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Coreia do Sul, a amigona dos amistosos num jogo para valer

Adversária recorrente de joguinhos caça-níqueis desde 1995, a seleção asiática faz seu primeiro jogo contra o Brasil numa competição oficial – e justamente num mata-mata de Copa do Mundo

Desta vez não é amistoso. A Coreia do Sul enfrenta o Brasil pelas oitavas-de-final da Copa do Mundo às 16h desta segunda-feira (5/12) no Catar. Só um seguirá adiante. Muito diferente de todos os confrontos anteriores entre os dois países.

Os brasileiros se acostumaram a pensar na seleção da Coreia do Sul como aquele adversário de amistosos que aparecia sempre que a CBF queria faturar mais uns milhares de dólares. Desde 1995, foram seis. O último em junho passado, em Seul, com goleada do Brasil por 5 a 1.

A única vitória sul-coreana foi em 1999, com 1 a 0 sobre a Seleção dirigida por Vanderlei Luxemburgo. E o jogo mais significativo foi uma vitória de virada do Brasil por 3 a 2 em Seul, em novembro de 2002, na qual Zagallo voltou a ser o treinador pela última vez, numa homenagem da CBF ao Velho Lobo.

Além disso, as seleções sub-23 fizeram uma semifinal de Olimpíadas em 2012, que o Brasil venceu por 3 a 0.

Mas a Coreia do Sul tem muita história em Copas além desses embates com o Brasil.

Estreia nas Olimpíadas

A primeira participação da Coreia do Sul numa competição internacional foi nas Olimpíadas de 1948, meses depois do novo país e da nova confederação nacional KFA (sigla em inglês para Associação de Futebol da Coreia).

Era um renascimento. A Coreia (norte e sul) foi invadida, dominada e oprimida pelo Japão de 1910 a 1945, quando os japoneses foram derrotados na Segunda Guerra Mundial.

Como aconteceu na Europa, a nação foi dividida entre os Aliados. A União Soviética pegou a administração da região norte e Estados Unidos, Reino Unido e França controlaram a parte sul.

As tensões deram origem à Guerra da Coreia, que durou de 1950 a 1953 e teve como saldo a separação total entre o norte comunista e o sul capitalista. Mas a Coreia do Sul já era um país independente desde 1948.

Nas Olimpíadas de Londres, a Coreia teve em campo o jogador mais velho do torneio de futebol: Kim Yong-Sik, de 38 anos. O curioso é que, na época do domínio nipônico, ele defendeu a seleção do Japão nas Olimpíadas de Berlim, em 1936.

Num torneio todo de mata-matas, os coreanos surpreenderam ao vencer na estreia o México por 5 a 3, pelas oitavas-de-final. Só que, nas quartas, amargou uma solene goleada de 12 a 0 aplicada pela Suécia.

A primeira Copa

Em 1954, a Coreia do Sul tornou-se o primeiro país independente da Ásia a disputar a Copa do Mundo. Antes, o continente teve as Índias Holandesas (atual Indonésia) na Copa de 1938. Mas, como o nome já entrega, a nação era colônia da Holanda na época.

Nas eliminatórias, um triunfo sobre seus antigos algozes. Apenas a Coreia do Sul e o Japão participaram do grupo asiático. Com dois jogos em Tóquio, os sul-coreanos golearam por 5 a 1 no primeiro e empatou em 2 a 2 no segundo.

No mundial da Suíça, a história foi outra. Na estreia, sofreu um massacre de 9 a 0 da magnífica seleção da Hungria – foi a maior goleada das Copas até o 10 a 1 da mesma Hungria sobre El Salvador em 1982.

Só que os coreanos praticamente acabaram de chegar à Suíça depois de 46 horas de voo. E quatro de seus jogadores deixaram o campo durante o jogo por exaustão.

No outro jogo, a Coreia voltou a ser goleada por 7 a 0 pela Turquia. Dois jogos, 16 gols. O goleiro Hong Deok-young levou todos e é individualmente o guarda-metas mais vazado numa Copa até hoje.

Longa ausência

Ainda embalada, a Coreia do Sul foi bicampeã das duas primeiras Copas da Ásia em 1956 e 1960 – e até hoje não voltou a vencer o torneio continental. E mergulhou num longo período obscuro, sem se classificar para outra Copa do Mundo.

Uma luz surgiu quando o atacante Cha Bum-kun surgiu no final dos anos 1970, jogando muito bem no futebol da Alemanha.

Ele ainda é um dos jogadores que mais atuaram pela seleção (136 partidas) e seu maior artilheiro (58 gols). E foi o técnico da Coreia na Copa de 1998, mas foi humilhantemente demitido após o segundo jogo, uma derrota de 5 a 0 para a Holanda.

O brilhantismo de Cha Bum-kun demorou um pouquinho até levar a Coreia do Sul de volta a um mundial em 1986 no México. Desde então, o país nunca mais ficou fora de uma Copa.

Na estreia, um festival de pontapés dos coreanos, especialmente em Maradona, e uma derrota de 3 a 1.

Mas a comemoração do camisa 10 Park Chang-Sun foi comovente pela emoção que ele demonstrou ao fazer o primeiro gol sul-coreano na história das Copas.

Depois de um empate em 1 a 1 com a Bulgária, a Coreia do Sul deu um susto na Itália (já traumatizada pela derrota de 1 a 0 para a Coreia do Norte em 1966). Foi um jogo apertado em que os sul-coreanos chegaram a empatar o placar em 1 a 1 e seguiram botando pressão até o apito final, com vitória dos italianos por 3 a 2.

Participações corriqueiras

Nos três mundiais seguintes, a Coreia foi mera coadjuvante. Na Itália em 1990, três derrotas para Bélgica, Espanha e Uruguai.

Nos EUA em 1994, até surpreendeu ao empatar com a Espanha em 2 a 2 na estreia. Mas, depois de um 0 a 0 com a Bolívia, perdeu por 3 a 2 para a Alemanha e voltou para casa.

Na França em 1998, derrotas para o México por 3 a 1 e Holanda por 5 a 0 foram seguidas por um empate de 1 a 1 com a Bélgica, com um técnico interino no lugar do demitido Cha Bum-kun.

Apito amigo em casa

Em 2002, as coisas seriam diferentes. A Coreia do Sul era país-sede junto com o Japão. Contratou o técnico holandês Guus Hiddink, que levou a Holanda às semifinais em 1998. E foi mais longe que o rival asiático no torneio. Não sem algumas ajudinhas históricas.

Na 1ª Fase, a Coreia foi campeã de seu grupo após vencer a Polônia (2 a 0), empatar com os EUA (1 a 1) e derrotar Portugal (1 a 0).

Foi nas oitavas que a farra do apito começou. O adversário era a Itália. E o adversário da Itália era o juiz equatoriano Byron Moreno (preso em 2010 nos Estados Unidos por tráfico de heroína).

Logo no começo, os coreanos tiveram um pênalti a seu favor, mas o goleiro Buffon defendeu. E a Itália saiu na frente com gol de Vieri logo aos 18 minutos. Mas pelo resto do jogo o juiz apitou os lances a favor da Coreia.

Um gol de Tommasi, perfeitamente legal, foi anulado por impedimento. E, aos 43 do 2º tempo, Seol Ki-hyeon empatou para a Coreia e forçou a prorrogação com Gol de Ouro (o primeiro gol encerra o jogo).

No tempo extra, o craque italiano Totti foi expulso com o segundo cartão amarelo porque o juiz Byron achou que ele tentou cavar uma falta. E o empate durou até os 13 do 2º tempo da prorrogação, quando Ahn Jung-hwan fez o segundo da Coreia e terminou a partida.

Nas quartas, a Espanha também sofreu com o árbitro egípcio Gamal Al-Ghandour. Um gol foi anulado porque a bola teria saído pela linha de fundo antes do cruzamento (vídeos demonstraram que não saiu). O jogo acabou em 0 a 0 após 120 minutos e, nos pênaltis, a Coreia ganhou por 5 a 3 e se classificou.

A brincadeira do apito acabou nas semifinais porque com a Alemanha não se brinca. Os alemães venceram por 1 a 0 com gol de Ballack aos 30 do 2º tempo. Mas o mesmo Ballack, maior craque daquele time, levou seu segundo cartão amarelo na Copa e ficou suspenso para a final contra o Brasil.

Na decisão de 3º lugar contra a Turquia, a Coreia levou o gol mais rápido de todas as Copas aos 11 segundos, feito por Hakan Şükür. Os turcos venceram por 3 a 2. Mas esse 4º lugar da Coreia é a melhor colocação de uma seleção asiática num mundial.

Medalha olímpica

Na Copa da Alemanha em 2006, a Coreia voltou ao normal. Venceu Togo (2-1), empatou com a França (1-1), perdeu da Suíça (2 a 0) e já foi eliminada.

Na África do Sul, em 2010, os sul-coreanos passaram em 2º no grupo vencido pela Argentina do técnico Diego Maradona (que bateu a Coreia por 4 a 1). A alegria acabou nas oitavas com derrota de 2 a 1 para o Uruguai.

Entre uma Copa e outra, a equipe sub-23 da Coreia surpreendeu nas Olimpíadas de Londres em 2012. O técnico foi o histórico ex-jogador Hong Myung-bo, também recordista de jogos pela seleção junto de Cha Bum-kun, ambos com 136 partidas.

A seleção asiática eliminou a dona da casa Grã-Bretanha nas quartas-de-final nos pênaltis por 5 a 4. Mas perdeu a semifinal para o Brasil por 3 a 0.

A decisão da medalha de bronze foi contra o velho inimigo de sempre, o Japão. Os sul-coreanos venceram por 2 a 0 e subiram ao pódio com o 3º lugar.

Na Copa de 2014 no Brasil, a Coreia apostou nessa geração das Olimpíadas. Mas decepcionou. Depois de um empate de 1 a 1 com a Rússia, perdeu da Argélia e da Bélgica e deu adeus.

Finalmente, em 2018 na Rússia, a Coreia conseguiu uma proeza que, se não serviu para classificar a equipe para o mata-mata, pelo menos é um jogo histórico: a eliminação da então campeã Alemanha.

Na terceira rodada, depois de derrotas para Suécia e México, os sul-coreanos venceram os alemães por 2 a 0 marcando seus gols nos acréscimos do 2º tempo: Kim Young-gwon aos 49 e o grande craque Son Heung-min aos 51 minutos. A visão da festa coreana em contraste com alemães desabando no gramado e chorando constitui a enormidade dessa vitória.

 

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