O homem no GIF acima, sendo bombardeado por uma máquina de fumaça, sou eu. A máquina não faz parte do equipamento de uma rave ou de uma casa mal-assombrada; o vapor que ela libera carrega partículas de DNA que podem provar que eu estava, sim, na cena de algum crime. A máquina é apenas um exemplo de como uma empresa de segurança de última geração está usando a matéria-prima da vida terrestre para lutar contra a pirataria e indiciar criminosos.
Eu tive a oportunidade de visitar o Applied DNA Sciences, uma empresa de segurança da Universidade Stony Brook, a uma hora de Nova Iorque. Aqui, cientistas e especialistas em segurança descobriram como manipular o DNA de plantas para criar o que eles afirmam ser um sistema de identificação impossível de falsificar.
Existem muitas razões para alguém querer uma forma infalível de saber se um produto (ou pessoa) é o que eles procuram. Fabricantes de roupas e eletrônicos de marca estão batalhando por espaço em um mercado saturado de falsificações. As pessoas estão ficando cada vez melhores em falsificar credenciais de eventos exclusivos. O exército dos EUA descobriu um número impressionante de peças eletrônicas falsificadas em aviões militares — peças essenciais para o sistema de visão noturna e equipamentos de lançamento de mísseis cuja procedência era duvidosa, e cujas possíveis falhas técnicas poderiam colocar muitas vidas em risco.
Mesmo assim, os métodos de combate à pirataria — selos holográficos, tintas especiais, logomarcas escondidas e outras formas de identificação utilizadas na produção industrial — não são tão seguras quanto seus produtores acreditam. Com o incentivo financeiro certo, um falsificador pode achar um jeito de copiar qualquer forma de identificação.
O grupo de pesquisadores do ADNAS resolveu criar uma identificação que não pode ser falsificada ou rastreada, independentemente do profissionalismo do falsificador, e que pode ser utilizada para confirmar se um suspeito estava — ou não — na cena de algum crime. O ingrediente secreto? DNA, a matéria-prima de todas formas de vida. E eu tive a honra de observar o processo de perto.
DNA: Mais do que células
Uma demonstração de como o ADNAS cria sequências de DNA manipuladas a partir do DNA de plantas. Crédito: ADNAS
Os cientistas do laboratório pegam uma sequência de DNA vegetal conhecida, dividem-na em pedaços menores e rearranjam esses pedaços para criar sequências únicas. O DNA personalizado é então incorporado a etiquetas inseridas em materiais como microchips, canetas permanentes utilizadas para marcar itens pessoais, ou no vapor dentro de máquinas de fumaça industriais.
Voltemos para a máquina de fumaça por alguns instantes. Sua fumaça é carregada com a etiqueta SigNature DNA patenteada pelo laboratório, e pode ser conectada ao sistema de segurança do prédio. Digamos que alguém tente roubar uma joalheria: quando o alarme disparasse, a máquina de fumaça encheria o recinto com um vapor de DNA que marca o intruso e qualquer coisa que ele (ou ela) possa tocar. A marcação não pode ser lavada, e o vapor denso espalha as partículas de DNA por todo o lugar, contaminando as roupas, cabelos, pele e objetos roubados pelo suspeito. Tudo recebe uma marca genética única, que só poderia ter vindo da cena do crime.
Quando a polícia encontrasse o suspeito, uma lanterna de luz ultravioleta revelaria o DNA brilhando, com um tom vermelho vivo, na pele do suspeito, e em qualquer coisa que ele possa ter roubado. A partir daí, as autoridades só precisam retirar uma amostra e mandá-la para o laboratório ADNAS, onde os cientistas confirmarão se a sequência de DNA na amostra bate com a da máquina de fumaça.
Para entender o que o laboratório faz com apenas alguns bilhões de segmentos de DNA, nós precisamos fazer uma pequena revisão sobre funcionamento do DNA. A estrutura base do DNA de dupla hélice é semelhante a uma escada, como podemos ver na foto abaixo:
Imagem modificada retirada da BBC
Nas células vivas, o DNA se replica por meio de um ato de “descolagem’, se transformando em duas cadeias separadas. As cadeias só podem ser copiadas em uma direção, um processo que começa quando um pedaço do DNA chamado iniciador se liga ao início da cadeia. Esse iniciador só se une a uma cadeia se possuir a mesma sequência desta. Quando o iniciador se posiciona, começa o processo de replicação, e a sequência é copiada.
Em outras palavras, sem o iniciador, é impossível copiar o DNA — e o ADNAS mantêm todos os iniciadores de suas sequências trancados a sete chaves.
“Eles não podem ser copiados”, vangloriou-se o Dr. James Hayward, presidente e diretor executivo do ADNAS, durante minha visita ao laboratório da empresa. É claro que o diretor executivo de uma empresa irá afirmar que seu produto é infalível, mas essa afirmação foi reiterada pelo Departamento de Defesa dos EUA. Quando os Laboratórios Batelle e o Laboratório Nacional não conseguiram copiar a identificação genética do ADNAS (nem transferi-la de um dispositivo para outro) o Departamento de Defesa assinou um contrato com a empresa.
Mas por quê? O Departamento de Defesa havia descoberto recentemente que a maioria dos componente eletrônicos de aviões como o cargueiro C-130 e o P-8A da Marinha vêm de fábricas piratas da China. Dezenas de fornecedores do Departamento de Defesa já incorporaram as etiquetas da ADNAS aos seus produtos. Adicionar identificações genéticas a itens produzidos em massa, segundo Hayward, é fácil. “Nos microeletrônicos, podemos inserir o DNA em uma tinta epóxi com acrilatos, dura como aço escovado.”
Esse é apenas um dos muitos usos da etiqueta SigNature DNA do ADNAS, que foi lançada comercialmente há pouco tempo. A empresa fabrica o supracitado vapor pega-ladrão e códigos QR impressos com tinta de DNA duplamente seguros: o código QR é a primeira parte da identificação, e o DNA, o segundo. A empresa também oferece serviços como a autenticação de produtos téxteis, que certificam que lençóis de algodão egípcio realmente contenham a porcentagem correta da matéria-prima de ótima qualidade.
Cutucando a Ciência
Digamos que você tenha um microchip marcado com DNA e você queira saber se ele é original, ou um suspeito que pode ou não ter sido atingido pela fumaça de DNA quando o alarme da sua loja disparou. Como a identificação com DNA funciona? A resposta está a uma cutucada de distância.
A Dra. Ila Lansky, cientista forense sênior do laboratório, nos mostrou como a empresa determina se um item tem ou não a tal identificação genética. Para exemplificar o processo, ela usou uma nota falsa marcada com a tinta invisível com DNA do ADNAS — mas o processo é o mesmo para peças eletrônicas, objetos raros ou um suspeito de invasão.
A tinta é praticamente invisível ao olho nu, semelhante à uma pincelada de esmalte incolor.
Mas sob a luz ultravioleta, a tinta ganha uma cor laranja fluorescente, permitindo que os cientistas identifiquem a marca da empresa:
O brilho revelado pela luz ultravioleta serve como um identificador rápido e prático: se ele não brilha, ele não é o objeto original. A empresa também tem tintas fluorescente “criptografadas”, marcadores que só brilham sob a luz ultravioleta depois de um tratamento químico especial.
Até mesmo uma quantidade irrisória de DNA presa nas fibras do cotonete de coleta é o suficiente para a identificação. A pontinha do cotonete é cortada, posta em um tubo de reação e iluminada com luz ultravioleta para confirmar se ela brilhará, ou não, com a luz da marcação genética.
A pequena amostra de DNA existente naquele pontinho brilhante e recolhida naquele pedacinho de algodão é mais do que o suficiente para que os cientistas a identifiquem com PCR, uma técnica que pode replicar um só pedaço de DNA um milhão de vezes em apenas uma hora.
As substâncias reagentes são adicionadas ao tubo de ensaio e depois colocadas em um dispositivo de ampliação genética, onde passam por uma reação de cadeia de polimerase, ou PCR, um procedimento padrão que cria milhões de cópias idênticas do DNA contido no cotonete.
É bom lembrar que o ADNAS é a única empresa que pode produzir os iniciadores necessários para copiar o DNA das etiquetas. Se os iniciadores contidos no reagente não se igualarem ao DNA no cotonete, a replicação genética não ocorre — é um fracasso. Se o DNA encontrado for o correto, o iniciador irá se conectar a ele, o PCR criará milhões de cópias, e a análise da amostra de DNA irá confirmar que as cópias são idênticas à cadeia de DNA, indicando que a identificação é autêntica.
Esse sou eu, brincando de ser cientista no laboratório do ADNAS. Tenho certeza que um cientista de verdade teria um jaleco com mangas longas o bastante para evitar qualquer contaminação causada pela possível queda dos pelos do meu braço.
Você deve estar pensando que a sequenciamento de DNA pode ser feita por qualquer dispositivo científico; a tecnologia atual faz esse processo rapidamente, e futuras técnicas prometem replicar sequências em apenas minutos — ou até mesmo segundos. Um falsário empreendedor poderia, teoricamente, investir em um equipamento de laboratório padrão e começar a fazer cópias idênticas das sequências do ADNAS, usando o mesmo processo da empresa.
O ADNAS se protege dessa possibilidade de duas formas. Primeiramente, a empresa pode mudar a sequência genética utilizada nos produtos do cliente a qualquer momento. Para os sistemas de segurança com máquinas de fumaça, eles recomendam uma mudança anual. Para o uso industrial, a frequência é bem maior. Hayward me contou que um dos clientes encomenda uma nova marca genética a cada hora, que é utilizada como sistema de identificação e como um número de série que pode ser rastreado a um lote específico.
Em segundo lugar, o ADNAS carrega cada etiqueta com milhares de disfarces; no caso, sequências completamente diferentes do DNA-alvo. Sem o iniciador (que o ADNAS mantêm, é bom lembrar, sob sete chaves), um falsário não teria como determinar qual sequência genética da etiqueta é a correta.
DNA em pílulas e impressoras
Até o momento, o ADNAS não tem nenhum lucro. Hayward admitiu isso tranquilamente durante nossa conversa. Isso não impede a empresa de 55 funcionários de inserir seu material genético manipulado em diversos produtos industriais e de consumo. O objetivo é difundir os produtos com etiquetas genéticas, inserindo a tinta com DNA em linhas de produção industriais e impressoras à tinta.
A empresa não revelou quem são seus clientes, mas me disseram que existe um setor inteiro do ADNAS voltado para a indústria têxtil, autenticando materiais de luxo e ajudando marcas a rastrear os produtos adulterados e pirateados que são vendidos como originais.
Os cientistas estão até mesmo pesquisando formas de usar as etiquetas para autenticar remédios; o objetivo é combater as medicações falsificadas que existem em países como a África do Sul, onde o mercado está saturado de cópias ineficazes de remédios utilizados no tratamento da malária.
Para que isso funcione, precisaremos de um equipamento que ainda não existe: um decodificador de DNA portátil, que poderia verificar a identificação ADNAS dos remédios. Hayward diz que um detector de DNA portátil é o grande objetivo da empresa, e apesar de não haver uma previsão para a criação dessa tecnologia, ele afirma que sua empresa está quase lá.
É difícil acreditar em um homem que diz que sua empresa projetou um sistema de identificação que “não pode ser copiado”, ponto final. Não tenho como prever se essa afirmação vai ou não ser desmentida. Mas, considerando o que eu vi durante meu passeio pelo laboratório biotecnológico, trata-se de uma tecnologia é realmente digna de nota. O código genético pode, enfim, tornar nossa vida mais segura.
[Imagem de destaque via Nathan Nelson / Demais imagens e GIFs pertencentes a Nicholas Stango]