é pior porque os sites demoram mais a carregar), usar e-mail (que também é pior porque ninguém merece escrever longos textos em um teclado virtual) ou assistir um vídeo, com as limitações de formatos suportados (a não ser por outros apps) e, é claro, a maneira não-trivial de adicionar conteúdo via iTunes. Note que os outros tablets também basicamente se equivalem nessas funções, às vezes com alguma vantagem. Isto posto, ainda que caro, o iPad não é exatamente produtivo (experimente criar um post de blog cheio de links e fotos nele), mas isso não quer dizer que ele não tenha muitas e muitas funções, bem mais que aquele Xbox 360 que virou media center. É no “resto”, tão dificilmente compreendido, que ele brilha e, note no gráfico, que as funções de videogame e “outros apps” foram as que mais cresceram. Por quê?

Um pouco de história. A verdade é que ninguém sabia exatamente para que servia um tablet. Nem a Apple, eu diria. É curioso assistir hoje à cerimônia de apresentação do primeiro tablet em 26 de janeiro de 2010. Steve Jobs falava mal de netbooks, mostrava como era bacana o Pages e Keynote, basicamente o Word e Powerpoint com muito menos funcionalidades. Eram bonitos, mas quem usaria pra valer, profissionalmente? Continuando a apresentação, dava para ver que ele serviria para diversão. Mas filmes sem ser widescreen? E apenas no formato abençoado pelo iTunes, intermediário de tudo? Depois mostraram joguinhos de corrida, os mesmos do iPhone, controlados da mesma maneira. Mas quem iria mexer um tablet, pesado depois de um tempo, como um volante de corrida? Qual o motivo de jogar as mesmas coisas estouradas num iPod gigante? Havia revistas, mas poucas, e não assinaturas com preço vantajoso.  Os apps tinham funcionalidades muito básicas, e o hardware não dava conta de tarefas mais pesadas. Se ele fosse encarado como um simples computador, estava errado. Muita gente reagiu de maneira agressiva pela inutilidade aparente da tábua – gente daqui, inclusive. Quem mexeu ficou encantado, mas era um encantamento meio inexplicável. Era uma janela para o futuro, mas tudo estava nublado lá fora. Após a apresentação, estava claro que o iPad seria um… Sucesso.

Porque Jobs contava que, como qualquer coisa que a empresa lança, muita gente iria comprar logo no início, e levantar como um troféu. E, mais do que Steve-developers-developers-Ballmer, o Steve da Apple acreditava que os desenvolvedores que fizeram a diferença – e pequenas fortunas – em apps para iPhone achariam maneiras de aproveitar o espaço extra daquele novo brinquedo. E eles acharam. E, acho que já falei, esta é a diferença fundamental entre o iPad 2 e qualquer tablet: apps. Na forma de jogos, como eu falei aí em cima (da lista dos 50 mencionados, apenas 3 também estão no Honeycomb), ou de coisas sensacionais para criar conteúdo (Snapseed para fotos ou GarageBand para música, por exemplo), descobrir bandas com o Aweditorium, ler revistas e livros interativos como Our Choice ou Spin Play… Há tantas coisas únicas para o iPad/iPad 2, que você não acha em mais lugar algum (ao menos na forma e praticidade), que fazem com que seja fácil dizer que ele é o meu gadget favorito de todos os tempos.

Sim. Eu, editor deste site de tecnologia há três anos, com dezenas de gadgets espalhados pela casa que tenho ou já testei, elejo facilmente o iPad 2 como meu gadget favorito. Não pelo hardware, mas pelo que ele me possibilita: eu li os dois melhores romances da minha vida nele, voltei a ler revistas com frequência, descobri uma boa quantidade de bandas por ali, redescobri o amor por quadrinhos, melhorei minhas fotos, as mostrei pra todo mundo, voltei a compor, explorei guias turísticos, guias de referência – de bulas a pontos de acupuntura, editei vídeos, falei com pessoas queridas em outros países via Facetime. Ele enriqueceu minha vida. Até fiz um vídeo para contar como é a história do meu iPad 2 e o sofá, um romance feliz:

http://vimeo.com/25479072

Além do hardware sensacional, ecossistema impecável e integração com o resto dos produtos da Apple (você deve ter percebido o quanto há deles na minha casa), o que realmente faz a diferença são os apps. Como disse, eles fazem toda a diferença. Enfatizo tanto porque já cansei de ver comparações entre tablets que davam pesos iguais a coisas diferentes. Resenhar um tablet não é como resenhar uma torradeira, parafraseando este artigo do Kotaku. Uma comparação comum e besta, que já vi muito por aí: “ah, o tablet X ganha em câmera, mas o iPad ganha em apps, então está 1×1”. O iPad tem mais de 100 mil apps feitos desde o início ou adaptados para aquele tamanho e resolução de tela. Quando você quer expandir o uso do tablet para além do “netbook manco”, isso faz toda a diferença, e a verdade é que só depois de um passeio (e muitos dólares) gastos no iTunes, você passa a tratar o tablet como um animal diferente, e entender essa coisa de era “pós-PC”. Não há barras de notificação em cima ou embaixo da tela quando você está jogando ou vendo uma revista, por exemplo, porque o iPad É o app que está rodando, e não um programa dentro de um sistema operacional. Não há divisões. E este é o principal motivo que o distingue, que aumenta as suas possibilidades, que o deixa muito à frente e que faz, por enquanto, que a escolha do iPad 2 sobre qualquer concorrente da mesma faixa de preço absolutamente óbvia – a não ser, é claro, que você seja um desenvolvedor de sites em Flash e/ou odiador mortal da Apple E sem paciência para esperar o Windows 8 (que será o único concorrente no topo da cadeia de facto – inclusive no aspecto videogame, com integração da Live. O tablet da Amazon não muda o jogo para nós brasileiros).

Mas divago e saio do ponto inicial. Isto aqui não é um review do iPad 2. Eu admito que nunca consegui terminá-lo (o vídeo acima tem alguns meses de idade). Como disse, as possibilidades são tantas e ele teve um impacto tão importante na minha vida, que 1) não consigo ser suficientemente objetivo para o meu grau de autocobrança e 2) precisaria escrever um livro para dar conta. Este é o post mais longo que escrevi no Gizmodo, e estou falando, basicamente, da capacidade do tablet da Apple como videogame e seu impacto no meio. Então é hora de encerrar.

 

O futuro

Espera-se que até o fim do ano algo como pelo menos 30 milhões de unidades do iPad 2 tenham sido vendidas. Some isso algo como 20 milhões de iPads da primeira geração e temos uma base instalada monstruosa com crescimento muito rápido, mesmo que apenas uma parcela o use como videogame. Quem é gamer hardcore de tablet como eu custa a acreditar que haja qualquer possibilidade de sucesso do Nintendo 3DS – que começou com vendas medíocres – ou o PSVita, com lançamento restrito e menos de 30 jogos iniciais, para além do público de nicho. Esta será a última geração de consoles portáteis, e acaba prematuramente, não há a menor dúvida. Ah, mas e os controles físicos?

 

Não tenha dúvidas que acessórios como o iCade e o Fling aparecerão aos montes, e terão cada vez mais suporte – ou mesmo jogos onde iPods e iPhones são controle. Como o iOS5 terá uma melhor integração com a Apple TV, espere ver o iPad 2 fazendo o que o Wii U promete meses antes. Mais do que isso, espere números absurdos de novos anúncios. No Tokyo Game Show, por exemplo, os jogos para smartphones e iPad roubaram a cena e conseguiram efetivamente diminuir o espaço das grandes produtoras dedicado aos consoles tradicionais. Depois que Infinity Blade, desenvolvido em 5 meses e lançado apenas para iOS faturou US$ 10 milhões (e não era um jogo de 1 dólar) em 6 meses, ficou claro que a plataforma tinha gente disposta a pagar e muitas possibilidades criativas.

Eu poderia escrever mais um enorme artigo aqui com projeções de futuro, e espero que vocês continuem a conversa nos comentários. Mas basicamente o que vejo é jogos cada vez mais variados e complexos chegando ao iPad e grandes produtoras apertando o freio nesses títulos que custam dezenas de milhões de dólares e nem sempre arrecadam o esperado nos consoles ou PC. Até porque, quando houver títulos com tanta qualidade a um preço tão baixo em uma plataforma extremamente popular, o consumidor vai pensar duas vezes antes de despejar os US$ 60 no lançamento do mês.

Se o iPad continua a transformação provocada pelo iPhone/iPod Touch (que beneficiou também donos de Android) na lógica das grandes produtoras, o que muda para os jogadores? Ficamos mal acostumados. Quando você tem menos tempo que gostaria, a habilidade de demorar 10 segundos entre pegar o videogame, “ligar” (ele está sempre ligado) e iniciar o jogo onde você estava é matadora. Toda vez que eu lembro das atualizações constantes e gigantescas dos jogos de PS3 (que você só é lembrado quando quer jogar), ou do tempo que demora para carregar um savegame em qualquer jogo da Rockstar, eu desisto. Também ficamos mal acostumados com a experiência de compra, os preços e a velocidade com que a coisa é entregue. Assim como no Android Market, às vezes eu compro um jogo no iTunes do MacBook e logo ele está lá, devidamente instalado no iPad, sem necessidade de qualquer download extra. Ter um iPad 2 também significa não se preocupar com requisitos mínimos ou fragmentação da plataforma – não há notebook de mesmo preço que rode tudo tão bonito de forma constante.

E todos esses benefícios tem um custo, você pode pensar: os jogos são mais simples. Eu te digo que Tetris está em todas as listas de maiores jogos de todos os tempos não à toa. E eu vejo esse retorno ao que faz os jogos tão fascinantes a tanta gente em primeiro lugar uma coisa excelente, que o iPad está ajudando a promover – e expandir os horizontes. Em algum momento entre um Halo e Modern Warfare parece que começaram a pensar que um grande jogo é uma historinha que você controla, simplesmente. Se bem arquitetado, o jogo mais casual pode atingir o mesmo objetivo.

E porque jogos têm um objetivo maior, uma função na nossa vida. Eu não gastei todo esse tempo para falar de algo absolutamente supérfluo, ou pelo menos eu não considero os joguinhos de iPad assim – não apenas porque eles vão me ajudar a relaxar nas 10 horas que passarei no avião logo mais, ou porque eu dei risada com Sword & Sorcery. Mas porque jogos são, de uma forma maior, importantes. Eu li há pouco Reality is Broken: why games make us better and how they can change the world (A realidade está quebrada: por que os jogos nos fazem melhores e como eles podem mudar o mundo, em uma tradução livre), e ela explica porque tanta gente gasta tanto tempo imerso em jogos de maneira mais científica:

Jogos são a essência de uma atividade autotélica, com um fim em si mesma. Nós só jogamos quando queremos. Jogos não nos abastecem com recompensas externas: eles não nos pagam, não nos fazem avançar as carreiras, e não nos ajudam a acumular bens de luxo. Ao invés disso, os jogos nos enriquecem com recompensas intrínsecas. Eles nos fazem ter vontade de desempenhar um trabalho específico que temos chance de ser bem-sucedidos. Eles nos dão uma maneira altamente estruturada para gastar o tempo e desenvolver laços com pessoas com quem nos preocupamos. E se nós jogarmos o bastante, por tempo o suficiente, em uma rede de jogadores, nós nos sentimos parte de algo maior que nós mesmos – parte de uma história épica, um projeto importante, uma comunidade global.

Bons jogos são produtivos. Eles produzem uma melhor qualidade de vida. Quando nós percebemos que essa reorientação para recompensas intrínsecas é o que está realmente por trás das 3 bilhões de horas que gastamos por semana jogando globalmente, o êxodo em massa para os mundos dos jogos não é surpreendente nem particularmente alarmante. É a confirmação de que os psicólogos descobriram em pesquisas científicas: que atividades com automotivação e auto-recompensas realmente nos fazem ficar mais felizes. Mais importante, é prova de que os gamers não estão fugindo das suas vidas reais ao jogar videogames.

Eles estão ativamente fazendo as próprias vidas mais recompensadoras.

Eu acredito e gosto de jogos em todas as suas formas. Da pelada de basquete aos jogos de tabuleiro, passando pelos videogames grandes como o FIFA 12 que estou ansioso por jogar no Xbox (não esqueci dele!), eu tenho fé na importância do lúdico na vida das pessoas. E ao fazer a prazerosa atividade de jogar ainda mais prazerosa, o iPad 2 ajudou a deixar a minha vida melhor. Os cientistas e as 415 conquistas não me deixam mentir.

 

[Foto do título: Marina Val. Sim, é um iPad 1. Mas vocês entenderam. =)]

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