Cultura

Conheça o Vocativo, site de notícias sobre a Amazônia feito por amazonenses

Fundado em 2008, site é focado em ciência e política, e traz uma visão jornalística para os problemas da região
Imagem: Reprodução/NASA

Este texto está pra lá de atrasado. Há umas 3 semanas, escolhi escrever sobre o lançamento da Sumaúma, projeto encabeçado pela Eliane Brum de uma agência de notícias voltada para a Amazônia.

O vídeo lançamento gerou uma certa repercussão negativa entre os jornalistas da região por incluir apenas não-amazônidas (como os moradores da região se referem a si próprios). Por conta disso, entrevistei o Fred Santana, jornalista amazonense e fundador do Vocativo, site que cobre a região há algum tempo. 

O texto sobre a Sumaúma vai ficar pra depois da eleição, até porque acho que por causa da própria eleição o negócio ainda não “aconteceu” de fato. Mas a entrevista com o Fred a gente publica hoje. Vale muito a pena.

Vocativo

FS: Eu criei o Vocativo em 2008, inicialmente como um projeto paralelo, para publicar notícias, textos de opinião e eventualmente até algumas reportagens que eu pudesse apurar e não aproveitasse em redação, e ele foi ficando como realmente um projeto paralelo por muitos anos. Com a pandemia, ele acabou ganhando um novo significado. O isolamento aumentou a demanda por notícias daqui, por conta das ondas que a gente enfrentou. [O site] acabou ganhando destaque que eu não esperava, e hoje ele tem o seu público tem o seu espaço, tá ganhando uma certa repercussão e eu fico muito feliz com isso. 

O site trabalha basicamente a ciência e a política, porque eu entendo que são dois temas que são fundamentais para que a gente possa compreender o mundo que a gente vive, o nosso país, nosso contexto social. Ao longo da pandemia, foi necessário conciliar esses dois temas, porque muitas vezes a ciência entrava na política, que entrava na ciência, e eu percebi que isso também acontecia por exemplo com o tema do meio ambiente, da desigualdade social, da saúde pública, e com isso eu procurei direcionar o site para essa pauta, principalmente no que diz respeito à Amazônia. 

Existe jornalismo no Norte do Brasil

FS: Existe sim, jornalismo aqui na região norte, na região Amazônica, e já tem um bom tempo. Eu comecei nisso em 2008, e de lá para cá, a gente tem visto aqui na região desde a internet muita produção de conteúdo de qualidade em todas as mídias, seja impressa, seja a internet seja tv, rádio. Eu posso falar mais pelo meu estado que é onde eu tenho mais convivência, mas eu tenho notícias de várias iniciativas de toda região amazônica. Eu recebi por exemplo há alguns meses material de um podcast de uma comunidade indígena, um negócio sensacional, muito interessante. E a gente tem outros exemplos, como a Amazônia Real, que é uma agência que trabalha a temática da Amazônia e eu não conheço nenhum trabalho no Brasil melhor, nenhuma equipe profissional melhor para trabalhar a questão de comunidades indígenas e comunidades ribeirinhas. No país não tem referência melhor do que a Amazônia Real que faça esse trabalho de uma forma tão competente, tanto que as fundadoras vivem recebendo prêmios, porque o trabalho delas realmente é diferenciado. 

Agora, é uma região extremamente grande, com muita dificuldade de acesso. Ir até essas localidades pessoalmente é muito complicado, exige tempo, exige o deslocamento de infraestrutura porque nem todas as localidades tem a condição de receber profissionais, tem desafios logísticos. Então existe uma integração, mas a integração física é bem mais complicada. Mesmo aqui no Amazonas, para a gente ir a algumas localidades demora dias de barco. 

Interesse da população sobre sustentabilidade

FS: Mesmo entre nós não é um tema que você possa imaginar que todo mundo entende tudo, até porque quando você está inserido no contexto é mais difícil para você enxergar o todo. No caso aqui da Amazônia todo mundo entende que é importante que é necessário preservar que necessário ter atenção que é importante para o clima tudo isso, mas também existe o outro lado da questão. Por muito tempo nós aqui vivemos com a ideia de que a Amazônia é o maior celeiro de biodiversidade do planeta, que isso pode nos trazer muita muitos benefícios econômicos, muitas vantagens financeiras, então é muito complicado quando você tem essa visão e uma população com muitos problemas sociais, fazer com que essa população entenda que não dá para sair explorando a Amazônia indiscriminadamente, porque isso vai ter um impacto ambiental. E isso se reflete na nossa classe política, que noventa por cento tem votado, tem militado contra o meio ambiente e a favor de coisas como mineração,  extremamente nocivos ao meio ambiente, mesmo com nossos alertas. Por isso é tão importante que a imprensa, o jornalismo, abracem essa causa como algo frequente. Não dá para ser uma coisa que você mostra sexta-feira à noite no Globo Repórter, uma coisa meio pitoresca uma coisa exótica, uma coisa que tá ali para você ver no seu final de semana de lazer ou uma coisa meio segmentada com o público que gosta de ciência.

Eliane Brum

FS: Eliane também é uma referência para nós, uma grande profissional atuando na região. É muito satisfatório para nós, não vejo nenhuma disputa de mercado a esse respeito, vejo muito mais como um privilégio. Porém, é preciso enxergar a importância da região, mas acima de tudo a importância das pessoas que moram aqui, então se você quer dar importância à causa ela tem que ser completa. Acho que a Eliane compreende muito bem isso, ela está muito bem integrada, todo o material que ela produz eu vejo como uma grande referência, uma grande riqueza de detalhes e sempre muito em sintonia com que a gente vive aqui, mas nem ela nem nenhum de nós está livre dessa cultura de centralizar as regiões Sudeste e Sul como a referência do Brasil.

A ideia do Sumaúma foi excelente, a iniciativa era fantástica, mas o vídeo que ela apresenta é que acabou incomodando algumas pessoas, e quando eu assisti eu entendi o que incomodou. Se você tiver um projeto de jornalismo sobre o povo negro do Brasil, você não vai anunciar três jornalistas brancos para o projeto, se você for fazer uma agência que vai cobrir a causa das mulheres, você não vai ter três editores homens. A gente não sabe quantos jornalistas locais estão envolvidos, mas os que apareceram até agora não são da Amazônia, né? É um inglês, a Carla Gimenez, não sei de onde é mas não é da Amazônia, e a Eliane, que por mais que more aqui, ela tem cinco anos de região, ela não é oriunda da Amazônia. E essa coisa de dizer que é a primeira, né? Eu sei se é mesmo a primeira, antes de sair dizendo que é?

Então no final é isso: Eliane tem matérias fantásticas, amigáveis, fala com muita propriedade assim sobre vários assuntos. Mas ainda tem essa essa cultura de achar que tem que vir alguém de fora para trazer. E não é o caso.

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Caio Maia

Caio Maia

Caio Maia é o publisher da F451 e do GizBr. Escreve a cada duas semanas sobre mídia, e quando os editores deixam escreve sobre outras coisas também. Passou pela Folha e depois fez Trivela, revistas ESPN e Sustenta! e uma lista longa de blogs, sites e podcasts.

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