Coronavírus, calor e pobreza podem ser um problema triplo nos EUA
O calor é a condição climática que mais mata nos EUA. À medida que o país se aproxima do verão, o risco é ainda mais perigoso devido à pandemia de coronavírus.
Nem todo mundo tem acesso a ar-condicionado ou refrigeração em casa durante as ondas de calor. Isso é especialmente verdade para famílias de baixa renda ou comunidades de minorias étnicas. Normalmente, cidades abrem centros de refrigeração em espaços públicos, como bibliotecas ou escolas, para evitar doenças relacionadas ao calor. Ou as famílias vão para as praias ou piscinas em busca de alívio.
No entanto, as medidas de distanciamento social tornam isso mais complicado, forçando as pessoas a escolherem entre se arriscar a pegar COVID-19 ou sofrer com doenças relacionadas ao calor.
As pessoas com maior risco de doenças relacionadas ao calor, como insolação ou morte, são as mesmas com maiores riscos de complicações por COVID-19. O vírus é mais letal para indivíduos mais velhos — embora nem mesmo os jovens estejam seguros — e pessoas que já sofrem de problemas de saúde subjacentes.
Nos EUA, isso levanta preocupações para as comunidades de pessoas não-brancas — principalmente os negros, que já enfrentam taxas mais altas de asma e diabetes. Já estamos vendo o vírus ter um impacto desproporcional nas comunidades de minorias étnicas, especialmente as negras, indígenas e latinas.
Os EUA já estão vendo as consequências do calor extremo, e temperaturas recordes atingem o sudoeste do país. Um alerta de calor excessivo estava em vigor no Parque Nacional do Vale da Morte, que fica entre a Califórnia e Nevada no fim de semana. O condado de Los Angeles abriu seus centros de refrigeração na semana passada em resposta ao calor extremo, mas seguiu as medidas de distanciamento social.
Na região de Los Angeles, 40% das casas ainda não têm acesso a resfriamento, de acordo com um estudo de 2019. Uma análise desse estudo constatou que a maioria dessas residências está localizada em setores censitários de baixa renda.
A história provavelmente tem muito a ver com isso: uma pesquisa descobriu que comunidades nos EUA que sofreram redlining — práticas de segregação e discriminação no acesso a serviços e direitos — são mais quentes do que aquelas que não eram. Isso provavelmente se deve a uma confluência de fatores, incluindo mais infraestruturas pavimentadas, como rodovias que prendem o calor e a falta de parques e espaços verdes.
“Vemos que muitas das mesmas populações que são mais vulneráveis a eventos extremos de calor porque não têm acesso a ar-condicionado em casa também são as populações que são particularmente suscetíveis ao COVID-19”, diz Kelly Sanders, professora de engenharia na Universidade do Sul da Califórnia e co-autora da pesquisa. “Certamente há sobreposições entre essas duas crises de saúde pública.”
Um grupo de homens respeita o distanciamento social em um centro de refrigeração com o aumento da temperatura em meio à pandemia. Foto de 6 de maio de 2020, em Los Angeles. Foto: AP
Embora maio tenha sido bastante frio até agora na metade leste dos EUA, é provável que isso mude com o verão, de acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia do país. O calor pode ser particularmente brutal no sul, onde a umidade e as altas temperaturas formam uma mistura mortal.
O risco de infecção por coronavírus tornará isso ainda mais perigoso, especialmente quando os estados do sul começarem a reabrir prematuramente suas economias. Na Geórgia, onde as empresas começaram a reabrir no final de abril, as projeções mostram que o número de mortes pode subir. A última coisa que esta região precisa é de um aumento no calor, que colocará uma população que não está praticando o distanciamento social em um contato ainda maior.
Diante do vírus, nunca esteve tão evidente que as pessoas precisam de acesso regular ao ar-condicionado ou ao resfriamento em casa. Até que a pobreza seja aliviada, no entanto, uma comodidade que muitos consideram trivial permanecerá fora do alcance das famílias que mais precisam.
A energia necessária para alimentar essas máquinas não é barata e, no momento, as famílias estão passando por dificuldades, já que a taxa de desemprego dispara e as pessoas ficam sem renda.
Os serviços públicos não estão ajudando também. Os cortes no fornecimento, sejam eles de água ou energia, são uma ameaça muito real para as pessoas em todo o país que não podem pagar suas contas. Mesmo as pessoas que possuem um ar-condicionado podem ter medo de ligá-lo por causa da conta de luz, especialmente se perderem o emprego.
“Seria um golpe triplo para pessoas de baixa renda e minorias étnicas que não têm acesso ao ar-condicionado em casa ou não podem arcar com isso”, diz Astrid Caldas, cientista climático sênior do programa de clima e energia da União de Cientistas preocupados.
Municípios estão adotando diferentes abordagens para lidar com isso. O New York Times relata que algumas cidades estão pensando em alugar quartos de hotel para manter os sem-teto longe do calor escaldante. Outras estão buscando subsidiar os custos de energia ou a compra de unidades de refrigeração.
Essas são boas soluções de curto prazo, mas nenhuma das duas irá apagar completamente o problema. Enquanto as comunidades permanecerem na pobreza, a situação permanecerá sem ser resolvida.
“Muitas pessoas estão agora criticando a maneira que lidamos com esta pandemia, já que fomos avisados de que havia um risco de algo assim, e claramente não estávamos o mais preparados possível”, disse Sanders. “Acho que dá para dizer o mesmo sobre as mudanças climáticas. Sabemos que esses eventos extremos de calor já estão acontecendo, e sabemos que no futuro eles acontecerão com mais frequência, por isso temos que sair na frente deles e começar a nos preparar para ter planos para proteger nossas comunidades mais vulneráveis.”
A crise climática testará ainda mais os limites do calor que as pessoas podem suportar. As comunidades precisam de soluções de longo prazo — e rapidamente. O verão está chegando. Assim como a temporada de furacões. Assim como a temporada de incêndios. Quanto à crise climática, ela já está aqui. Precisamos nos preparar.