Copa do Mundo: jogo inaugural nunca foi tudo isso, diz a história

Talvez seja uma ilusão coletiva a ideia de que a abertura de um mundial tenha de ser entre grandes equipes. Isso raramente aconteceu. E, em campo, teve resultados decepcionantes.
Comemoração equatoriana do gol contra o Catar - Imagem: Reprodução/Fifa.com

Catar 0 x 2 Equador… Muita gente está perguntando: “Isso lá é jogo para abrir uma Copa do Mundo?” Pode ser que não. Um país do Oriente Médio que nunca disputou uma Copa antes (e só faz isso agora por ser sede) contra um sul-americano respeitável, mas mediano. Um anticlímax garantido por sorteio.

Mas talvez seja uma ilusão coletiva a ideia de que a abertura de um mundial tenha de ser entre grandes equipes. Isso raramente aconteceu. E, em campo, teve resultados decepcionantes.

Vale lembrar logo de cara que o jogo inaugural da Copa, isolado de todos os outros da primeira rodada e com algum tipo de cerimônia antes da partida, é um evento relativamente recente. Só começou em 1966 na Inglaterra, que aproveitou sua experiência em pompa e circunstância para oferecer um espetáculo que teve até a Rainha Elizabeth cumprimentando os times em campo.

De 1930 a 1962, não houve um jogo inaugural propriamente dito. Até oito partidas eram disputadas ao mesmo tempo no primeiro dia. No máximo, havia algum esboço de solenidade no jogo do país-sede, com alguma autoridade discursando.

Em 1930, até houve uma “cerimônia” para inaugurar o Estádio Centenário, só que a Copa já estava em andamento.

Cerimônias pomposas, cenários e coreografias? Na primeira Copa não teve nada disso

Exceção mesmo foi o jogo Brasil 4 x 0 México em 1950, que celebrava a abertura do Maracanã (oficialmente inaugurado uma semana antes com jogos entre seleções cariocas e paulistas). Único jogo do dia, foi um esboço do que conhecemos hoje como primeiro jogo de um mundial.

O Brasil amassou o México na estreia da Copa de 1950, no Maracanã. Mas a história mais marcante do estádio aconteceu contra o Uruguai – e não teve um final feliz para a gente

Como já citamos, o conceito de jogo inaugural se iniciou em 1966 no estádio de Wembley, na Inglaterra. A Fifa determinou que essa primeira partida seria entre o time da casa e o adversário que fosse sorteado. E as bolinhas da sorte colocaram o bicampeão mundial Uruguai para enfrentar a Inglaterra.

Pois bem. Dois pesos-pesados do futebol, diferentemente de 2022. Só que o jogo foi deprimente, um 0 a 0 truncado e chato. Que estabeleceu um padrão para as três Copas seguintes.

Em 1970, o Estádio Azteca na Cidade do México teve uma festa com desfiles de “delegações” (com jovens no lugar dos jogadores das seleções) como numa Olimpíada. Bonito e simples. Mas a partida México 0 x 0 União Soviética foi um nada absoluto quanto ao futebol.

1970: um desfile de delegações bonitos, mas uma partida feia

Para 1974, a Fifa mudou a regra. O jogo inaugural teria a seleção campeã de quatro anos antes. Um início da defesa do título.

A Alemanha Ocidental organizou uma cerimônia visualmente impressionante, com bolas gigantes que se abriam para liberar pessoas que iriam formar no campo o logotipo do mundial.

Só que, na partida, o tricampeão Brasil teve uma postura defensiva que em nada lembrava o time de 1970. Num campo pesado por chuva, ficou no 0 a 0 com a tradicional Iugoslávia e se safou da derrota graças à trave, que desviou uma cabeçada de Branko Oblak (pai de Jan Oblak, atual goleiro do Atlético de Madrid).

Defensor do título de 1970. o Brasil fez um jogo sem graça contra a Iugoslávia em 1974

Em 1978, a Argentina sob ditadura militar imitou os alemães e teve ginastas formando o símbolo da Copa no estádio Monumental em Buenos Aires. E um discurso do sanguinário presidente, o general Jorge Videla. Sabe o que aconteceu depois? Um 0 a 0 de dormir entre Alemanha Ocidental e Polônia, campeã e 3ª colocada de quatro anos antes.

Festa bonita, outro zero a zero para a conta – assim como em 1970. Pelo menos o desfecho foi feliz para os hermanos

Na Espanha, em 1982, a cerimônia foi no Camp Nou, em Barcelona. Coreografias etc. O momento mais marcante foi um menino com uniforme da seleção espanhola entrando em campo com uma bola. Ele abriu a pelota e uma pomba branca saiu voando. Um pedido de paz, já que então acontecia a Guerra das Malvinas entre Argentina e Reino Unido.

Um Dieguito genial contra seis belgas

No jogo, a Argentina, praticamente o mesmo time campeão de 1978 reforçado por Maradona, perdeu por 1 a 0 para a Bélgica, vice-campeã europeia.

É desse jogo a histórica foto de Maradona cercado por seis jogadores belgas. Parece um exagero de marcação a um gênio. Na verdade, é um instante único de uma barreira belga se desmanchando após uma cobrança de falta.

Em 1986, começou a sensação de mais do mesmo na cerimônia pré-jogo. E em campo a Itália ficou no 1 a 1 com a Bulgária. Feio de doer.

Na Itália em 1990, o jogo foi no histórico San Siro, em Milão. E entrou para a história graças a uma vitória de Camarões sobre a Argentina de Maradona por 1 a 0. Os dois países avançaram e fizeram campanhas bem sucedidas (Camarões até as quartas, Argentina vice-campeã).

Roger Mila e companhia fazem história contra uma Argentina bicampeã mundial

Os Estados Unidos tentaram realizar uma abertura com celebridades em Chicago em 1994. Teve a popularíssima apresentadora de TV Oprah Winfrey e também a cantora Diana Ross errando de forma vexaminosa um pênalti num mini-gol programado para desmontar sozinho quando a bola entrasse.

Na partida de abertura, sob um sol de matar, a Alemanha campeã se contentou com 1 a 0 sobre a Bolívia. Jogo chocho.

Na França, em 1998, novamente o Brasil abriu a Copa. Contra um adversário com o peso de ser um pioneiro do futebol, a Escócia. O jogo foi esquisito e acabou com uma vitória brasileira por 2 a 1 graças a um gol contra do escocês Boyd no 2º tempo, depois de um cruzamento de Cafu.

Na Copa de 2002, dividida entre Japão e Coreia do Sul, a inauguração ficou com os coreanos. Em Seul, um repeteco do jogo inaugural de 1990, com o campeão perdendo para uma equipe africana. A França, sem o contundido Zidane em campo, perdeu por 1 a 0 para o estreante Senegal.

A partir daí, a Fifa decidiu que os campeões teriam de disputar eliminatórias em vez de ter vaga garantida no mundial seguinte como era até então. Isso levou a nova mudança na regra do jogo inaugural, que voltava a ser direito do país-sede.

Em 2006, a Alemanha até fez uma partida boa de ver, derrotando a Costa Rica por 4 a 2, com um golaço do lateral Lahm logo de cara.

Para 2010, muita gente fez o mesmo muxoxo de agora com Catar x Equador. A anfitriã África do Sul contra o México não parecia grande coisa no papel.

Vuvuzelas soando ao fundo, Siphiane Tshabalala levando alegria a um estádio lotado na primeira partida da África do Sul na história das copas

A cerimônia pré-jogo ajudou a aquecer os ânimos. O ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, já bem doente, desfilou em campo num carrinho, numa cena comovente. E a festança teve também o ex-craque brasileiro Sócrates, um ano e meio antes de sua morte.

Em campo, o gol de abertura dos sul-africanos aos 10 minutos do 2º tempo, feito por Tshabalala, derreteu corações com a comemoração coletiva com uma dancinha alegre dos jogadores. O México empatou em 1 a 1 depois, mas o saldo foi mais satisfatório do que se pensava.

Em 2014, o Brasil teve a Croácia para enfrentar na Arena Corinthians em São Paulo. E começou tomando susto, com um gol contra do lateral Marcelo para os croatas. A Seleção virou para 3 a 1 depois, mas não dá pra dizer que foi um jogo de marcar época.

Uma Copa que começa com um gol contra não poderia acabar muito bem para os donos da casa…

A Copa de 2018 teve o mesmo tipo de reclamação sobre o nível das equipes do jogo inaugural. A Rússia não chegava aos pés de seu passado como parte da União Soviética, futebolisticamente falando. E a Arábia Saudita é um figurante frequente dos mundiais, sem chegar a lugar algum.

A Arábia Saudita foi o adversário que os russos pediram a Deus. Resultado? 5 a 0 para a seleção da casa

Pelo menos, houve chuva de gols com uma vitória russa por 5 a 0, mesmo que a partida tenha sido bem corriqueira.

Enfim, preocupe-se menos com o jogo inaugural. O que vale mesmo é a final.

Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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