A maioria de nós preferiria não imaginar o que acontece com o nosso corpo depois que morremos, mas este processo faz nascer novas formas de vida de maneiras inesperadas, escreve Moheb Costandi.
“Talvez seja preciso um pouco de força para mover isso daqui”, diz a agente funerária Holly Williams, carregando o braço de John e gentilmente flexionando os dedos, cotovelos e pulsos dele. “Geralmente, quanto mais fresco o corpo, mais fácil é meu trabalho”.
Williams fala de forma leve e tem um comportamento sorridente que vai contra a natureza do trabalho dela. Criada e agora empregada na funerária de sua família no norte do Texas, EUA, ela viu e lidou com corpos quase que de forma diária desde a infância. Agora, com 28 anos, ela estima que já tenha trabalhado em mais de 1.000 cadáveres.
>>> Cães são melhores farejadores de cadáveres do que as máquinas
O trabalho dela envolve coletar corpos recém falecidos da região de Dallas e Fort Worth e prepará-los para o funeral.
“A maioria das pessoas que recolhemos morre em casas de repouso”, diz Williams, “mas em alguns casos recolhemos pessoas mortas por tiros ou em acidentes de carro. Podemos receber uma ligação para pegar uma pessoa que morreu sozinha e foi encontrada dias ou semanas depois, e ela já está em decomposição, o que torna o meu trabalho muito mais difícil”.
John estava morto havia cerca de 4 horas antes do corpo dele ser trazido à funerária. Ele foi relativamente saudável pela maior parte da vida. Ele trabalhou a vida inteira nos campos de petróleo do Texas, um emprego que o mantinha fisicamente ativo e em boa forma; parou de fumar há décadas; e bebia álcool de forma moderada. Daí, em um dia frio de janeiro, ele sofreu um terrível ataque cardíaco em casa (aparentemente desencadeado por outras complicações desconhecidas), caiu no chão e morreu quase que imediatamente, aos 57 anos de idade.
Agora, John deita sobre a mesa de metal de Williams, o corpo dele envolto em um lençol de linho branco, frio e duro ao toque, a pele dele com uma coloração roxa e acinzentada — sinais de que os estágios iniciais da decomposição já estavam acontecendo.
Autodigestão
Longe de estar “morto”, um cadáver apodrecendo está cheio de vida. Um crescente número de cientistas vê um cadáver em apodrecimento como os fundamentos de um vasto e complexo ecossistema, que emerge depois da morte e evolui com a decomposição.
A decomposição começa alguns minutos depois da morte em um processo chamado autólise, ou autodigestão. Momentos depois do coração ter parado de bater, as células ficam privadas de oxigênio e a acidez delas aumenta, à medida que os subprodutos tóxicos das reações químicas começa a se acumular dentro delas. As enzimas começam a digerir as membranas celulares e vazam; assim, as células começam a se romper.
Isso geralmente começa no fígado, rico em enzimas, e no cérebro, que possui um nível maior de água. Depois, todos os outros tecidos e órgãos começam a se desmembrar. Glóbulos brancos danificados começam a vazar de vasos rompidos e, auxiliados pela gravidade, instalam-se nos capilares e em pequenas veias, descolorindo a pele.
A temperatura do corpo também começa a cair, até se aclimatar ao ambiente. Então chega o rigor mortis — a rigidez cadavérica — começando pelas pálpebras, queixo e músculos do pescoço, antes de prosseguir ao tronco e aos membros. Em vida, células musculares se contraem e relaxam graças à ação de duas proteínas filamentosas (actina e miosina), que andam juntas. Depois da morte, as células ficam sem energia e as proteínas filamentosas ficam paradas no lugar. Isso faz com que o músculo fique rígido, prendendo as articulações.
Durante estes primeiros estágios, o ecossistema cadavérico consiste em grande parte nas bactérias que vivem dentro e fora do corpo humano. Nossos corpos hospedam uma enorme quantidade de bactérias; todas as superfícies e cantos do corpo providenciam um habitat para uma comunidade microbial especializada. De longe, a maior dessas comunidades vive no intestino, lar de trilhões de bactérias que pertencem a centenas ou milhares de espécies diferentes.
O microbioma do intestino é um dos tópicos mais pesquisados na biologia; ele está ligado à saúde humana e a uma pletora de doenças e problemas, incluindo autismo, depressão, síndrome do cólon irritável e obesidade. Mas ainda sabemos pouco destes passageiros microbiais. Sabemos ainda menos sobre o que acontece com eles quando nós morremos.
Em agosto de 2014, a cientista forense Gulnaz Javan, da Universidade Estadual do Alabama (EUA), e seus colegas publicaram o primeiro estudo sobre o que eles chamaram de tanatomicrobioma (de “thanatos”, a palavra grega para morte).
“Muitos dos nossos exemplos vêm de casos criminais”, diz Javan. “Alguém morre em um suicídio, homicídio, overdose de drogas ou em um acidente de carro, e eu coleto amostras do corpo. Existem problemas éticos porque preciso de consentimento”.
A maioria dos órgãos internos são desprovidos de micróbios quando estão vivos. Pouco depois da morte, no entanto, o sistema imunológico para de funcionar, deixando que eles se espalhem livremente por todo o corpo. Isso geralmente começa no intestino, na junção do intestino grosso e delgado — e então os tecidos adjacentes — de dentro para fora, usando o coquetel químico que vaza das células danificadas como fonte de alimentação. Então eles invadem os capilares do sistema digestivo e os linfonodos, espalhando-se primeiro no fígado e no baço, depois o coração e o cérebro.
Javan e a equipe dela colheram amostras do fígado, baço, cérebro, coração e sangue de 11 cadáveres, entre 20 e 240 horas depois da morte. Eles usaram duas tecnologias de ponta de sequenciamento de DNA, combinadas com bioinformática, para analisar e comparar as bactérias presentes em cada amostra.
As amostras colhidas de diferentes órgãos no mesmo cadáver eram parecidas umas com as outras, mas muito diferentes das amostras colhidas do mesmo órgão em outros pacientes. Isso talvez seja devido parcialmente às diferenças na composição do microbioma de cada cadáver, ou talvez seja causado pela diferença na hora da morte de cada corpo. Um estudo anterior avaliou a decomposição de camundongos e descobriu que, apesar do microbioma mudar drasticamente após a morte, ele faz isso de forma consistente e mensurável. Os pesquisadores puderam estimar a data da morte dentro de um intervalo de três dias.
O estudo de Javan também sugere que este ‘relógio microbiológico’ pode estar funcionando dentro do corpo humano em decomposição. Ele mostrou que as bactérias alcançaram o fígado em cerca de 20 horas depois da morte, e elas levaram cerca de 58 horas para se espalhar pelo restante do corpo de forma sistemática. O tempo levado para infiltrar o primeiro órgão interno e então outro pode prover uma nova forma de estimar a hora da morte.
“Depois da morte, a composição das bactérias muda”, diz Javan. “Elas se movem para dentro do coração, do cérebro e então órgãos reprodutores por último”. Em 2014, Javan e seus colegas obtiveram US$ 200.000 da Fundação de Ciências Naturais para continuar as pesquisas. “Nós utilizaremos sequenciamento e bioinformática de próxima geração para ver qual órgão é o melhor para estimar [a hora da morte] — isso ainda não é claro”, ela diz.
Uma coisa que parece clara, entretanto, é que uma composição diferente de bactérias está associada a diferentes estágios da decomposição.
Putrefação
Espalhados entre pinheiros em Huntsville, no Texas, EUA, estão cerca de meia dúzia de cadáveres em vários estágios de decomposição. Os dois corpos postos recentemente estão de braços abertos próximos ao centro do local, com grande parte da pele acinzentada macilenta ainda intacta, as costelas e os ossos pélvicos visíveis entre a pele que apodrece pouco a pouco. A alguns metros deste local está outro corpo, completamente esqueletizado, com a pele dura e escura agarrada aos ossos, como se o cadáver vestisse uma roupa de látex brilhante com capuz. Próximo dali, entre outros restos esqueléticos espalhados por abutres, está um terceiro corpo, dentro de uma gaiola de metal e arame. Este está próximo do fim do ciclo da morte, parcialmente mumificado. Diversos cogumelos marrons crescem onde um dia estava um abdômen.
Para a maioria de nós, avistar um corpo em decomposição é na melhor nas possibilidades desconfortante; e na pior, algo repulsivo e assustador, coisa de pesadelos. Mas este é o dia a dia dos pesquisadores do Departamento de Ciências Forense Aplicada do Sudeste do Texas. Aberto em 2009, o departamento está localizado em uma área de cerca de 100 hectares de floresta nacional mantida pela Universidade Pública de Sam Houston (SHSU). Dentro dela, um trecho de mais ou menos 4 hectares de terrenos densamente arborizados foi selado da área maior e subdividido por cercas de arame farpado de 3 metros de altura.
No final de 2011, os pesquisadores Sibyl Bucheli, Aaron Lynne e seus colegas da SHSU deixaram dois cadáveres novos ali, e deixaram eles se decomporem em condições naturais.
Uma vez que a autodigestão se inicia e a bactéria começa a escapar do trato gastrointestinal, a putrefação começa. Isso é a morte molecular: a quebra dos tecidos moles que os transforma em gases, líquidos e sais. Este processo já se inicia em estágios iniciais da decomposição, mas ele fica bem mais forte quando bactérias anaeróbicas entram em ação.
A putrefação está associada a uma mudança de bactérias aeróbicas, que precisam de oxigênio para crescer, para as anaeróbicas, que não precisam de oxigênio. Estas então se alimentam de tecidos do corpo, fermentando açúcar para produzir subprodutos gasosos como metano, sulfureto de hidrogênio e amônia, que acumulam dentro do corpo, inflando (ou estufando) o abdômen e, em alguns casos, outras partes do corpo.
Isso causa uma maior descoloração do corpo. À medida que glóbulos brancos danificados continuam a se romper dos vasos em desintegração, as bactérias anaeróbicas convertem moléculas de hemoglobina, que costumavam carregar oxigênio pelo corpo, em sulfoemoglobinemia. A presença desta molécula em sangue parado dá a pele uma aparência esverdeada, característica de um corpo em decomposição ativa.
A pressão do gás que continua a se acumular dentro do corpo faz com que bolhas apareçam por toda a superfície da pele. Isso é seguido pelo afrouxamento de grande parte da pele, que permanece presa apenas à estrutura em deteriorando abaixo delas. Os gases e os tecidos liquefeitos acabam saindo do corpo, geralmente vazando pelo ânus e outros orifícios, e frequentemente também de peles rasgadas de outras partes do corpo. Em alguns casos, a pressão é tão forte que o abdômen chega a estourar.
O estufamento é muitas vezes usado para demarcar a transição entre os estágios da decomposição, e outro estudo recente mostra que essa transição é caracterizada por uma distinta mudança na composição das bactérias cadavéricas.
Bucheli e Lyne colheram amostras das bactérias de várias partes do corpo no início e no final do estágio de estufamento. Eles então extraíram o DNA das bactérias das amostras e o sequenciaram.
Como uma entomologista, Bucheli está mais interessado nos insetos que colonizam os cadáveres. Ela vê um cadáver como um habitat especializado para várias espécies de insetos necrófagos (ou comedores de mortos), alguns dos quais passam por um ciclo de vida inteiro dentro do corpo ou em seus arredores.
Colonização
Quando um corpo em decomposição começa a eliminar substâncias, ele fica completamente exposto às redondezas. Neste estágio, o ecossistema cadavérico chega ao seu ponto máximo: trata-se de um ‘centro’ para micróbios, insetos e detritívoros.
Duas moscas diretamente conectadas à decomposição são as varejeiras (e suas larvas) das famílias Calliphoridae e Sarcophagidae. Os cadáveres liberam um desagradável odor adocicado, feito de um complexo coquetel de compostos voláteis que mudam conforme a decomposição avança. As varejeiras detectam o cheiro usando receptores especializados em suas antenas, elas então pousam no cadáver e botam ovos nos orifícios e nas feridas abertas.
Cada mosca deposita cerca de 250 ovos que se chocam dentro de 24 horas, dando vida a larvas de primeiro nível. Estas larvas se alimentam de carne apodrecendo e se transformam em larvas maiores, que se alimentam por várias horas antes se transformar mais uma vez. Depois de se alimentarem um pouco mais, elas se distanciam do corpo. Elas então se transformam em pupas, para, enfim, se tornarem moscas adultas. Este ciclo se repete até não existir mais nada no que elas possam se alimentar.
Sob condições ideais, um corpo em decomposição ativa terá um grande número de larvas em terceiro nível se alimentando dele. Estas “larvas em massa” geram muito calor, aumentando a temperatura interna do corpo em mais de 10˚C. Como pinguins amontoados no Polo Sul, larvas individuais dentro da massa estão em movimento constante. Mas enquanto pinguins se amontoam para se aquecerem, as larvas se movimentam para se resfriarem.
“É uma faca de dois gumes”, explica Bucheli, cercada de grandes larvas de brinquedo e uma coleção de bonecas de Monster High em seu escritório na SHSU. “Se a larva está sempre pelas bordas, ela pode ser comida por um pássaro, e se ela está sempre pelo centro, ela pode sofrer com o calor. Então elas estão sempre se movimentando do centro para as bordas, indo e voltando”.
A presença de moscas atrai predadores como besouros de couro, ácaros, vespas e aranhas, que se alimentam das moscas ou parasitam em seus ovos e larvas. Abutres e outros detritívoros, assim como outros grandes animais comedores de carne, também podem se aproximar do corpo.
No entanto, na ausência de detritívoros, as larvas são responsáveis por remover os tecidos moles. Conforme notou Carl Linnaeus (que idealizou o sistema o qual cientistas nomeiam espécies) em 1767, “três moscas podem consumir o cadáver de um cavalo tão rápido quanto um leão”. Larvas de terceiro nível se distanciam em grandes quantidades do cadáver, geralmente seguindo uma mesma rota. A atividade delas é tão rigorosa que seus caminhos de migração podem ser vistos depois que a decomposição chega ao fim, como fundos sulcos no solo emanando do cadáver.
Toda espécie que visita um cadáver tem o próprio repertório de micróbios do intestino, e espécies diferentes de solo tendem a acolher comunidades distintas de bactérias — uma composição que é provavelmente determinada por fatores como temperatura, umidade, tipo de solo e textura.
Todos estes micróbios se misturam e se associam com o ecossistema cadavérico. As moscas que pousam no cadáver não vão apenas depositar os ovos nele, mas também levam consigo algumas das bactérias presentes no cadáver, além de deixar algumas delas próprias neles. E os tecidos liquefeitos vazando do corpo permitem uma troca de bactérias entre o corpo e o solo abaixo dele.
Quando colheram amostras dos cadáveres, Bucheli e Lynne detectaram bactérias originadas da pele no corpo e de moscas e detritívoros que o visitaram, além de bactérias presentes no solo. “Quando um corpo vaza líquidos, as bactérias do intestino começam a sair, e vemos uma grande proporção delas do lado de fora do corpo”, diz Lynne.
Portanto, é provável que todo corpo tenha a sua própria assinatura microbiológica, e essa assinatura pode mudar com o tempo de acordo com as condições exatas do local em que a morte ocorreu. Um melhor entendimento da composição dessas comunidades de bactérias, a relação entre ela e como elas influenciam umas às outras conforme a decomposição avança, pode um dia ajudar equipes forenses a saber mais onde, quando e como uma pessoa morreu.
Por exemplo, detectar sequências de DNA pertencentes a um organismo ou tipo de solo em particular a um cadáver pode ajudar investigadores de cenas do crime a conectar o corpo de uma vítima a uma geolocalização específica ou tornar menor a busca por pistas, talvez até especificar um campo dentro de uma área.
“Existem diversos casos judiciais no qual a entomologia forense forneceu importantes peças de um quebra cabeça”, diz Bucheli, e ela espera que bactérias possam providenciar informações adicionais, se tornando mais uma ferramenta para aperfeiçoar a estimativa da hora da morte. “Espero que, em mais ou menos cinco anos, possamos começar a usar dados de bactérias em julgamentos”, ela diz.
Até então, pesquisadores estão ocupados catalogando as espécies de bactérias que estão presentes dentro e fora do corpo humano, estudando como populações de bactérias se diferenciam entre cada indivíduo. “Eu amaria ter uma base de dados da vida para a morte”, diz Bucheli. “Eu amaria conhecer um doador que me permita colher amostras de bactérias enquanto ele está vivo, durante o processo de morte dele e enquanto ele se decompõe”.
Purgando
“Este aqui é o líquido que é expelido de corpos em decomposição”, diz Daniel Wescott, diretor do Centro de Antropologia Forense da Universidade Estadual do Texas, em San Marcos.
Wescott, um antropólogo especializado na estrutura do crânio, usa um tomógrafo para analisar a estrutura microscópica dos ossos trazidos da fazenda de corpos. Ele também colabora com entomólogos e microbiólogos — incluindo Javan, que tem se ocupado analisando amostras do solo de cadáveres coletados do departamento de San Marcos — além de engenheiros da computação e um piloto, que opera um drone fotográfico que registra imagens do local.
“Eu li um artigo sobre drones que voavam sobre campos de colheita, pesquisando quais seriam os melhores para plantar”, ele diz. “Eles procuravam por espectrometria de infravermelho próximo, e solos organicamente mais ricos apresentavam uma coloração mais escura que os outros. Eu pensei que se eles podiam fazer isso, então talvez nós pudéssemos detectar esses pequenos círculos”.
Os “pequenos círculos” são ilhas de cadáveres em decomposição. Um corpo em decomposição altera significativamente a composição química do solo abaixo dele. A purgação — o vazamento de materiais que restam dentro de um corpo — libera nutrientes no solo, e a migração de larvas transfere muita da energia no corpo para o ambiente. Todo o processo acaba criando uma “ilha de cadáveres em decomposição”, uma área de solo organicamente rico e altamente concentrado. Além de liberar nutrientes para um amplo ecossistema, isso atrai outros materiais orgânicos, como animais mortos e matéria fecal de animais maiores.
De acordo com uma estimativa, um corpo humano padrão consiste em 50 a 70% de água, e cada quilograma de massa corporal seca libera 32g de nitrogênio, 10g de fósforo, 4g de potássio e 1g de magnésio no solo. Inicialmente, isso mata parte da vegetação abaixo e ao redor do corpo, possivelmente por causa da toxicidade do nitrogênio ou por causa dos antibióticos encontrados no corpo, que são secretados pelas larvas de insetos conforme elas se alimentam da carne.
Mas, depois, a decomposição é benéfica ao ecossistema. A biomassa microbial existente dentro de uma ilha de cadáveres em decomposição é maior que outras áreas próximas. Vermes nematoides, associados com a retirada de nutrientes, se tornam mais abundantes, e a vegetação se torna mais diversa.
O avanço nas pesquisas sobre como corpos em decomposição alteram a ecologia dos arredores pode fornecer novas formas de encontrar vítimas de assassinatos cujos corpos foram enterrados em sepulturas rasas.
Análises do solo da sepultura podem providenciar outra possível forma de estimar a hora da morte. Um estudo de 2008 sobre as mudanças bioquímicas que ocorrem na ilha de um cadáver em decomposição mostrou que a concentração de lipídios no solo de um cadáver vazando tem seu auge 40 dias após a morte, enquanto os de nitrogênio e fósforo extraível alcançam o auge em 72 e 100 dias, respectivamente. Com um entendimento mais detalhado deste processo, análises da bioquímica do solo de sepulturas podem um dia ajudar pesquisadores forenses a estimar há quanto tempo um corpo foi posto em uma sepultura escondida.
Enterro
No implacável tempo seco do verão texano, um corpo exposto a estes elementos será mumificado antes de se decompor por completo. A pele rapidamente perderá quase toda a umidade, ficando perdurada nos ossos quando o processo estiver completo.
A velocidade das reações químicas envolvidas dobra a cada aumento de 10˚C na temperatura. Desta forma, um cadáver alcança um avançado estágio de decomposição depois de 16 dias a uma temperatura média diária de 25˚C. Até lá, a maior parte da carne já terá sido removida do corpo, e a migração em massa das larvas pode começar.
Os egípcios antigos aprenderam sem querer como o ambiente afeta a decomposição. No período pré-dinástico, antes que eles começassem a construir caixões e tumbas elaboradas, os mortos eram envoltos em linho e enterrados diretamente na areia. O calor inibia a atividade dos micróbios, enquanto o enterro prevenia que os insetos alcançassem os corpos, então eles ficavam muitos bem preservados.
Depois, eles começaram a construir tumbas elaboradas para os mortos, para providenciar uma vida ainda melhor na vida após a morte, mas isso teve um efeito oposto ao esperado: separar o corpo da areia acelerava a decomposição. Aí os egípcios inventaram o embalsamamento e a mumificação.
O embalsamamento envolve tratar o corpo com produtos químicos que desaceleram o processo de decomposição. O embalsamador egípcio primeiramente lavava o corpo do falecido com vinho de palma e água do Rio Nilo, removia a maioria dos órgãos internos por incisões feitas do lado esquerdo, e os enchia de natrão (uma mistura natural de sais encontrada por todo o Rio Nilo). Ele usava um longo gancho para puxar o cérebro pelas narinas, para então cobrir todo o corpo com natrão, deixando-o secar por 40 dias.
Inicialmente, os órgãos secos eram postos dentro de vasos canópicos que eram enterrados juntamente ao corpo; depois, eles passaram a ser envolvidos em linho e retornados ao corpo. Finalmente, o corpo era envolto em múltiplas camadas de linho, em preparação para o enterro. Agentes funerários estudam os métodos de embalsamamento do Egito Antigo até os dias de hoje.
De volta à casa funerária, Holly Williams executa algo semelhante para que a família e os amigos possam ver os entes queridos no funeral como eles foram em vida, em vez de vê-los como eles são agora. Para as vítimas de traumas e mortes violentas, isso envolve extensas reconstruções faciais.
Por morar em uma cidade pequena, Williams trabalhou em muitas pessoas que ela conhecia e com quem conviveu — amigos que morreram de overdose, cometeram suicídio ou morreram mexendo no celular enquanto dirigiam. Quando a mãe dela faleceu, há quatro anos, foi Williams quem cuidou do enterro dela, adicionando toques finais à maquiagem facial da mãe: “Fui eu quem sempre cuidou do cabelo e da maquiagem dela quando ela era viva, então eu sabia como fazer isso bem”.
Ela transfere John para a mesa de preparação, remove as roupas dele e o posiciona, então pega diversas garrafinhas de fluido de embalsamamento da parede. O fluido contém uma mistura de formol, metanol e outros solventes; ele temporariamente preserva os tecidos do corpo conectando células de proteína umas às outras, e arrumando-as no lugar certo. O fluido mata bactérias e previne que elas quebrem as proteínas para usá-las como alimento.
Williams derrama o conteúdo das garrafas na máquina de embalsamamento. O fluído possui uma série de cores; cada uma correspondente a um tom de pele diferente. Ela seca o corpo com uma esponja molhada e faz incisões diagonais acima da clavícula. Depois, ela levanta a artéria carótida e a veia subclávia do pescoço e as amarra com fios, ela então empurra uma cânula (um tubo fino) na artéria e pequenas pinças na veia para abrir os vasos.
A seguir, ela liga a máquina, que bombeia o fluido dentro da artéria carótida e ao redor do corpo de John. Conforme o fluido entra, o sangue sai pelas incisões, escorregando pelas bordas da mesa de metal e caindo dentro de uma grande pia. Enquanto isso, ela pega um dos braços e o massageia gentilmente. “Leva cerca de uma hora para remover todo o sangue de uma pessoa e substitui-lo pelo fluido de embalsamamento”, diz ela. “Coágulos de sangue podem desacelerar o processo; a massagem ajuda a rompê-los e a acelerar o fluxo do fluido de embalsamamento”.
Uma vez que o sangue é substituído, ela aperta um aspirador contra o abdômen de John e suga todos os fluidos da cavidade, sugando também qualquer urina e fezes que ainda possam estar dentro do corpo. Finalmente, ela costura as incisões, seca o corpo uma segunda vez, acerta o rosto e o veste novamente. John está pronto para o funeral.
Corpos embalsamados também se decompõem. Exatamente quando, e quanto tempo isso leva, depende da forma como o embalsamamento foi feito, o tipo de caixão em que o corpo foi posto e como ele foi enterrado. Afinal, nossos corpos são meras formas de energia presas em pedaços de matéria, esperando serem lançadas de volta ao universo.
De acordo com a lei da termodinâmica, a energia não pode ser criada ou destruída, apenas convertida de uma forma para outra. Em outras palavras: as coisas têm fim, convertendo massa para energia enquanto acabam. A decomposição é uma lembrança mórbida e final que toda matéria no universo deve seguir estas leis fundamentais. Ela nos destrói, equilibrando nossa massa corpórea com os arredores e nos reciclando para que outros seres vivos possam fazer bom uso dela.
Este artigo foi originalmente postado no Mosaic e republicado sob licença Creative Commons. Primeira foto por Lori Semprevio/Flickr